Inteligência Coletiva
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A colaboração pode criar futuros mais desejáveis para qualquer organização social, e o uso da ciência e tecnologia pode potencializar esse processo. Neste artigo vou tratar da inteligência coletiva nos sistemas de inovação, tema do meu projeto de pesquisa no mestrado de Modelagem de Sistemas Complexos.
A natureza coletiva
Desde os primórdios o ser humano soluciona problemas em resposta aos desafios encontrados no ambiente, e em várias situações assume riscos que colocam em jogo a própria sobrevivência, por exemplo, na caça de animais grandes e ferozes. Por isso, parte dos desafios encontrados no ambiente podem ser complexos para um único indivíduo, sendo necessária a colaboração de um grupo de indivíduos, com o objetivo de criar condições favoráveis para a resolução dos problemas.
Na natureza esse padrão se repete em diversos tipos de grupos. De acordo com o biólogo Nigel Franks, uma formiga é um animal pouco sofisticado, mas quando reunida em grandes números é dotada de grande capacidade para se organizar, construir, explotar e explorar. Da mesma forma, o cupinzeiro, a rede de neurônios do cérebro e o sistema imunológico do corpo humano, são caracterizados pelos cientistas como sistemas complexos.
Os sistemas complexos possuem uma ampla definição na literatura científica, mas possuem algumas propriedades em comum: são constituídos de muitos agentes com interações não lineares; não possuem um controle central; e apresentam comportamentos emergentes. Essas propriedades estão presentes em diversos tipos de grupos que podem constituir complexas redes formadas por muitos agentes, e se alterar ou adaptar em função do que ocorre em seu ambiente.
Em uma pesquisa com um grupo de primatas, realizada por Flack & Waal, mostra que o contexto do ambiente modula o significado do sinal na comunicação dos primatas. Ou seja, a capacidade dos grupos de se alterar ou adaptar em resposta às informações obtidas no ambiente favorece a emergência de uma inteligência coletiva, e possibilita a esses grupos evoluir como um sistema adaptativo.
Nesse sentido, parte do sucesso do ser humano como espécie está relacionado à capacidade de se organizar em grupos, e evoluir a partir de uma inteligência que emerge em resposta às mudanças do ambiente, e que beneficia não apenas ao indivíduo, mas a todo grupo.
Outras evidências desse comportamento inteligente são os diversos avanços sociais e econômicos, como o surgimento de inúmeras inovações que permitiram o desenvolvimento da agricultura e das revoluções industriais.
Inteligência Coletiva como Sistema Complexo
A inteligência coletiva é uma propriedade emergente de grupos de indivíduos que agem de forma coordenada para alcançar resultados. A necessidade de entender esses grupos levou à descoberta de teorias quantitativas da tomada de decisão, que motivou o nascimento da ciência estatística moderna, um dos principais motores da teoria econômica e social.
Por exemplo, a Teoria da Decisão e a Teoria dos Jogos são utilizadas para modelar o comportamento de um indivíduo, possibilitando a simulação do comportamento de um grupo de indivíduos. Ou seja, a partir do micro é possível obter um entendimento macro do sistema.
Modelos de cooperação em sistemas sociais, como “O Dilema do Prisioneiro” de Robert Axelrod (1997, 1984) e “O Problema do El Farol” de W. Brian Arthur (1994), buscam potencializar os benefícios para os agentes do sistema. A cooperação em um sistema pode ser explicada através da individualidade de cada agente, sendo esses agentes egoístas, precisam obter benefício próprio dentro do sistema, e o modelo de cooperação permite que alcancem seus objetivos com maior sucesso.
Contudo, ainda que os indivíduos busquem otimizar suas escolhas para maximizar a utilidade, sabemos que a sua racionalidade é limitada. Pois o indivíduo busca tomar a melhor decisão a partir da disponibilidade de informação.
Por outro lado, de acordo com Mulgan (2018), atualmente a disponibilidade computacional e de dados tem impulsionado a humanidade, e consequentemente os grupos de indivíduos, para uma sociedade orientada por algoritmos e estatísticas. E para Camargo (2020), os sistemas complexos são uma maneira de obter o entendimento objetivo a respeito dos principais desafios da nossa sociedade.
“Sem dúvida, seremos gratos por estarmos imersos em uma sociedade do conhecimento. No entanto, o fácil acesso a dados, informações e conhecimento não leva a decisões melhores ou mais sábias. Em vez de aprender coisas novas para melhorar nossa qualidade de vida, a maioria de nós vive em um ambiente assustador, com alguns tentando negar o valor de novos conhecimentos. Os métodos científicos precisam se tornar muito mais acessíveis a todos, desde cedo. Os métodos dos Sistemas Complexos e da Inteligência Coletiva devem ser sistematizados para serem acessíveis às decisões pessoais do dia a dia (CAMARGO; MATTOS; GOLDENBERG, 2020).”
Malone (2018) define como Super Minds a reunião de muitos cérebros trabalhando em conjunto com computadores. E justifica que os indivíduos se agrupam pelas seguintes razões: a tomada de decisão em grupo cria muitos benefícios; o custo da tomada de decisões em grupo é baixo; e os benefícios líquidos da tomada de decisão em grupo são efetivamente distribuídos.
Nesse sentido, os avanços no campo da inteligência artificial, através de modelos baseados em Inteligência Coletiva Distribuída (DAI), tem apresentado significativa contribuições para a resolução de problemas, através de métodos de Inteligência de Enxames (SI), Modelagem Baseada em Agente (ABM) e Sistemas Multi-Agente (MAS).
A inteligência coletiva pode reunir dados, tecnologias e competências de indivíduos para prover melhores cenários para a tomada de decisões a respeito dos problemas complexos. Encontramos uma vasta produção multidisciplinar sobre o tema da inteligência coletiva, e também grupos consolidados de pesquisa como o Center for Complexity and Collective Computation (SFI), Center for Collective Intelligence (MIT) e Centre For Collective Intelligence Design (Nesta).
Um exemplo de projeto foi a colaboração da plataforma Unanimous AI com o Imperial College London e o Prof. Colin Talbot, que utilizou inteligência artificial para mediar processos de tomada de decisão coletiva. A plataforma Unanimous AI permite que um indivíduo faça sua escolha com base no que a multidão está escolhendo naquele exato momento, possibilitando uma escolha ponderada sobre todo cenário. Na ocasião do Brexit, eles descobriram que os eleitores estavam consistentemente mais felizes com os resultados gerados pela multidão do que aqueles produzidos pelo voto da maioria.
A pesquisa sobre inteligência coletiva terá um novo espaço para publicações na revista Collective Intelligence. Em agosto de 2020 o Santa Fe Institute anunciou que dois professores da instituição, Jessica C. Flack e Scott E. Page, irão compor o corpo editorial da revista Collective Intelligence, uma publicação on-line que será de copropriedade da Association for Computing Machinery (ACM) e da SAGE Publishing, com o apoio e colaboração da fundação de inovação Nesta.
Sistemas adaptativos de inovação
A natureza e os fundamentos da inovação na vida socioeconômica e cultural tem sido objeto de estudo nos Sistemas Complexos. E entender o comportamento inovador dos agentes que integram o ecossistema de inovação é um dos principais objetivos dos pesquisadores sobre tema.
Existe uma grande quantidade de dados oficiais sobre inovação, proveniente dos esforços dos agentes e também do impacto das inovações no ambiente. Por exemplo, indicadores sobre inovação, fruto de convenções internacionais como o Manual de Oslo, tem os dados coletados e compilados pelo IBGE, e os resultados publicados na Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica — PINTEC.
Contudo, os dados ainda não podem traduzir com clareza o comportamento que os geram. De acordo com Cooke (2014), esses dados se referem a diferentes aspectos da inovação como em produtos, processos e mudança organizacional, mas pouco se sabe sobre o “ato inovador” nele mesmo.
A cooperação entre os agentes do sistema de inovação pode alterar a dinâmica, porque a inovação influencia as expectativas, que por sua vez influenciam o planejamento de novas inovações. Logo uma inovação pode moldar deliberadamente a trajetória das expectativas do mercado.
Nesse sentido, os sistemas adaptativos de inovação se tornam complexos, e elevam o nível de incerteza sobre o retorno dos esforços de inovação para os agentes. Portanto, compreender o “ato inovador” como parte de uma experiência coletiva, pode modelar decisões melhores para todo o grupo.
A decisão pela inovação
Um sistema de inovação regional inclui clusters do setor privado, acadêmico, governo e da sociedade civil. Mas, esses agentes se organizam através de indivíduos tomadores de decisões, que são os principais responsáveis pelas iniciativas de inovação.
E a decisão pela inovação possui um risco que muitos indivíduos não estão dispostos a tomar. Ainda que a inovação possua uma utilidade esperada maior, farão opção pela alternativa menos arriscada. Esse comportamento é relatado na Teoria da Perspectiva, e pode ser caracterizado como uma resistência à inovação.
O comportamento de resistência à inovação pode se tornar uma ameaça, pois a coevolução com outros sistemas podem alterar a dinâmica deliberadamente, influenciando e moldando expectativas e o planejamento de novas inovações.
“A característica distintiva dos sistemas complexos em coevolução é sua capacidade de criar uma nova ordem. Em sistemas humanos, isso pode assumir a forma de novas maneiras de trabalhar ou se relacionar, novas idéias para produtos, procedimentos, artefatos ou mesmo a criação de uma cultura diferente ou uma nova forma organizacional (COOKE, 2014).”
Por exemplo, dentro do sistema de inovação, em alguma medida, todos os agentes são tomadores de risco em projetos de PD&I (Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação), mas as FAPs (Fundações de Amparo à Pesquisa) absorvem um grande volume de risco através do fomento a projetos. Naturalmente, o incentivo das FAPs muda o comportamento de resistência à inovação dos agentes, que são estimulados a empreender projetos mais arrojados.
Portanto, a hipótese de pesquisa sugere que a resistência à inovação, medida através da informação sobre a aversão ao risco dos agentes, pode ser utilizada como medida para analisar o ganho de informação sobre o comportamento inovador.
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