Projetos de lei contra desinformação proliferam no Brasil e mundo afora. Isso é bom?

Redes Cordiais
3 min readMay 19, 2020

Mais de 35 propostas para regular as notícias falsas tramitam no Congresso Nacional. A mais recente delas é o PL 1429/2020 de Tabata Amaral e Felipe Rigoni, que pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O projeto, que prevê a responsabilização das plataformas na disseminação dos conteúdos falsos pelos seus usuários e obriga elas a checarem as notícias falsas, divide opiniões.

E não é apenas no Congresso que o assunto é debatido. Um levantamento do G1 mostrou que em 21 estados brasileiros e no DF tramitam projetos de lei para multar quem divulgar “fake news” durante a pandemia. Em cinco deles, a norma que prevê punição para quem espalha fake news já está valendo. A depender do ente federativo as multas vão de R$ 224 a R$ 25 mil reais para pessoas físicas e chegam até R$ 50 mil para empresas.

A tendência é mundial. Diversos países têm aprovado regras para conter a disseminação da “infodemia”. As notícias falsas se tornaram um problema de saúde pública. Em casos mais extremos elas já chegaram a provocar mortes como a de dezenas de iranianos que fizeram um mau uso do álcool e morreram por intoxicação e o caso do americano que tomou a cloroquina sem indicação médica e faleceu. E daí vem a necessidade de se fazer alguma coisa.

As intenções até podem ser boas, mas será que a legislação é o melhor caminho para combater as notícias falsas? Será que cabe ao Estado e ao Judiciário deveriam decidir os fatos? Para quais tipos de abusos essas leis abrem brechas? Em alguns países, em especial os de governos autoritários, elas têm restringido a liberdade de imprensa e dificultado o trabalho do jornalista de levar informação de qualidade e manter o público seguro.

Na Hungria, por exemplo, a “lei do coronavírus” ampliou os poderes do primeiro-ministro Viktor Orbán. Além de poder governar por decreto por tempo indeterminado, a lei prevê que quem publicar informação falsa sobre a pandemia pode pegar até cinco anos de prisão. A decisão aumentou a insegurança dos jornalistas no país que temem que o governo decida arbitrariamente o que é verdadeiro ou falso.

Na China, o governo também se valeu do estado de emergência e decidiu que o controle da informação é fundamental para o combate da doença. Vale lembrar que o jornalista Chen Qiushi, que viajou em janeiro para Wuhan e reportou a superlotação dos hospitais, está sumido desde o dia 6 de fevereiro. A organização Repórteres Sem Fronteiras apontou que “sem a censura do governo chinês, a imprensa local poderia ter informado o seu público mais cedo sobre a epidemia, salvando milhares de vidas e talvez evitando a atual pandemia”

Até mesmo na Índia, país de tradição democrática, o primeiro-ministro indiano, Narenda Modia, tentou instituir que veículos de comunicação devessem obter permissão do governo antes de publicar qualquer notícia relativa ao coronavírus. A Suprema Corte proibiu a censura prévia, mas determinou que os veículos de comunicação devem ater-se à versão oficial. Ainda assim, jornalistas independentes têm sofrido com assédios constantes.

A desinformação é um fenômeno complexo. Leis que criminalizam a sua propagação podem restringir a liberdade não só da imprensa, mas também do cidadão. Por outro lado, deixar apenas para as plataformas resolverem o que deve ser ou não removido pode levá-las a uma remoção excessiva. Seria terceirizar uma solução que deve ter a participação também dos governos e sociedade civil.

Como apontaram Francisco Brito Cruz e Mariana Valente, diretores do centro de pesquisa sobre direito e internet, InternetLab. Projetos que visam alterar a estrutura da regulação da liberdade de expressão na internet no Brasil não são boas ideias numa situação de exceção, como é o caso da atual pandemia. Acelerar tais iniciativas na queima-roupa da epidemia será vulnerabilizar nossos direitos agora e depois que ela passar.

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