Parte 2: Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante…
(Título em homenagem a Raul Seixas)
…continuação da parte 1 que está aqui
A primeira chave da minha mudança ocorreu quando fiz uma especialização em Design Estratégico. E conheci o conceito de sustentabilidade e inovação social. Quando adentrei nesse mundo e conheci o pensamento de Ezio Manzini, tudo começou a mudar. Ele falava em regenerar os contextos de vida, de ressignificar o consumo e especialmente, que qualidade de vida não era sobre TER, era sobre SER. A partir daí, comecei a questionar quem eu era e o que estava fazendo neste mundo. E isso foi há pouco tempo. Há exatos 16 anos. O livro que mudou a minha vida: “Design para a inovação social e sustentabilidade de Ezio Manzini” publicado em 2008. Sou Manzinete.
Neste momento, decidi fazer um doutorado em Design para estudar inovação social. Fiz doutorado no Rio de Janeiro e em Lancaster, na Inglaterra. E isso ampliou em muito a minha compreensão de modos de vida diversos. O “carioca way of life”, da zona sul do Rio de Janeiro foi inspirador. Caminhar na praia e beber água de coco ou sucos de frutas frescas, feitos nas esquinas, virou meu ideal de vida.
O segundo sinal que meu corpo deu foi quando fui fazer um checkup antes de viajar para ficar 6 meses fora do Brasil. Sentei na cadeira e o médico clínico geral, que eu nunca tinha visto na vida, me perguntou: como você está? Comecei a chorar. Ele me passou a caixa de lenços e fez uma linda fala sobre o equilíbrio da vida. Desenhou uma roda da vida na minha frente para ilustrar meu desequilíbrio e disse que eu era workaholic e deveria fazer algo a respeito. Meus exames estavam ótimos, não tinha nenhuma questão a me preocupar em relação à saúde. Os únicos marcadores que poderiam melhorar eram a glicose e o colesterol [anos depois, descobri que eles estavam diretamente relacionados ao estresse]. Isso foi há 14 anos atrás.
Qual foi minha estratégia? Pesquisar sobre saúde no doutorado. Na tese, pensei em algo que estivesse relacionado a minha vivência. Meu pai, a essa altura da vida já tinha se tornado diabético e decidi que a área que eu queria trabalhar a inovação social era a saúde, pois era um dos principais sistemas que precisávamos transformar. Pesquisei serviços básicos de saúde e modelos inovadores de serviços. Estudei redesign de serviços de saúde no sistema público inglês e fui a campo no sistema público de saúde brasileiro para trabalhar com doenças crônicas decorrentes do estilo de vida. O foco foi a diabetes. Ali, com um paciente da UBS Vila Gaúcha, entendi que eu precisava ser o exemplo da mudança que eu queria ver no mundo, como ensinou Ghandi.
E em 2009, comecei meu redesign. Primeiro passo, me livrar do vício de refrigerante. Não foi fácil, mas eu tinha um propósito: mostrar para aquelas pessoas que se eu conseguia, eles poderiam conseguir também. Nunca mais bebi refrigerante. Este corte foi o mais fácil, pois não há pressão social para tomar refrigerantes. As pessoas te olham estranho, mas respeitam. Era só eu explicar que a quantidade de açúcar e conservantes presentes na bebida é incompatível com a saúde, e que meu pai tinha desenvolvido diabetes e eu precisava me cuidar. E em 2010, no período que morei na Inglaterra para meus estudos de doutorado me conectei a caminhadas na natureza e conheci o ashtanga yoga. Morei na casa de uma mulher vegetariana, e por respeito a ela, mudei minha alimentação. Como disse antes, eu era chatinha com carnes, e considerando que os pedaços de carnes preparados por lá eram estranhos, eu só comia peixe [fish&chips é o auge da culinária inglesa]. Neste período no exterior, pude me abrir para outras experiências alimentares, a partir da decisão de permanecer vegetariana. Já era adepta da culinária japonesa e árabe, e a culinária indiana e tailandesa me conquistaram. Conheci o conceito de slow food e de valorização dos produtores locais [lembrei que na minha infância essa era a realidade, mas que ao longo dos anos, essa cultura se perdeu]. Aqui foi o começo de uma mudança que levou pelo menos 6 anos para se consolidar. Foi um período que pude me dedicar a apenas estudar e viver experiências culturais diversas. E a Inglaterra é uma terra com muita diversidade: asiáticos, indianos, africanos, europeus, americanos e oceânicos estão presentes por lá. Considerando que a Inglaterra colonizou todos esses continentes, não é de se surpreender.
Voltei para o Brasil decidida a manter um espaço para outras dimensões da vida além do trabalho, estudos e afetos. Parei de usar carro e tentei manter meus deslocamentos com transporte público e caminhadas [lembro-me que desde a quinta série eu ia de ônibus para a escola e quando perdia o horário da volta, voltava caminhando para casa, 2km morro acima]. Tentei praticar ashtanga yoga, [uma prática vigorosa, onde repete-se a mesma sequência sincronizando o movimento e a respiração] mas não fez sentido para mim na época. Segui reduzindo o consumo de carnes, mas laticínios eram minha perdição. Em pouco tempo, já havia voltado meu ritmo de trabalho e estudos intensos. Defendi minha tese propondo um redesign para serviços públicos de saúde voltados a pessoas com condições crônicas e comecei a ajudar o meu pai a controlar sua condição de diabético.
Eu tinha todo o conhecimento possível para fazer a mudança, eu só não tinha um propósito claro: porque eu deveria mudar?
Tudo mudou quando me dei por conta que o modo pelo qual intoxicamos o nosso corpo (com substâncias nocivas, porém gostosas, que nos dão prazer e viciam) é o mesmo modo que intoxicamos a Terra (com rejeitos de produtos de consumo que nos dão prazer e viciam).
A mudança aconteceu há exatos 8 anos atrás. Já era pesquisadora de design para inovação social e sustentabilidade e sabia que não podia mais viver de modo incoerente com o que eu pesquisava. Eu estava contribuindo para a insustentabilidade do mundo com o meu modo de vida. Estava seguindo o padrão imposto pela sociedade e os resultados eu já sabia que eram devastadores. Eu precisava fazer algo além do que eu já fazia que era separar o lixo e usar transporte público. Fui a um evento de trabalho na área da moda, onde tinha uma palestra sobre qualidade de vida. Era uma yoguini falando sobre coisas tão simples e óbvias com uma serenidade e doçura que eu me encantei. Ali percebi que nem o mínimo eu fazia para minha saúde, que era tomar água. Muitas vezes o único líquido que eu tomava era café ao longo de todo o dia, para manter os ritmos de trabalho que eu tinha. Era o mês de dezembro e fui me consultar com uma médica de saúde integral. Foi o melhor investimento que fiz na vida. Ela me apresentou o ayurveda [a ciência da vida, uma perspectiva védica. sobre a saúde e o bem-viver] e com essa chave, abri as portas da mudança da minha vida.
Criei o hábito de no mês de dezembro fazer promessas para o ano seguinte e já começar a pagar adiantado. Prometi manter uma alimentação inspirada em Jesus Cristo na sexta-feira santa [aka, podia comer peixes e frutos do mar] e reduzir meu consumo de cafeína e doces. Fiz meu primeiro processo de detox ayurvédico (sem cafeína, álcool, carnes, lácteos, açúcares) em janeiro do ano seguinte e pela primeira vez na vida, tive crise de enxaqueca. Quando a médica me disse que era abstinência do café, e que para passar a dor eu deveria tomar uma colherzinha de café, eu choquei. Decidi que não seria dependente química de nenhuma substância. Comecei a praticar pilates, a praticar meditação e finalmente cheguei na yoga que fez sentido para mim: hatha vinyasa yoga. Nesse percurso me encantei pela cultura do bem viver do ayurveda e do yoga. Vi resultados nítidos na minha saúde e disposição. Não foi fácil bancar essas escolhas nas minhas interações sociais. Mas nunca deixei de ir para nenhum evento por conta das minhas escolhas de vida, especialmente as alimentares. Sempre tinha alguém questionando como estava a minha saúde.
O corpo mandou um terceiro sinal (onze anos depois do primeiro; nove anos depois do segundo;) um nível de esgotamento físico e mental que beirou o burnout. Depois desse recado, avancei no redesign da minha vida e me dediquei aos estudos de yoga e ayurveda. Entendi a quantidade de substâncias nocivas à saúde que estavam relacionadas ao consumo de carnes (seja pelo modo de produção; seja pelo modo de preparo) e álcool. Senti os impactos ambientais das minhas escolhas alimentares para as florestas e para os oceanos. E nas batalhas que precisamos entrar na vida, em prol de tomar meu banho quente relaxante que consome água, resolvi cortar o consumo de carnes. Fiz mais uma transição: me tornei ovolactovegetariana e reduzi o consumo de álcool. As perguntas passaram a ser: Nem peixe? Nem uma tacinha? Segui explicando o impacto na minha saúde e a queda expressiva dos marcadores de colesterol, triglicerídeos e a leve queda do índice de glicose no sangue.
Investi em formações de yoga, ayurveda; agente de saúde integral; healh coach para num futuro fazer uma transição de carreira. Ficou óbvio para mim que a sustentabilidade precisava acontecer de dentro para fora, desde as nossas escolhas alimentares, de vestimenta, de produtos de higiene, de produtos de limpeza, de habitação, de transporte, dentre tantos. O cuidado primeiro precisa ser de si, para depois cuidar do outro e por fim, cuidar do planeta.
Há um ano, diante da emergência climática, do desmatamento da Amazônia pela pecuária, dei meu último passo: não era mais suficiente não consumir carnes, devia eliminar também todos os produtos associados a essa cadeia. Decidi me alimentar de vida, não de morte. Passei a ter uma alimentação à base de plantas, livre de violência. E as perguntas passaram a ser: E as proteínas? E a B12? Passei a explicar que todos os vegetais têm proteínas, em quantidades diferentes e que a alimentação diversificada é o que garante a qualidade necessária das proteínas, que são combinações de aminoácidos presentes nas plantas. E que B12 até pode ser encontrada em algas, mas opto por suplementar, deixando que culturas microbianas façam o seu trabalho e a indústria encapsule. Compro de farmácias de manipulação para valorizar o produtor local.
Por que essa história longa? Para. explicitar minha posicionalidade neste mundo. Para honrar todos os meus privilégios e agradecer por tudo o que me foi dado e especialmente, para dizer: EU SEI QUE MUDAR NÃO É FÁCIL. VIVI ISSO NA PELE. Para outras pessoas com outras vivências e desafios a mudança pode ser ainda mais desafiadora e difícil, ou quem sabe, até mais fácil.
Nesses últimos 7 anos me tornei uma yoguini, ativista de design para o bem-viver. Promovo o consumo consciente em todas as esferas da vida. Nosso dinheiro tem poder, nossas escolhas impactam não apenas o nosso futuro, mas o das gerações futuras. Sou uma cuidadora do planeta imperfeita, que aprende a cada dia a ser um pouco melhor, com os erros e acertos.
Desenvolvi pesquisas ligadas a metodologias de design e soluções habilitantes nos últimos 15 anos. E essa é a base do serviço que ofereço. Compartilho meus aprendizados para que as pessoas possam fazer o redesign de suas vidas com processos mais direcionados e quem sabe, mais rápidos que os meus. Acredito que cada um deva ter o seu tempo para mudança, mas ela só ocorre quando vem de dentro. Do coração. E foi assim que durante a pandemia, meu pai parou de beber. Quando ele sentiu a impermanência da vida e compreendeu que o seu consumo de álcool eram pequenos atos contra a vida. Ao amarmos a vida, a única opção que nos resta é protegê-la. A nossa vida e a de todos os seres sencientes.
Gratidão por me acompanhar até aqui.
Lokah samastath sukhino Bhavantu
[Que todos os seres em todos os lugares sejam felizes e livres, e que os pensamentos, palavras e ações da minha própria vida contribuam de alguma forma para que haja felicidade e liberdade para todos.]
Om Shanti
[Om que haja paz, paz, a mais perfeita paz]
Namaskar!