O experimento Rat Park e as drogas

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Partimos do fato de que nossa compreensão sobre a dependência de drogas é criada por muitas suposições, uma das maiores suposições é a de que as drogas são sedutoramente viciantes e que a dependência é causada pela mera exposição a estas substâncias enfeitiçantes.

Cartum feito por Stuart Mc Millen

Por volta de 1950 e 1960 cientistas realizaram um experimento que gerou provas questionáveis, nesse primeiro experimento os ratos eram trancados em gaiolas minusculas, cirurgicamente vinculados com uma lavanca que liberava droga para eles. Os pesquisadores observaram os ratos engaiolados auto-injetarem poderosos psicofármacos.

Dominados por seus hábitos, alguns ratos escolheram injeções de drogas em preferência a alimentos e água (também era oferecido essa lavanca, ao lado da lavanca da droga). Sendo dominados pelo vício, os ratos se suicidaram de tanto consumir e não serem cuidados. Os meios de comunicação do dia estavam bastante animados com esses experimentos. Os resultados pareciam provar que essas drogas eram irresistivelmente viciantes, mesmo para roedores e, por extensão, para seres humanos.

A pesquisa com ratos forneceu apoio adicional para a Guerra às Drogas daquele dia. Drogas irresistivelmente viciantes certamente não podem circular na sociedade humana, especialmente se, como nos disseram, este é o seu cérebro para as drogas (imagem abaixo):

Propaganda americana contra o uso de drogas (1987)

Com a conclusão desse primeiro experimento, parecia que as drogas seriam capazes de infligir um terrível mal ao auto-controle dos indivíduos. Enquanto estes cientistas pensavam que se as drogas estivessem livremente disponíveis para as pessoas como estiveram para ratos de laboratórios, as consequências certeiras seriam VICIO EM MASSA E CRISE SOCIAL.

Bruce Alexander (data desconhecida)

O professor de psicologia Bruce Alexander pensava outra coisa, ele questionou quanto aprenderíamos sobre a dependência humana estudando ratos em isolamento, sendo que os clássicos experimentos são em condições praticamente de TORTURA para eles.

Alexander se questionou se ele também mergulharia nas drogas se fosse trancado em uma caixa e não tivesse outra opção. Por isso, com outros pesquisadores refez e reformou o experimento criando a um Rat Park (Ratolândia) quase 10 anos depois do primeiro experimento. Ao invés de fazer o teste só com ratos engaiolados em condições de isolamento e desconforto físico, Alexander criou um ambiente sociavel, com outros ratos, natureza e drogas para compreender as variações de dependência.

Eles criaram o ‘paraíso’ dos Ratos, brinquedos, comidas, companhia, espaço, área verde e tudo mais.

QUAL GRUPO DE RATOS SE VICIOU MAIS RÁPIDO?

Os ratos isolados nas gaiolas começaram a beber morfina muito antes do que os da Ratolândia, e em quantidades muito superiores, o consumo nas gaiolas foi até 19 vezes maior do que na Ratolândia para certas doses.

Cartum feito por Stuart Mc Millen

Ao longo do experimento Bruce e seus colegas de pesquisa entenderam que era difícil viciar os ratos do em morfina por si só nas condições ‘boas’ em que estavam (parte deles, a outra parte estava em gaiolas em condições mais restritas) e entendendo essa dificuldade, os cientistas foram acrescentando misturas que inibissem o sabor da droga, um coquetel mais light, descobrindo que o açúcar atraia mais vício de consumo das misturas líquidas, do que a própria droga em si sozinha.

O consumo no Rat Park subiu quando os pesquisadores aumentaram o açúcar e os ratos engaiolados mergulharam ainda mais em sua narcose. Mas mesmo assim os ratos do Rat Park evitaram a morfina que estava ali disponível, o consumo deles permaneceu apenas uma fração da se seus vizinhos solitários engaiolados.

Imagem da pagina de Bruce Alexander

“Quando olho para as fotos de nossos ratos enjaulados agora, é fácil para mim pensar que detecto algo semelhante à angústia ou raiva que os nativos descrevem quando suas culturas são destruídas. No entanto, nem todos concordam. Algumas pessoas parecem pensar que os ratos são bastante inescrutáveis.” Bruce Alexander

Uma das conclusões foi: Os estudos do Rat Park foram elucidações que evidenciaram e viraram o jogo dos contos de terror sobre as ‘drogas demoníacas’. O Prof. Alexander observou três pontos em comum nos experimentos:

Apesar da reputação da heroína como ‘droga demoníaca’ viciantes, os pesquisadores tiveram grande dificuldade em persuadir os ratos a usarem drogas. Longe de ser um veneno irresistível, açúcar, habituação FORÇADA e ISOLAMENTO foram essenciais para fazer os ratos querem beber a morfina.

A dependência química não foi o fator mais forte a influenciar os hábitos autodestrutivos dos ratos, ao invés de serem enfeitiçados pelo vício de forma idêntica, o consumo de droga dos ratos variava conforme os contextos físico, mental e social em que viviam.

Dada a oportunidade de viver em uma sociedade ‘normal’, com habitações confortáveis e contato social, os ratos que viviam no Rat-Park (Ratolandia) tinham pouco apetite pelas drogas derivadas do ópio, consideradas mais viciantes.

Os pesquisadores estavam investigando também os sintomas de abstinência da dependência de drogas e o conceito que sugere que o efeito fisiológico de abandonar opiáceos (drogas derivadas do ópio) é tão insuportável que seus usuários não conseguem parar seu vício, qual era a diferença entre aqueles vivendo em condições favoráveis e os outros que não estavam.

Bruce, Patrícia, Barry e Robert fizeram vários outros experimentos dentro do Rat Park, juntos exploraram profundamente as sombrias bases da teoria sobre a dependência de drogas que rege muitas legislações e opiniões populares. Os medos básicos que estão por trás dos argumentos de proibição das drogas pareciam muito menos assustadores após a divulgação desse estudo.

Enormes quantias de dinheiro em pesquisa foram gastas pesquisando a ideia de que drogas viciantes são a causa da dependência e tratamentos baseados nessa ideia foram experimentados em todo o mundo. Enquanto isso, o problema pequeno do vício se globalizou. Além disso, tornou-se absolutamente claro que o vício em drogas e álcool é apenas um canto de um problema de vício muito maior.

Bruce foi cauteloso em evitar que os resultados dos seus estudos fossem generalizados de forma exagerada e evitou o mesmo erro dos pesquisadores dos anos 1960, que aplicaram aos humanos ~sem restrições~ as suas descobertas sobre a auto-injeção de drogas em ratos.

No entanto os resultados do estudo ainda o perseguiam, o quê houve na Ratolândia que permitiu que seus moradores evitassem o vício apesar das drogas estarem livremente disponíveis? E o que houve naquelas gaiolas que levou os ratos a se perderem no consumo de drogas? Será que os humanos precisariam serem trancados em gaiolas para se sentirem da mesma maneira? Ou existem outros tipos de isolamento que podem levar ao vício?

Definitivamente, é hora de uma nova direção na teoria do vício, e tenho um palpite — e também uma esperança — de que Rat Park possa fornecer o ponto de partida. Os próximos passos a partir deste ponto de partida são explicados em meu livro A globalização do vício: um estudo sobre a pobreza do espírito. (Oxford Univ. Press, 2010).

Sabemos que a Cannabis não se encaixa nesse grupo de opiáceos, mas a luta Antiproibicionista efetiva aponta para a legalização de todas as drogas, para se tornar uma questão de saúde pública — esses experimentos foram feitos num laboratório de psicologia — tendo em consideração que uma das premissas para a recusa ao debate é a preocupação com a insanidade que se tomaria por todos.

Informar e cuidar é reduzir danos.

Cartum Explicativo do Experimento Completo de Stuart McMillen http://www.stuartmcmillen.com/pt/comic/ratolandia/#page-34

A página do pesquisador Bruce Alexander (que tem 80 anos hoje) https://www.brucekalexander.com/articles-speeches/rat-park/148-addiction-the-view-from-rat-park

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Antiproibicionismo e Redução de Danos

Apenas mais uma fonte de informações e diálogos sobre Antiproibicionismo e Redução de Danos | Por Isabela Gil & Kyalene Mesquita reduzindodanoscontato@gmail.com