Crise hídrica: o que se esperar do futuro

Jornal Esquina
5 min readOct 25, 2016

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A demanda pela água sobe com o aumento populacional de Brasília. Especialista destaca a necessidade de novas formas de captação.

Reportagem — João Vitor Silva

Já se perguntou como será o abastecimento de água em Brasília em 2030? A realidade pode ser espantosa. Pois bem, vamos para a simulação: de acordo com a estimativa do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do Distrito Federal será 26% maior que a atual, o que corresponde a um aumento de 781.328 de habitantes. Se o consumo de água por pessoa da região continuar o mesmo, os reservatórios terão um aumento de 136.810.532 litros na demanda diária. A Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), que em 2016 atende 98% da população, poderá abastecer 78% em menos de quinze anos. Se medidas não forem tomadas, essa realidade se concretizará num futuro não tão distante.

Este cenário hipotético traz um parâmetro dos desafios que temos pela frente. A falta de água no DF, que para alguns parecia estar em um futuro longínquo, já é preocupante. Os primeiros sete meses deste ano registraram quase 120% a mais de incêndios em áreas florestais, se comparados com o mesmo período do ano passado. Além de em 2016 a temporada de seca ter sido mais intensa, o volume pluvial foi menor que nos anos anteriores e, como o sistema de abastecimento do DF depende das chuvas, a região registrou a maior crise hídrica da história.

As principais fontes de abastecimento no DF — a Barragem do Descoberto e o de Santa Maria — atingiram o menor percentual em quantidade de água até hoje. Mesmo assim, o pesquisador de geoquímica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Geraldo Boaventura, que é especialista em estudos de superfícies, explica que o DF não carece de recursos hídricos. Segundo ele, a principal causa da redução do volume das chuvas, e também desses poços de abastecimento, se deve às irregularidades do ciclo hidrológico. “A água não está voltando para a nascente, ela está sofrendo uma mudança no local de reabastecimento”, afirma.

Geraldo Boaventura no local do assoreamento do Lago Paranoá, causado por despejo de detritos vindos de obras. Foto por: João Vitor Silva.

Ainda segundo ele, as regiões que normalmente se reabastecem com as chuvas — conhecidas como ‘pontos de recarga’ — estão sendo soterradas por obras devido ao crescimento urbano. Geraldo explica que muitas obras são feitas em Brasília sem evitar os impactos ambientais causados. Ele cita como exemplo a construção do shopping Boulevard — na w3 norte — e do setor residencial Noroeste.

“Para fazer os estacionamentos dos prédios, por exemplo, muita terra foi tirada e ela acabou chegando até o lago, o que causou o assoreamento”, conclui. Esse fenômeno ocorre quando os detritos, vindos de construções, se acumulam em um rio ou lago. “Os construtores se preocuparam só com os prédios e não fizeram as obras ambientais necessárias”, afirma.

Crescimento desenfreado

Os principais impactos trazidos por esse crescimento demográfico desordenado são a impermeabilização excessiva do solo, que impede a alimentação dos lençóis freáticos, e o aumento do escoamento superficial, provocado pela má drenagem urbana, principalmente nas grandes cidades. Além de aumentar a demanda por água, potencializam também os impactos ambientais.

Geraldo destaca que a crise hídrica pela qual o DF passou é reflexo de um mal planejamento. Segundo ele, o ideal seria que os executores das obras — feitas próximas a essas localidades — fizessem um estudo prévio da região para que se direcionasse a água da chuva para os pontos de recarga. Para ele, é possível que obras auxiliem o ciclo hídrico em vez de interrompê-lo. “A intervenção humana não tem que necessariamente prejudicar, ela pode auxiliar no ciclo da água. A população não precisa de mais água, e sim de educação ambiental”, considera.

Esse cenário não se restringe só ao Brasil, em todo o mundo as condições climáticas estão variando. Potencializadas pelo efeito estufa e pelo desenfreado crescimento urbano, as consequências são cada vez mais agravantes.

Possibilidades

Geraldo afirma que essa crise hídrica não teria ocorrido, ou teria menor impacto, caso os projetos de criação da Bacia de São Bartolomeu — que previa abastecer cidades satélites como Planaltina — não tivessem sido interrompidos. Atualmente, a área que seria destinada para essa construção foi ocupada, o que inviabiliza a execução do projeto e concentra a demanda de água somente nas bacias previamente existentes.

Entrevista com Geraldo Boaventura, especialista em estudos sobre qualidade da água.

Ele também considera que a utilização da água do Lago Paranoá é uma possível solução para o abastecimento de algumas regiões. Para isso, ele explica que seria preciso preservar as margens e fazer um maior controle sobre o que é despejado no lago — inclusive pelas chuvas. “Essa água pode sim ser usada, porém precisaria de um melhor tratamento. Há áreas inviáveis para consumo, como as estações de tratamento de esgoto norte e sul. Porém, regiões com pouca ocupação e que não tenham derramamento de esgoto podem sim ter a água tratada e redirecionada para consumo.”, afirma.

Consumo

De acordo com a assessoria de comunicação da Caesb, a chegada das chuvas colaborou com a redução do consumo, que estava muito alto devido ao forte calor e clima seco. Porém, a empresa ressalta que é fundamental que a população comece a ter um consumo racional e consciente durante todo o tempo.

Segundo a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), o consumo de água na região é maior que o ideal. A agência considera que 150 litros de água por dia sejam suficientes para cada habitante. Essa média já é maior que a recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera que 100 a 110 litros o suficiente para atender uma pessoa ao longo do dia. No DF, a média até julho de 2016, foi de 175,1 litros ao dia, por habitante.

Gráfico do consumo de água nas regiões do DF. Arte de: João Vitor Silva.

Entretanto, há uma grande diferença no consumo diário das cidades do entorno. Enquanto o Setor de Indústria e Abastecimento consome 481 litros e o Lago Sul 437 litros, cidades pequenas como Riacho Fundo II e Itapoã consomem 125 litros e 121 litros respectivamente, segundo dados da Adasa em parceira com o Ministério Público.

Durante o período de racionamento, o Ministério Público chegou a anunciar que, mesmo com as chuvas, o DF só vai sair do estado crítico quando os dois novos sistemas de abastecimento — Bananal e Corumbá — começarem a funcionar, o que está previsto para 2018. Geraldo considera que esses poços já deveriam estar em funcionamento e que essa é uma das poucas alternativas para que o abastecimento hídrico do DF continue sem possibilidade de crises nos próximos anos.

Apesar disso, ele afirma que, já que o ciclo hídrico é constante, o DF não corre o risco de ficar sem água nos próximos anos. “Pode sim haver um racionamento mais rigoroso caso novas formas de captação de água não sejam executadas, mas não corremos risco de ficar sem água”, encerra.

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