Liberdade e vigilância para tempos interessantes

Rodrigo Bandeira
15 min readDec 27, 2018

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Um dos benefícios do avanço da idade e da maturidade resultante, além do fato de evitar a morte e das festas e presentes em comemoração ao triunfo da vida, é o acúmulo de experiências que aumentam a capacidade para lidar com seres humanos. Neste momento, tenho dado especial atenção às competências necessárias para gerenciar ou lidar com pessoas individualmente ou em equipes.

Quando vivemos em tempos interessantes que, como diz a cultura chinesa, são característicos de mudanças, de crises, pouca paz, muita turbulência e inquietudes, trago o resultado de um trabalho, que já vem de quatro anos, com aprendizados resultantes da interação com um grupo de pessoas que admiro, de quem me sinto próximo e por quem nutro afeto, respeito e admiração.

Ilustração de Jean Michel Folon para o artigo 1 da Declaração Universal dos Diretos Humanos (aquarela de 1988)

Qual será o impacto nas relações entre seres humanos, quando vemos surgir uma nova forma de viver, um novo pacto social ou uma nova ordem mundial, que o professor israelense de História e autor de best-sellers internacionais Yuval Harari chama de ordem pós-liberal?

Como nos prepararmos para aproveitar a retomada do crescimento econômico que no Brasil poderá ser puxado pela construção civil, obras de infraestrutura, o agronegócio, investimentos em saúde e ensino básico, especialmente por meio de parcerias público privadas (PPP) ao mesmo tempo em que a inversão da curva dos títulos do Tesouro americano indica que podemos estar às vésperas de uma grande e profunda recessão econômica mundial? E as criptomoedas? E a influência da inteligência artificial sobre os empregos existentes?

As grandes e rápidas mudanças na forma de fazer negócio, tem feito com que a tecnologia atue como concentradora de poder e propagadora de fake news. Além disso, o medo de ficar desatualizado rapidamente trouxe o voto reacionário e nostálgico que manifesta a vontade de voltar ao passado, quando tudo era, idilicamente, seguro e previsível.

Está em curso também uma grande reorganização das forças políticas, com o surgimento de movimentos como o Livres, RAPS, RenovaBR e Agora!, a extinção de partidos importantes como o PSDB como o conhecemos até hoje, o PT, com metamorfose ainda incerta e não sabida e a Rede que terá de se fundir para alcançar a cláusula de barreira. Novos partidos poderão surgir? Os cidadãos deverão desempenhar um novo papel?

As plataformas digitais permitem uma forma mais direta de democracia pois, graças às mídias sociais, os eleitores podem pressionar os políticos diretamente. Mas a democracia direta, majoritarista e promotora do pensamento único, pois dispensa o sistema de representação, não é a resposta adequada. Os flertes a este modo de regulação da vida em sociedade constituem grande irresponsabilidade por impedir a convivência de maioria e minorias como protagonistas fundamentais para o amplo debate em democracias.

Será preciso, portanto, pensar num novo contrato social, no qual as pessoas sintam que realmente participam das tomadas de decisão?

Para lidar com os desafios que a internet e as mídias sociais nos apresentam, os governos restringirão o fluxo de ideias, bens, dinheiro e pessoas?

E as formas de adquirir conhecimento por via dos cursos online abertos e massivos (MOOC), a desescolarização comunitária ou familiar, as mentorias e os áudio livros?

Como serão nossas vidas quando a sociedade estiver conformada como uma sociedade em rede? Como responder ao pulso controlador e hierarquizante que inibe as relações não mediadas? Como fazer frente à dinâmica de controle de uns sobre os outros?

Com todas essas questões, o futuro pode estar nos reservando um cenário fabuloso que fará com que o que vemos agora sejam apenas reflexos do passado que logo irá embora.

O que poderá estar nos esperando no futuro próximo desejado? Como perspectiva inspiradora é possível que logo estejamos vivendo uma nova liberdade dinamizada pelo desenvolvimento tecnológico e resultante derivada dos pulsos libertários que ocorreram no Brasil em 1822, com a Independência e, em 1922, com a Semana de Arte Moderna ou mesmo como resultado do amadurecimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que fez 70 anos há pouco, trazendo maior tolerância e respeito para que cada um possa ser quem é.

É possível também que nos próximos 30 anos já tenhamos a cura do câncer, a educação integral para todos e uma renda básica universal para a maioria dos cidadãos do mundo.

Mas, até lá, parece que ainda haverá muita turbulência.

No Brasil, nestes próximos anos, deveremos ver muitos movimentos de reação, coadunados com o boicote ao Queer Museum, preocupações com a identidade de gênero, Escola Sem Partido, protestos contra o incentivo à cultura etc. associados a um anseio de nossa sociedade pela tutela do Estado, fazendo com que, nesse período, percamos algo da delícia de liberdades conquistadas ao longo das últimas décadas.

Mas, acredito, isso passará.

Independentemente da vontade de cada um de nós individualmente, a chamada crise da democracia liberal tem se manifestado sob a forma de mudanças na abordagem sobre a questão da igualdade, transitando de uma perspectiva mais à esquerda, que considera as pessoas como iguais, para outra mais à direita, que considera que as pessoas não são iguais e também nas ‘novas’ orientações das políticas externas, que procuram privilegiar os interesses nacionais sobre os interesses globais.

No que depende de cada um de nós, acredito que podemos desenvolver humildade, empatia e escuta ativa para, em interação com o outro, discernir a verdade — no sentido de ter amparo na realidade — do que não é verdade e construir relacionamentos fortes, verdadeiros e saudáveis com pessoas por quem cultivamos afeto e respeito, evitando o controle de uns sobre os outros e aumentando a felicidade pessoal e coletiva.

A PARTIR DE ONDE ESTE TEXTO É ESCRITO

Este é um texto escrito sob a minha perspectiva: um homem branco de classe média que, aos 47 anos, vive aquele momento especial da vida em que se combinam uma certa experiência de vida e maturidade emocional com uma energia e disposição que talvez mal tenham começado a decair.

Atualmente, depois de investidas mais ou menos bem sucedidas em diferentes formas de atuação profissional, desejo dedicar-me a projetos na iniciativa privada que venham a aprimorar e facilitar as relações entre as pessoas, reduzindo desperdício de energia e gerando valor para as pessoas, as organizações e a sociedade.

Neste artigo, me proponho a oferecer:

  • Parâmetros para promover o aumento da capacidade de lidar com pessoas (subjetivo), mas, ao mesmo tempo, valorizando a capacidade de lidar com o que é objetivo.
  • Orientações sobre o que se pode efetivamente fazer, ao invés do que se possa pensar ou dizer. Afinal, ao mundo importa realmente o que fazemos não o que pensamos ou dizemos.
  • Uma compilação do que tenho ouvido de pessoas que respeito, não um compêndio sobre o que se deve fazer para ser feliz ou ter sucesso.
  • Trabalho cuidadoso de seleção do que, mesmo sendo óbvio, pode ajudar na travessia deste período de mudanças que traz muitas incertezas.
  • Indicação de novos modelos mentais que ajudem a entender o mundo como ele de fato é, aceitar que ele é assim e procurar, com passos seguros, avançar em direção aos objetivos individuais ou coletivos.
  • Servir ao propósito de pessoas que tenham desejo de empreender mudanças profundas em sua forma de ver o mundo.

A PERGUNTA

Para melhorar minha capacidade de lidar com pessoas, calibrar minha bússola e ajustar meus radares, há quatro anos, tenho conversado com pessoas por quem cultivo afeto e respeito fazendo uma pergunta que, em sua forma atual, é:

‘O que você considera que serão os principais drivers para os próximos (um a cinco) anos, considerando política, economia e sociedade?’

Escolhi utilizar a palavra driver como o conceito econômico que, utilizado em diferentes tipos de análise, deve ser entendido como fator determinante no desempenho de um processo. Um exemplo de driver pode ser a decisão pela venda de um bem imóvel para pagar dívidas que cobram juros altos que tem como efeito um aumento da capacidade desta pessoa de investir em sua saúde, lazer e bem estar. Neste caso, a liquidez resultante da venda do imóvel (causa) é um driver para a melhoria da qualidade de vida (efeito).

O que ouvi e registrei, trago a seguir, organizado em itens quase independentes.

IGUALDADE E INDIVIDUALIDADE

Este primeiro driver é externo, ou seja, não depende da vontade individual. Trata-se da adoção da abordagem sobre a questão da igualdade, que tem transitado de uma perspectiva mais à esquerda, que considera as pessoas como naturalmente iguais, para outra mais à direita, que considera que as pessoas são naturalmente desiguais.

Na terra do “Você sabe com quem está falando?”, os polos desta transição devem ser melhor entendidos e um recurso para isso são as definições do filósofo político italiano Norberto Bobbio. Segundo ele, enquanto a esquerda considera que nascemos todos iguais e a ação do Estado deve ser no sentido de criar desigualdades artificiais necessárias (e.g. políticas afirmativas), a direita diz que nascemos diferentes e ao Estado deve caber criar políticas públicas que promovam igualdades quando necessário (e.g. aposentadoria e previdência para quem não tem mais força para trabalhar.)

O modelo mental proposto pela esquerda que defende os membros mais fracos da humanidade, refugiados, migrantes ilegais e minorias perseguidas perdeu força ao não conseguir entregar uma vida boa a todos (vide as reações às políticas pró-imigração na Europa.) Por outro lado, o ponto de vista da direita, ainda que legítimo e portador de contribuições valiosas, deverá fazer com que eventualmente toda a humanidade venha a sentir falta de políticas que defendam os mais fracos dos imperfeitos mecanismos do mercado.

A nova classe dos perdedores da globalização, chamada de ‘precariado’ pelo professor da Universidade de Londres Guy Standing, são os que legitimamente têm reagido aos efeitos das políticas sociais de corte social democrata e nacional populista sobre a classe média. Contudo, anular os benefícios dessas políticas sem oferecer nada mais que modelos antigos, não responderá às complexas questões dos nossos tempos.

Idealmente, estas formas de ver o mundo aparentemente antagônicas deveriam ser consideradas conjuntamente para que possam contribuir para encontrar caminhos que nos façam mais felizes coletiva e individualmente.

Ao levar em conta ambas as visões, estaríamos dando voz a pensadores como Aristóteles que considerava os seres humanos como naturalmente diferentes, da mesma forma, aos que propuseram que todos são iguais, tais como Rousseau e seu contrato social, Adam Smith e seu mercado e Montesquieu e os três poderes que se auto regulam.

Assim, a capacidade de equilibrar o respeito pelas liberdades individuais e de ser diferente e único e a empatia e a solidariedade, que nos faz mais humanos, buscando formas de garantir que todos possam ter acesso e oportunidades para sua plena realização, poderá ser uma conduta capaz de auto regular processos complexos em que será necessário oscilar entre lógicas de natureza oposta para que se possa encontrar o caminho do meio.

Neste sentido, será necessário reconhecer a validade dos anseios daqueles que apoiam e aderem a esta nova-velha forma de ver o mundo, e, a partir daí, construir soluções criativas que possam responder à pergunta fundamental de Yuval Harari sobre a necessidade de uma ordem pós-liberal e ter paciência e resiliência para esperar que a solução hoje tentada dê com os burros n’água para voltarmos a considerar saídas que compreendam tanto o que temos de iguais quanto nossas desigualdades individualizantes.

NACIONALISMO VS. GLOBALISMO

Este segundo driver, que é o mais consistente ataque sendo feito à democracia liberal, se apresenta na forma do nacionalismo como alternativa ao globalismo, mas incapaz de enfrentar problemas comuns que ignoram as fronteiras nacionais e só podem ser resolvidos por meio da cooperação global tais como a ameaça de guerra nuclear, a mudança climática e a ruptura tecnológica (inteligência artificial e bioengenharia.)

A imagem é a da criatura mitológica Ouroboros, uma serpente que engole a própria cauda formando um círculo e que simboliza o ciclo da vida, o infinito e a mudança. Neste momento, pode também representar a utopia da democracia liberal que deixa de ser viável ao mesmo tempo em que é reinventada e também representando a possibilidade da sua própria morte.

Ouroboros

Não será suficiente, diz Harari em seu artigo à The Economist, se apenas a União Europeia proibir a produção de robôs assassinos ou apenas os EUA proibirem bebês humanos geneticamente modificados. Devido ao imenso potencial de tais tecnologias disruptivas, se um país decidir seguir esses caminhos de alto risco e alto ganho, outros países serão forçados a segui-lo por medo de serem deixados para trás.

Assim como com a questão da igualdade-individualidade, isso nunca dará certo. Essa doutrina, que nada tem de nova, senão requentada de tempos anteriores às grandes guerras, não poderá responder aos nossos grandes desafios e cedo deve retornar à lista de tentativas malfadadas de responder aos desafios complexos da história humana, especialmente as necessidades da rede de comércio global que, sem alguma ordem que estabeleça as regras do jogo, levará as economias nacionais ao colapso.

Este duelo deverá procurar guarida no campo da cultura, onde imagina ser o seu campo de batalha para fazer frente aos problemas criados pelas ideologias de esquerda. É onde, no Brasil, o embate entre o esquerdismo do PT e o novo direitismo de Bolsonaro deverá se dar, prometendo ser um triste e infrutífero espetáculo.

Neste ponto, a resiliência será absolutamente necessária, pois, o renascimento do velho nacionalismo, deverá nos fazer voltar à prancheta e repensar o plano que não deu certo. Será hora de fazer a construção silenciosa, trabalhar no conceito, na formulação, sem tanta atenção às métricas de sucesso, mas muito cuidado com os detalhes, para que este caminho possa ser retomado mais à frente, uma oitava acima, aprimorado a partir de reflexões e atualizações resultantes do próprio processo de crítica que este modelo tem sofrido. O novo-velho nacionalismo, poderá ser uma experiência que, embora difícil dizer quanto tempo durará, pode oferecer a oportunidade para reformular o globalismo, hoje em cheque.

No período de transição, contudo, o mundo poderá vir a ser menos próspero, saudável e pacífico.

Para sobreviver e florescer no século 21, conclui Harari no artigo citado acima, a humanidade precisa de uma cooperação global efetiva, e até agora o único modelo viável para essa cooperação é oferecido pelo liberalismo. Saberemos combinar identidade nacional com um ethos global no lugar da ordem liberal global, que diz que todos os seres humanos compartilham algumas experiências fundamentais, valores e interesses, e que nenhum grupo humano é inerentemente superior a todos os outros?

DISCERNIR O QUE FAZ SENTIDO DO QUE NÃO FAZ

O terceiro driver é interno, ou seja, depende da decisão de cada um, e diz respeito a discernir a verdade do que não é verdade para tomar decisões acertadas. Não se trata de apurar a verdade do ponto de vista moral e subjetivo, mas conhecer a verdade como o que tem amparo na realidade. Afinal, aceitar a realidade como ela é, seria o primeiro passo para modificá-la.

O embate entre verdade e pós-verdade já conquistou seu lugar entre os temas mais importantes desses tempos. Assim, a capacidade de discernir o certo do errado, a verdade da mentira, deverá determinar o nosso futuro individual e coletivo. Como estarmos atentos para não embarcarmos em falsas dicotomias, conceitos manipulados, fake news enfim?

Isto deve incluir também o reconhecimento de realidades subjetivas, ou o que é verdade para outra pessoa ou em determinada circunstância, considerando determinadas premissas. Para isso, são necessários humildade, empatia e escuta ativa, que ajudem a perceber com clareza o que só pode ser apreendido a partir da interação com o outro.

Deve ser necessário também uma conduta que tenha a humildade como norte, capaz de promover a empatia ao ouvir o outro lado para reconhecer que ele também tem pontos de vista válidos, mesmo que discordemos deles. Para isso, vale a pena conhecer e acompanhar o trabalho do autor americano e antropólogo William Ury com negociação e mediação de conflitos.

Vale também lembrar que o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas nos ensina que a verdade se constrói no diálogo, o que talvez tenha sido a inspiração da frase da candidata a presidente da Rede, Marina Silva, quando disse “A verdade não está com nenhum de nós, ela está entre nós.”

Trabalhar com pessoas que tenham conhecimento apurado sobre os assuntos em pauta, e cujo trabalho seja cuidadoso e zeloso pela qualidade dos resultados, bem como buscar ter profissionalismo no próprio trabalho, também poderá ajudar a ter clareza sobre certo e errado, bom e ruim e tomar decisões acertadas. Isso vale para a contratação de serviços profissionais de advogados, engenheiros e médicos.

Desta forma, também poderemos estar evitando aquele que é um dos principais temas de estudo do antropólogo e professor Roberto DaMatta e traço da nossa cultura que deverá ser fustigado e, oxalá, perderá força: a malandragem, que confunde o bem com o mal e o certo com o errado.

No campo da economia nacional, a mais grave crise econômica pela qual já passamos requer ajuste fiscal, reforma da previdência, redução da dívida pública e do tamanho do Estado e tem nos mostrado teimosamente, como a realidade costuma ser, que o dinheiro não aceita desaforos. Ou bem resolvemos a questão sobre qual é o montante de recursos que existem para serem gastos e priorizamos investimentos que permitam maiores oportunidades a todos ou não haverá saída que passe por distribuir benesses e tocar em frente à espera de um milagre.

Da mesma forma, não há como continuar convivendo pacificamente com a corrupção. A luz da transparência mostrou quantos são os que estão expostos por telhados de vidro. Em tempos de novo Iluminismo, não haverá sombras o bastante para seguir acobertando o desvio de recursos públicos para satisfazer interesses privados.

Outra forma de abordar o tema da clareza para ver o mundo como realmente é, seria por meio do que se podem chamar de ‘racionalidades alternativas’ como opostas ao comportamento irracional. Com isso, quero dizer que, para além da oposição racionalidade-irracionalidade, pode haver o reconhecimento de outras racionalidades.

Dentre as que mais rapidamente vêm à mente quando falamos de alternativas à racionalidade, podem estar a numerologia, a astrologia, exoterismos, doutrinas espirituais ou espiritualistas. Pode também vir à mente a estimulação externa pelo uso de drogas (peyote, ayahuasca, LSD etc.), abrindo as portas da percepção para viagens astrais, como sugeriu Aldous Huxley. A simbologia e a subjetividade das artes ou ainda estar mais próximo da natureza, especialmente no sentido de nos juntarmos no esforço para que a natureza possa ser e estar sempre forte, para o nosso bem comum, poderão ajudar a compreender o sentido do que fazemos e vivemos.

Sem excluir nenhum desses caminhos, por entender que, quando não se tem clareza sobre o que virá e qual o caminho a ser tomado, umas ou outras opções podem fazer sentido dependendo de quem as considera, o que se propõe aqui diz respeito à capacidade de levar em conta aspectos que não são percebidos do ponto de vista das formas mais estritas de ciência, ou outras formas de racionalidade que guardem o que é mais importante, o empirismo, ou seja, a capacidade de investigar fenômenos buscando compreender os seus fatores causais. Sem isso, será apenas uma nova confusão, e não uma alternativa à irracionalidade.

FUGIR DO CONTROLE

Este quarto e último driver, talvez o mais importante, também é de natureza interna, ou seja, depende de cada um. Trata-se de construir relacionamentos fortes, verdadeiros e saudáveis com pessoas por quem se cultive afeto e respeito, como o melhor antídoto para evitar o controle de uns sobre os outros.

O que nos mantém felizes e saudáveis não é fama ou dinheiro, mas, de acordo com o psiquiatra americano e professor da Harvard Medical School Robert Waldinger e um estudo que já tem 75 anos e que acompanhou o desenvolvimento de pessoas ao longo da vida, a fonte da verdadeira felicidade e satisfação são as conexões sociais fortes, verdadeiras e de qualidade com pessoas por quem cultivamos afeto e respeito.

É no tema deste capítulo que devem ser entendidos os efeitos da nova ordem nascente sobre as dinâmicas sociais e do relacionamento entre as pessoas, que permitem a cooperação global, facilitando o movimento de ideias, bens, dinheiro e pessoas em todo o mundo. Uma dinâmica que esteja de acordo com a autonomia e a liberdade.

Enquanto a economia vai bem, as conexões sociais vão mal, trazendo a infelicidade que antes vinha por pressões socioeconômicas. Com o advento da internet e suas mídias sociais, amplas liberdades sociais, incluindo direitos civis, a democracia e a liberdade de iniciativa são tendências inexoráveis, mas a qualidade das relações ainda está muito aquém do desejado.

Uma certa distribuição de poder e as bilhões de interações em rede têm permitido um grande aumento das conexões sociais, que potencialmente nos fazem mais felizes e saudáveis, na mesma medida em que a autoridade perde sentido em favor das relações de confiança. Mas estamos a meio caminho apenas.

O antídoto correto para evitar as ainda existentes e predominantes dinâmicas de controle de uns sobre os outros, inibidoras da construção destas relações verdadeiras, deverá passar por ter uma postura humilde para construir e fortalecer vínculos fortes de relação com a família, pessoas por quem se tem afeto e profissionais que inspirem respeito e confiança.

Para tanto, será importante honrar os acordos estabelecidos em grupos ou entre duas pessoas, respeitando a ordem e as regras com disciplina, integridade e retidão de caráter como forma de respeito ao outro. Isso vale tanto para as regras de convivência que afetam todos os seres humanos, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados internacionais, as leis nacionais, mas também para as regras de conduta e boa educação.

Essas comunidades de pessoas, como redes de apoio, diferente da lógica de redes sociais, podem muito bem ser um ótimo refúgio para quem quer elaborar o que poderá ter viabilidade no futuro, especialmente iniciativas empreendedoras. Mas, para esta construção, será necessário ter a humildade necessária para que as relações sejam estabelecidas com base na reciprocidade e respeito mútuo.

Compartilho este artigo com a esperança de poder fortalecer as relações que já tenho e criar novas afinidades com pessoas que pensem de forma parecida, tenham desejos semelhantes e possam vir a compartilhar objetivos comuns.

Agradeço aos mais de 20 amigos, que já vêm sendo parte da minha comunidade de uma forma ou de outra, e que contribuíram para que este artigo pudesse ter a ambição de aumentar a nossa capacidade para lidar com seres humanos individualmente ou em equipes.

Estão todos aqui — no meu coração e neste texto — em ideias que têm se somado e, espero, no seu conjunto, possam compor uma bússola para guiar nossas ações nesses tempos interessantes.

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