JARDIM GRAMACHO: HÁ VIDAS ALÉM DO LIXÃO

Raíssa Rodrigues
6 min readJun 28, 2018

O lugar que antes era fonte de renda para centenas de famílias, hoje é cenário de descaso do poder público.

O lixo ainda continua sendo um problema. Foto: Juan Melo

Durante 34 anos o bairro Jardim Gramacho, localizado no município de Duque de Caxias, abrigou o maior lixão da América Latina. Em 2012, seu funcionamento foi encerrado e desde então a população que mora no entorno do local sobrevive de forma precária e dependente de doações. O lixão nunca foi revitalizado, como os órgãos públicos haviam prometido.

As moradias, feitas no improviso, com pedaços de madeira e até mesmo papelões, compõem o bairro. A água é escassa, e quando falta é preciso andar muito para buscá-la. Saneamento básico não existe. Os vários fios usados nos “gatos” de energia são visíveis e mesmo assim muitas casas não possuem eletricidade. E nas ruas de terra, cobertas por poeiras e esgoto a céu aberto, crianças brincam perante a uma realidade desoladora.

O fechamento da “rampa”, maneira em que os moradores chamam o lixão, era para ser uma das conquistas ambientais dos Jogos Olímpicos. Mas o legado gerou frustração e desamparo. A maioria das famílias tinha ali, naquele local de 1,3 milhão de metros quadrados, a sua única fonte de renda. O desemprego se tornou uma realidade, e o aumento do índice de violência também.

A DEPENDÊNCIA DE DOAÇÕES PARA UM NOVO RECOMEÇO

O Instituto acolhe 350 crianças. Foto: Nathalia Souza

Com a ausência de políticas públicas, são os projetos sociais que dão assistência à comunidade de Jardim Gramacho. O Instituto Inclusão e Desenvolvimento pelo Esporte (IDE) é um deles. Atuante no bairro desde 2009, o projeto tem como missão resgatar a dignidade dos moradores, por meio de esporte, educação e cultura. Aulas de judô e jiu-jitsu são ministradas pelo presidente do Instituto, Anderson Leite. Crianças veem no esporte a expectativa de uma realidade diferente daquela que elas vivem. “Na aula inaugural tínhamos 150 crianças, um número que cresceu muito, 10 anos depois e eu olho para trás e tenho satisfação […] daqui já saiu campeão brasileiro de judô e jiu-jitsu, temos uma bicampeã sul americana de judô […]”, diz o presidente.

Além das aulas de artes marciais, a instituição conta também com outros projetos voltados para crianças, adolescentes e adultos. O IDE realiza quase todos os finais de semana ações beneficentes que atendem as famílias que estão diretamente e indiretamente ligadas ao projeto. Embora o Instituto procure atender a todos, existe uma demanda muito maior de pessoas que precisam. Por ser reconhecido na região, outros projetos sociais interessados em colaborar com a causa, utilizam o Instituto como uma ponte de ligação entre os moradores. Esse foi o caso da Missão Repartir, projeto da Igreja Apostólica da Restauração. A instituição distribuiu cestas básicas, roupas e itens básicos de higiene pessoal para a população do bairro, além de brinquedos para as crianças. O pastor Eddie Wallace, ressalta que a Missão visa o bem comum e une pessoas que querem ajudar com as que precisam de ajuda. “Cada um tem a sua religião, mas apesar disso somos pessoas, e esse é o nosso foco”, diz Eddie.

Moradores à espera da distribuição das cestas básicas. Foto: Nathalia Souza

As vizinhas Leiciane Matias e Marcelle Matias, além do sobrenome, compartilham outras semelhanças. Desempregadas e com filhos para manter, as duas precisam da cesta para a alimentação da família. “O lugar que ‘nois’ mora lá dentro, não tem água encanada, não tem saneamento básico e tá começando a asfaltar agora. O carro pipa com mil litros de água é 45 reais e quem não tem dinheiro pra comprar tem que carregar numa distância grande.”, desabafa Leiciane. Nesse dia, as vizinhas conseguiram pegar a cesta, o que não ocorre com todos.

A Missão Repartir distribuiu 100 cestas básicas para os moradores de Jardim Gramacho. Foto: Juan Melo

“Não consegui pegar […] Têm pessoas que veio semana passada aqui e ‘pegou’ três cestas, ai hoje veio de novo e ‘pegou’.”

Com apenas 24 anos, solteira e desempregada, Núbia Moreira depende das ações dos projetos sociais da região. A única renda da jovem atualmente provém do Bolsa Família, mas não supre todas as necessidades do mês.

Ao meio dia o sol já estava ardendo e castigava aqueles que estavam na fila desde cedo para receberem uma cesta. Era nítido que o limite de número de cestas que seriam distribuídas já havia sido ultrapassado, mas mesmo assim as pessoas se aglomeravam em meio à multidão. Entre todos aqueles que esperavam, estava Núbia, debaixo de uma sombra, com o filho de apenas sete meses, no colo. E o único problema: ela não tinha senha para receber a contribuição. Com os olhos semicerrados, Núbia observava atentamente o fluxo da fila crescer. A jovem estava ali, desde oito horas da manhã, na esperança que sobrasse uma cesta para levar embora. Não sobrou. Essa foi a segunda semana consecutiva que Núbia voltava de mãos vazias para a casa. “Não consegui pegar […] Têm pessoas que veio semana passada aqui e ‘pegou’ três cestas, ai hoje veio de novo e ‘pegou’, revela. Núbia explica que o filho ainda não tem idade o suficiente para participar do IDE, e em ações como essa, no qual as famílias cadastradas no projeto possuem certa “prioridade”, ela não consegue uma senha. Sua última opção é depender da desistência ou ausência de algum outro participante. Mas no meio de toda essa escassez, quem faltaria em um dia como esse?!

Calef ainda é muito novo para participar do projeto. Foto: Juan Melo

A integrante do IDE, Vanessa Vecchi, confirma que a prioridade é atender as crianças inscritas no projeto e os adultos que estão sendo alfabetizados. Vanessa ressalta que as crianças são o foco do Instituto. “Porque com a crianças, conseguimos gerar um sonho, dar estrutura e dar amor. O que eles não têm. E as famílias no contexto geral, têm o direito básico como cidadãos de ter alimento”. Ainda segundo ela, não é só de doações que os moradores precisam, é necessário também um impulsionamento, por meio de cursos profissionalizantes, por exemplo. Uma vez que, além do lixão, existiam pessoas que só sabiam lidar com aquele tipo de trabalho. A rampa foi fechada, mas eles permanecem ali, sem perspectiva e oportunidades — fatores principais para que ao redor, exista um cenário de drogas e prostituição.

Foto: Nathalia Souza

Marcos Antonio Costa dos Santos. 34 anos. 3 filhos. Desempregado. A situação do homem, nascido e criado na região de Jardim Gramacho não é muito diferente de outros moradores. Quando criança, trabalhou boa parte da infância no lixão. “Trabalhei como toda criança trabalhou”, revela Antonio. Do lixo, retirava muitas das vezes o próprio alimento. Garimpava materiais que poderiam ser reciclados e os vendia. Sustentava-se daquilo. “Não chegava nem a ser um salário, era só para sobrevivência mesmo”. Após o fechamento do lixão, a realidade dos moradores ficou ainda mais carente. Marcos conta que sempre que pode, participa dessas ações. O material que é doado ajuda a complementar a renda da família que conta com a ajuda de duzentos reais do Bolsa Família.

Para Marcos, a nova geração tem sorte de não trabalhar no lixão. Foto: Juan Melo

O fechamento do lixão, para as autoridades, diminuiria as doenças que provinham do lixo. Entretanto, ainda é alto o índice de crianças com parasitoses, resultado do descaso do poder público para com a comunidade local. Pessoas continuam ficando enfermas. A situação é séria. E assim como o olhar de Núbia, a jovem que não conseguiu pegar a cesta, o olhar das outras pessoas também denunciam a situação desumana em que vivem.

Foto: Nathalia Souza

Uma reportagem de Juan Melo e Raíssa Rodrigues.

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Raíssa Rodrigues

Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.