Holacracia: a organização para colaboração

Modelos de gestão baseados em controle e cobrança estão dando lugar a autogestão e autorresponsabilização. Mas como podemos criar ambientes colaborativos, mais humanos sem negar as hierarquias naturais?

Raoni Henrique
5 min readApr 14, 2018

“Quando há caos e ordem simultaneamente, na medida certa, a auto organização ocorre”.

Há alguns anos venho me convencendo cada vez mais que caminhamos para um modelo de sociedade colaborativa e ecossistêmica, com negócios e empresas mais humanizadas e com pessoas se colocando a serviço de algo maior, o tão falado propósito. Além da mudança individual na forma como percebemos o trabalho, a sociedade esse novo mundo em rede e distribuído exige novos paradigmas em termos de gestão e como as empresas se organizam.

Se caminhamos para modelos em rede por que a forma com as empresas se organizam ainda seguem padrões centralizadores, focados em poder e controle?

Em modelos mais colaborativos e horizontais dentro de organizações as pessoas estão conectadas de forma distribuída para resolver problemas de modo independente, porém interconectado. Essas novas formas de se operar vai contra o que se prega em termos de gestão e administração tradicional mas tem gerado ganhos em diversas empresas que operam em novos níveis de consciência. Mas como a gente se organiza para que esses modelos se perpetuem e aconteçam de modo aparentemente caótico porém organizado? Estaríamos falando basicamente da abolição da hierarquia?

Hierarquias x holarquias

Sim e não. Segundo o filósofo Ken Wilber, a palavra hierarquia adquiriu uma conotação negativa porque houve uma confusão entre hierarquias dominadoras e hierarquias naturais (ou holarquias). A hierarquia dominadora baseada no comando/controle, no micro gerenciamento dos indivíduos e dominação, mitiga a criatividade e a iniciativa individual. Não criamos visões de mudança, ou acessamos nosso maior potencial criativo e também não nos colocamos a serviço do todo, do bem estar comum. Mas isso não significa que deveríamos desprezar as hierarquias.

Como um sistema vivo, a natureza se auto-organiza para manter a harmonia.

A natureza é toda feita de hierarquias, e todos os processos de crescimento e colaboração também se dão assim. A visão holística pressupõe que “o todo é maior que a soma das partes”, ou seja, fazemos parte de um todo que estabelece uma cola que liga e une as partes em uma unidade coerente. Logo, o conjunto está em um nível de organização maior e mais profundo que as partes isoladas, e fazendo parte de algo maior devo me colocar como parte importante, mas o todo se torna mais importante que uma ou outra parte.

Negar a hierarquia é um ato hierárquico. O princípio básico do holismo é a holarquia: a dimensão maior ou mais profunda estabelece um princípio, ou uma ‘cola’, ou modelo, que une e loga, em vez de separar, confrontar e isolar as partes numa unidade coerente, um espaço onde as partes separadas possam reconhecer uma totalidade comum e, assim, evitar que o destino seja meramente uma parte, um fragmento. Ken Wilber

Ao negar a hierarquia natural das coisas viramos amontoadores, e por isso em muitas tentativas de criar organizações totalmente horizontais falhamos. Nos esquecemos que é preciso de algum tipo de ordem (verticalidade) e assim reduzimos o desempenho, eliminamos o holismo e a consequente capacidade de colaboração e abundância.

Holacracia nas empresas, modelos de gestão horizontais e organizações teal

Ao negar o controle que mitiga a criatividade e o propósito individual, mas ao mesmo tempo entender que existe uma ordem natural que deve ser respeitada e que ajuda no processo de gestão, surgiu a Holacracia que vem sendo adotada como modelo de gestão por algumas empresas de todo o mundo. Esse conjunto de estruturas e práticas foi criado pelo empreendedor norte-americano Brian Robertson. O conceito surgiu a partir da experimentação de novas práticas de gestão quando Robertson fundou uma empresa de software. Hoje ele criou a HolacracyOne uma consultoria para difundir a prática.

Um dos casos mais famosos de aplicação desse modelo operacional organizacional é o da Zappos, e-commerce norte-americano de roupas e sapatos, cujo CEO Tony Hsieh criou grupo de pessoas que operam em círculos autogerenciáveis. Apesar do poder ser descentralizado cada grupo de trabalho tem líderes. Mas os grupos definem as regras a serem seguidas, processo de tomada de decisão e tem autonomia para contratar membros e tem orçamento próprio para compras. Aqui no Brasil um exemplo de gestão horizontal na prática é na empresa de recrutamento Vagas.com.

O modelo de autogestão do vagas.com não define metas nem orçamentos e as equipes de trabalho operam de forma autônoma. A empresa cresceu em média 20% todos os anos nessa década.

Hierarquias tradicionais e seus sistemas de controle são máquinas de gerar medo e desconfiança. Ao empoderar e dar autonomia a equipes e funcionários, as empresas que adotam essas práticas como a Holacracia acabam motivando o colaborador no seu trabalho engajando mais em suas tarefas já que ele se sente mais valorizado. Ao mesmo tempo, uma vez que as decisões não vem de cima para baixo, cria-se um sentimento de dever ao executar o que foi determinado (um plano de produção, uma estratégia de longo prazo, etc.) já que os próprios grupos definiram o que deveria ser feito — e provavelmente tem mais chance de estar mais realista com a realidade pois a decisão não vem de escritórios longe de clientes e da produção.

O autor belga Frederic Laloux no livro “Reinventando as organizações” chama organizações com práticas mais horizontais (e outras práticas que abordarei em outro texto) de organizações Teal, justamente por conseguirem operar em um nível de consciência mais avançado, abandonando a visão tradicional de comando e controle, que vem gerando insatisfação generalizada de pessoas com o seu trabalho.

Se por um lado a tecnologia avança exponencialmente e as pessoas tentam acompanhar e evoluir para novos níveis de consciência, empresas e suas estruturas, pensadas em um mundo que não existe mais, precisam repensar seus modelos (e o recado vale também para a esfera pública). As crenças que sustentam as hierarquias baseadas em controle, como a de que funcionários são por natureza preguiçosos, estão caindo por terra e precisamos de estruturas que façam emergir novas crenças. Estruturas mais conscientes, como a Holacracia, permitem que o ser humano se conecte novamente com o seu trabalho e propósito. Precisamos cada vez mais incentivar modelos de autogestão e reinventar a forma como nos relacionamos com o nosso trabalho no mundo.

--

--

Raoni Henrique

Consumer Insights e especialista em Ux e Design no Grupo Consumoteca. Fundador do @movimento ímpar. Autoridade em memes e polêmicas.