Precisamos de novos livros sobre Pureza Sexual.

Rayane France
5 min readAug 27, 2020
Muhammed Salah

Recentemente, terminei a leitura de (mais um) livro cristão sobre pureza sexual voltado para jovens. E logo nas primeiras páginas, levei um choque quando o autor relatou uma história que aconteceu em sua escola de ensino médio, quando era adolescente: ele ouviu um garoto falar no vestiário que havia embebedado e feito sexo com a garota mais bonita da escola. A garota que até então era popular e não se envergonhava de sua virgindade diante dos colegas sexualmente ativos, passou a andar cabisbaixa, se envolver com pessoas erradas e ficar com outros caras. Havia perdido sua nobreza.

Comecei a leitura do texto esperando uma condenação ao estupro, mas não veio. O autor não dá o nome de estupro ao que aconteceu, e acaba usando tal situação como cenário para mostrar como o sexo antes da hora destruiu a vida da garota.

Tentei pensar “ok, o livro é um pouco antigo e o autor descreve algo que aconteceu nos anos 70”, mas não consegui relevar; ainda mais sendo um livro super indicado por lideranças HOJE, para jovens cristãos HOJE. A narrativa é perigosa.

Se você cresceu na igreja assim como eu, provavelmente se identifique quando falo que parece que todos falam a mesma coisa quando o assunto é pureza sexual, e ao mesmo tempo existem centenas de perguntas não respondidas.

Não importa qual livro ou qual sermão você ouça sobre o tema, repetem o padrão: a maioria absoluta é escrita visando à perspectiva feminina, mulheres que se vestem vulgarmente, caçam homens, usam da beleza para chamar atenção, que precisam vigiar para não tentar outros homens e garotos, esse livro que li chamava garotas de vadias, inclusive.
Já os garotos, devem FUGIR dessas garotas.

Outro padrão é a exaltação da virgindade como símbolo. Nada contra, nenhuma vergonha em ser a “virjona” aos 25 anos, acredite; mas precisamos reafirmar que não é isso que faz com que Deus ame ou deixe de amar alguém.

Essa idolatria ao hímen é problemática por algumas razões. Primeiro porque é uma forma de deixar pessoas que já fizeram sexo de fora da busca por santidade, e isso independe a razão, seja por terem se convertido depois de terem feito sexo pela primeira vez, seja por uma relação sexual que aconteceu sem ser planejada (ou até planejada), e até pessoas que decidem pela abstinência sexual já tendo tido experiências antes ou depois da conversão. É como dizer que se você não é virgem, você não tem o direito de buscar ser puro. Perdeu sua vez.

Algo mais problemático e grave é o modo que essa narrativa ignora completamente pessoas vítimas de abuso. Nunca vi nenhum preletor ou autor se importar com quem não é mais “virgem” porque foi estuprado ou sofreu outro tipo de abuso. Se você é mulher então, seu hímen é um selo de pureza que seu abusador te roubou e que não há graça que possa restituir. É absurdamente antibíblico.

Essa abordagem focada no casamento também exclui pessoas que não querem se casar, pessoas LGBTQIA+, pessoas mais velhas, pessoas divorciadas, viúvos… ou qualquer um que não se enquadre na perspectiva de casamento romantizada e idealizada que serve de cenário e objetivo.

Um outro problema é a ignorância sexual que esta narrativa pode produzir na cabeça de jovens e adolescentes. Associar sexo e virgindade apenas à penetração faz com que a vida de alguns jovens ativos sexualmente gire em todo de outros tipos de sexo, muitas vezes sem proteção e nenhuma informação. A máxima é: “Não pode transar, mas pode fazer todo o resto”, resto este que transmite DSTs, e bom… se o assunto é abstinência sexual, qualquer tipo de sexo é sexo. Parece óbvio, mas não é, bastam 5 minutos com qualquer líder de jovens para ouvir todo tipo de história.

Uma coisa que, pessoalmente, sinto falta em relação a esses conteúdos, é que todos te falam o que fazer, ou não fazer, mas nenhum se aprofunda no porquê. O que é pureza? O que é santidade? Qual o conceito de pureza atrelada à sexualidade? Por que buscá-la? Como Deus instrui isso na Palavra? Por que a primeira relação sexual é tão importante? Onde está na Bíblia?

Minha geração, doutrinada por nomes como Joshua Harris e seus livros sobre namoro cristão, sabe ao pé da letra que deve se guardar sexualmente para o casamento, mas não sabe o que fazer depois da noite de núpcias. A maioria dos livros para aí, não se aprofundando sobre pureza na vida de casados ou a realidade do casamento em si. Então, temos vários números de jovens que se casam para ter sexo, mas acabam se divorciando anos depois, ou continuam casados, mas afundados em problemas maritais, pornografia, abusos, adultério…
Casar virgem não é a receita para um casamento eternamente feliz.
Também não é evidência de santidade.

O mundo mudou. Hoje, mais do que nunca, vivemos numa sociedade extremamente pornográfica, com soft porn liberado na internet em plataformas como Netflix e YouTube. Convenhamos, não é um “não pode” que fará com que adolescentes de 15 anos resistam a seus impulsos sexuais.

Precisamos, sim, falar sobre pureza hoje. Informar, pregar e deixar que as pessoas decidam, baseadas na Bíblia, as decisões que querem. Não é por força, nem por violência, muito menos por cartilhas cheias de regras e pudor que mal conseguem dar nome ao sexo enquanto falam com jovens.

Acredito que as pessoas escolhem obedecer a Deus porque foram convencidas pelo Espírito Santo, e porque isso de alguma forma faz sentido pra elas. Entender o princípio por trás de qualquer conselho de Deus faz com que mesmo que seja difícil, seja feito com alegria, e não como um fardo pesado ou algo que “nem faz tanto sentido assim”.

Falta falar para as pessoas que já fizeram sexo e QUEREM se guardar que ainda é tempo, que sempre há possibilidade de restauração se houverem feridas do passado; falar para as vítimas de abuso que elas não são o hímen delas, que a graça de Deus nos limpa de todo pecado cometido contra nós e possibilita recomeços.

A Palavra de Deus tem todas as respostas. Julgamento por julgamento não produz transformação. Sendo assim, o problema da moralidade sexual da sociedade e da Igreja está em nós que não estamos entendendo e passando a mensagem da melhor forma.

Revisão e Correção: @gbrlaleite

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Rayane France

brasiliense, 95’s, criativa, meio artista, meio escritora, beyhive e de Jesus