Presidente, ministros e senador provam do amargo remédio que as plataformas encontraram para conter a infodemia.

Redes Cordiais
4 min readApr 6, 2020

No domingo, dia 29 de março, o presidente Jair Bolsonaro registrou em suas redes sociais um passeio que fez por Brasília, segundo ele, para ver o povo. Durante o trajeto o presidente se posicionou contra o isolamento social, apoiou que o comércio reabrisse e afirmou que “‘só quem tem mais de 65 anos deve ficar em casa”, contrariando a recomendação das autoridades de Saúde que pedem que todos fiquem em casa como forma de enfrentar a Covid-19. Bolsonaro também entrou em um supermercado, onde acabou provocando aglomeração de pessoas e disse que o remédio contra o coronavírus já é uma realidade, apesar de ainda estar em fase de testes e não haver comprovação de sua eficácia. Twitter, Facebook e Instagram excluíram essas publicações.

O Twitter e Youtube também apagaram postagens do senador Flávio Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que tiraram do contexto um vídeo em que Drauzio Varella afirmava que continuaria a sair normalmente de casa. O conteúdo de Varella foi originalmente gravado em janeiro deste ano, portanto quando ainda não havia confirmação do coronavírus no Brasil. O Instagram colocou aviso de potencialmente falso em post onde a secretária de Cultura, Regina Duarte, afirmava que a imprensa espalha desgraça e que ela não deixaria “o medo da COVID-19 ser maior do que a esperança”.

O Youtube tirou do ar vídeo do guru bolsonarista, Olavo de Carvalho, que negou a existência do coronavírus e de casos de mortes causadas por ele. Mais recentemente o pastor Silas Malafaia teve sete tuítes apagados. O Twitter não divulgou o conteúdo das postagens. As remoções afetaram também diversas autoridades mundo a fora. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que indicou uma receita caseira para curar a doença, e o ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, que, assim como Bolsonaro, afirmou que a hidroxicloroquina foi considerada 100% eficaz em três estudos internacionais.

Em meio à pandemia, Facebook, Google, LinkedIn, Microsoft, Reddit, Twitter e YouTube fizeram uma declaração conjunta se comprometendo a unir forças para combater fraudes e desinformação sobre o coronavírus em suas plataformas. Essas exclusões acima, portanto, são decorrentes da mudança de posicionamento das empresas de mídias sociais que passaram a proibir conteúdos que ameacem a saúde pública. Isso inclui não apenas conteúdos falsos, mas também aqueles enganosos “que forem eventualmente contra informações de saúde pública orientadas por fontes oficiais e possam colocar as pessoas em maior risco de transmitir Covid-19”, segundo anunciou o Twitter ou “que possa causar danos reais às pessoas”, conforme o Facebook explicou em nota.

O consenso entre todas as plataformas é o de prover o maior número de informações de qualidade possível e limitar ao máximo conteúdos danosos. As medidas adotadas para combater a desinformação sobre o coronavírus são mais severas e eficazes do que as adotadas para outros tipos de conteúdo. O canal de denúncia do Twitter, por exemplo, tem se mostrado mais ágil do que de costume. Peter Drobac, diretor do Skoll Centre for Social Entrepreneurship, da Universidade de Oxford, reconhece a robustez da resposta das companhias de tecnologia no combate à desinformação, mas lembra que elas sofrem menos pressão por ser uma questão menos política. “A questão é inerentemente menos política porque afeta a todos e as companhias enfrentam menos resistência assumindo uma posição mais contundente. Eles agiram mais rápido e isso é encorajador. Por outro lado, elas têm se sentido sobrecarregadas. E isso mostra o esforço magnânimo que essas companhias precisam fazer para combater o problema”.

Essa remoções ferem a liberdade de expressão? Não seria uma forma de censura? Para Priscilla Silva, pesquisadora de Direito e Tecnologia do ITS Rio, a resposta para essas duas perguntas é não. As plataformas estão em pleno exercício de suas atividades regulatórias. O Marco Civil da Internet não responsabiliza as plataformas pelo conteúdo produzido por terceiros, a não ser que uma ordem judicial que determine a sua retirada não seja cumprida. No entanto, é legítimo que as plataformas criem e alterem seus próprios termos de uso, dentro de um mínimo de coerência e razoabilidade, e proíbam conteúdos que violem ou ameacem a saúde pública.

Quanto à liberdade de expressão, a pesquisadora admite que qualquer remoção de conteúdo representa, em algum grau, uma violação do exercício da liberdade de expressão, garantida constitucionalmente. “Porém, diante da urgência e gravidade da proliferação de desinformação na contramão das recomendações de saúde pública, parece ser o caso de uma restrição adequada, necessária e proporcional para proteger a saúde e vida das pessoas em um cenário de pandemia”, defende Silva. O Redes Cordiais faz coro.

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