Resenha do livro: Ortodoxia, do autor G. K. Chesterton

Raul Oliveira
4 min readFeb 4, 2018

Chesterton é um autor que possui vários títulos singulares. Talvez o mais icônico seja “apóstolo do senso comum”. Neste livro, em particular, vemos uma narrativa que mistura, de forma homogênea, uma série de críticas aos hereges e suas heresias (como uma continuação implacável do seu primeiro livro que alcançou a fama: Hereges), com uma narrativa de sua conversão pessoal ao catolicismo.

Chesteton viveu em uma época onde o darwinismo, o nihilismo, o existencialismo, o ateísmo, o materialismo, cientificismo e outras heresias estavam ganhando força e a cristandade começava a perder espaço novamente, quase como aconteceu durante a revolução francesa. Provavelmente, se não fosse sua inocência infantil e seu poder de raciocínio que foge do escopo da média, ele também teria sucumbido perante tais heresias.

O coração do livro possui um átrio e um ventrículo. O átrio, a existência irrefutável dos contos de fadas, junto com o ventrículo, o cristianismo como algo que é maior que o paganismo, bombeiam o sangue que oxigena e mantém viva a sanidade (ou o que restou dela) da humanidade. O livro é uma ponte sólida entre Hereges, no qual Chesterton esmaga heresias de forma mais profunda, com O Homem Eterno, onde o gorducho risonho faz uma construção antropológica e filosófica da humanidade e da cristandade.

A existência de contos de fadas foi, por muito tempo esquecida. Chesterton, porém, traz-nos a tona essa terra mística. É difícil, ainda mais nos dias atuais, enfrentar duras verdades como estas. Um mundo perdido em heresias, gnose, paganismo e satanismo está cego para as belezas dessas histórias infantis que retratam mundos ainda mais reais que nossa realidade. Chesterton usa os contos de fadas para se contrapor às heresias em suas formas mais vis: as ideologias. Uma ideologia é, a grosso modo, querer criar um paraíso terreno. Analisando algumas das principais ideologias de sua época, como o darwinismo ou o materialismo, o autor mostra que, embora tais ideologias pareçam, num primeiro momento, verdades sólidas, elas descrevem menos a realidade do que a história do Peter Pan em busca de sua terra do nunca. É claro que, tirando os ares de sátira, Chesterton escreve de forma bem fundamentada, embora estivesse objetivando falar aos leigos, uma vez que a Academia da época estava praticamente perdida, se afogando nos mares heréticos.

Chesterton ainda traz o Cristianismo como a resposta para todas as perguntas que os pagãos fizeram ao longo de toda a existência da humanidade. Embora seja mais explorado na segunda parte do livro O Homem Eterno, aqui já vemos sinais de que o autor possui uma robustez argumentativa maior que sua robustez física. A exemplo disso fica a comparação entre o mártir e o suicida. Quase todas as heresias de sua época louvavam o suicida e esnobavam, quando não blasfemavam, o mártir. Porém, devidamente argumentado por Chesterton, o contrário é que era verdadeiro e que só uma sociedade sã poderia deduzir isso. Um suicida é a negação de todas as virtudes; ele se nega a vida, a primeira vocação e virtude divina. Mais do que isso: ele destrói um mundo. Parafraseando Oskar Schindler, se quem salva uma vida, salva o mundo inteiro, quem a ceifa o destrói. Negar o livre arbítrio, negar a vontade divina é a pior das atitudes. Diametralmente oposto vem o mártir. Quase como que carregando um estandarte da mais bela das vitórias celestiais, ele carrega todas as virtudes cristãs. O próprio Cordeiro de Deus foi um mártir; pregado numa cruz, seu sangue purificou nossos pecados e sua morte destruiu os pilares do inferno. Qui inferno confregit. O mártir é o ápice da coragem, envolto num véu de humildade. A coragem, nas palavras de Chesterton, significa um forte desejo de viver, sob a forma da disposição para morrer. A humildade, segundo os Doutores da Ortodoxia católica, é a primeira das virtudes. É por isso que, como o próprio autor deduz, quando o suicida passa a ser louvado e o mártir a ser profanado, a sociedade perde sua sanidade.

Nas conclusões vemos mais nitidamente a narrativa sobre a conversão do gordinho. Ele passa por todas as heresias e por todo o paganismo e mostra que nada preenche o ser humano de forma tão perfeita como aquele Homem que andou por essa terra e amou a todos de tal forma que se subjugou àquela hedionda flagelação e crucificação. Durante todo o decorrer da leitura Chesterton dá uma explicação formidável à afirmação de Dostoievski: há no homem um buraco do tamanho de Deus. As heresias modernas e o retorno do paganismo se esqueceram disso. Buscaram placebos para suas dores e ânsias espirituais; esqueceram-se da lição mais importante que o homem aprendeu durante toda a história: ideologias são perigosas.

A única cosmovisão testada e dada como verdadeira é aquela que construiu o Ocidente: a cosmovisão cristã. Tente substituir mentalmente, por um minuto sequer, tal cosmovisão por qualquer mentira pagã; verá tudo o que a cristandade construiu ruir. Por sorte isso ficará apenas na mente: o próprio Deus Filho que deixou isso bem claro; as portas do Inferno não prevalecerão sobre a Santa Igreja.

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Raul Oliveira

Católico apostólico romano e professor de Matemática.