Coronavírus: Pauta política ou de saúde pública?

Raquel Recuero
5 min readMar 17, 2020

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Dando uma pequena contribuição para a discussão sobre o COVID-19 e as dificuldades das comunicações públicas para chegar nas pessoas, estou trabalhando com tweets sobre o assunto. Por que o Twitter? Porque é uma ferramenta com alto impacto em termos de público, e acesso importante e crescente entre os mais jovens. Meu objetivo aqui é verificar os temas e o comportamento da rede como um todo, no sentido de compreender como as pessoas estão falando sobre o assunto e o que está acontecendo nessas conversações que pode ser sintoma e problema para a contenção de informações importantes sobre a prevenção.

Inicialmente, tentei analisar as conversações sobre o coronavírus na última semana, porém a quantidade imensa de dados (mais de 30 milhões de tweets) não me permitiu gerar dados e analisar de modo mais rápido. Então mudei a estratégia e pensei em refletir um pouco sobre as conversações a respeito do assunto no Brasil apenas na data de hoje (16/03). Como o assunto é quentíssimo, são milhares de tweets (dos que usei para essa análise, apenas os tweets em Português), foram e 214,492 mil tweets e mais de 167 mil nós. Os dados foram coletados entre o início da manhã (10h) e o final da tarde (16h). Isso porque leva um tempo imenso para tirar os tweets do servidor e outro tanto para analisar. Desses dados, tirei alguns pontos que eu acho relevantes e que vale a pena ficar de olho durante a evolução da pandemia.

Dados sobre os Tweets

Para analisar os tweets fiz uma análise temática sobre os 100 tweets com maior número de RTs (portanto, maior impacto na conversação). Esse número total representa pouco mais de 50% do volume total de tweets coletados (ou seja, apenas esses 100 tweets originais são responsáveis por 50% do tráfego total relacionado no dia, mais de 150 mil tweets). Eu odeio gráficos pizza, mas infelizmente não achei um jeito melhor de representar esses dados.

Tipos de tweets coletados na data de hoje (16/03)

Memes e piadas — Típico do Brasil, a categoria mais presente são piadas e memes (38%) sobre a pandemia. Essas piadas escorregam um pouco para a desinformação, na medida em que reduzem o impacto da informação. No entanto, na média, são apenas piadas e referências humorísticas sobre o vírus, sem informação relevante ou sem desinformação relevante.

Informação — Essa é a categoria que compreende as informações sérias sobre a pandemia, dicas e orientações dos órgãos de saúde, notícias e conteúdo que visa esclarecer o público sobre o assunto. Também incluí as campanhas dos governos estaduais. Corresponde a 23% do total de tweets analisados.

A alta prevalência da pauta política — Cerca de 16% dos tweets com maior impacto tinham uma clara crítica política. Isso implica que, mesmo uma conversação sobre saúde pública aparece polarizada em torno de discussão política, de um modo muito semelhante àquele que observamos durante as eleições. Isso implica em uma série de coisas, mas o que eu acho mais grave: A tendência é que os conteúdos que cirulam mais de um lado circulem menos do outro (o famoso fenômeno denominado câmara de eco). Além da crítica política, tem a crítica social (10%) dos tweets, que indica também um forte teor político dessas conversações. Somadas, essas duas categorias batem a segunda mais presente: informações sobre o vírus, recomendações dos órgãos de saúde pública e do ministério da saúde.

Desinformação — Para mim é a categoria mais problemática. São informações falsas, manipuladas ou construídas para enganar as pessoas. Nessa categoria, apenas 5% dos tweets, a maioria com cunho político. Acho importante observar que é uma categoria pouco prevalente e que, portanto, tem baixo impacto. (Apesar de 5% do total analisado.) Esse dado acena para alguns outros estudos que temos onde observamos que a desinformação mais séria, relacionada a informação fabricada e manipulada, parece acontecer mais fora do Twitter.

Alarmes — São tweets cujo principal propósito é compartilhar algum tipo de notícia catastrófica, seja no sentido de mobilizar as pessoas ou mesmo de espalhar pânico. É uma porção igualmente pequena do total (5%). Não contei como desinformação porque apesar de catastróficas, as informações são verdadeiras, apenas revestidas de um véu de alarme e sensacionalismo.

Dados sobre as Conversações

Primeiramente, achei bem relevante que essas conversações continuam com uma estrutura fortemente polarizada (dois grandes grupos). No primeiro, em azul, concentram-se as críticas ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e aos elogios ao presidente da República, Jair Bolsonaro. São tweets com maior teor político, normalmente ou fazendo uma crítica política ou social, ou relacionando o coronavírus com as manifestações de domingo.

Do outro lado, em rosa, concentram-se principalmente os veículos jornalísticos (notadamente, a Folha e o Estadão), órgãos do governo e políticos. Aqui, o teor também é de crítica política, mas contrária, desta vez, ou reproduzindo as críticas ao presidente da República e sua presença na manifestação do dia 15 ou reproduzindo informações dos veículos.

Rede de retweets sobre o coronavírus em Português (16/03). Nós com maior indegree (citações) aparecem em tamanho maior.

Nos dois grupos transitam memes e piadas. Notadamente, informações alarmistas estão mais frequentes no grupo rosa.O grupo azul, seguindo o teor das declarações do presidente, minimiza mais o problema.

Esses dois grupos representem apenas aquelas contas que receberam pelo menos UM retweet (4% do total), indicando que na maior parte, as pessoas parecem apenas falar alguma coisa que não ecoa na rede sobre o assunto.

Rede das conversações me torno do coronavírus no dia 16/03. As cores indicam a tendência dos nós de estarem próximos (retuitarem-se entre si) — modularidade.

E daí?

Acho que o ponto importante a atentar daqui por diante é que a pauta da saúde pública e do COVID-19 tem sido apropriada como pauta política, seja para criticar o presidente ou para criticar políticos. Isso é importante, porque também indica o espaço por onde anda a desinformação: De modo geral, ela tem forte cunho político, ou reproduzindo falas de políticos que minimizam a pandemia, ou criando relações falsas entre os fatos explicitados pela mídia (para criticar políticos ou levantar pautas políticas). Essa apropriação também partidariza a doença e reduz o impacto das notícias e dicas de prevenção que são vistas como "alarmistas" e "exageradas".

Esse cenário polarizado que vemos aqui parece sim facilitar a difusão de desinformação e é ruim para a difusão de informações relevantes que importem para a sociedade. Veremos como a rede se comporta nos próximos dias, podemos estar ainda observando um resultado direto das polêmicas de domingo.

De um modo geral, as conversações ainda trazem pouca informação, focando mais na piada e no meme, que de certa forma minimizam os efeitos e características da pandemia. A presença da piada pode ter uma forte relação com o Brasil ainda não ter sido atingido com força, ou mesmo com uma tentativa de reduzir o alarme para que as pessoas lidem melhor com a questão.

Essa análise, repito, tem tweets de apenas um dia. Resta ver como as conversações vão se comportar daqui por diante. Não prometo análises todos os dias, mas veremos o que tenho tempo de fazer.

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Raquel Recuero

Professor and researcher. Director of MIDIARS. Social media. Computer mediated Conversation. Political discourse. Gender discourse.