Intolerância e preconceito: O Tottenham deve se manter longe de Serge Aurier

agosto, 2017

reinert1882
5 min readAug 28, 2018

Texto original de Sean Walsh, traduzido e adaptado

Já faz algum tempo desde que um jogador rodado como Toby Alderweireld se juntou ao Tottenham. Provavelmente o melhor zagueiro da Premier League e entre os melhores da Europa, o belga tem habilidade e sensibilidade fora do comum para um jogador de sua posição, e isso se estende para fora de campo.

Alderweireld compartilhou nessa semana uma matéria do The Times sobre o oficial de ligações dos atletas do Southampton, Hugo Scheckter, assumindo sua homossexualidade para o elenco e o clube. O tweet acolhedor do zagueiro foi alegrou a torcida dos Spurs, e até boa parte da torcida dos Saints que havia virado as costas para o jogador depois da transferência para o norte de Londres demonstrou respeito pelo ato.

O que o Aurier tem a ver com o Alderweireld? Coincidentemente, Toby compartilhou o artigo na mesma semana em que o Tottenham está sendo agressivamente vinculado à contratação do lateral direito do PSG, Serge Aurier, e o timing dos fatos foi impecável para gerar uma discussão.

Aurier é uma figura notória na capital francesa. Ele foi condenado por agredir um policial em setembro do ano passado e escapou por pouco de uma sentença na cadeia (mas acabou tendo seu pedido de visto negado no Reino Unido para o jogo do PSG contra o Arsenal pela última Champions League). E esse não é o único caso na ficha do jogador.

Também em 2016, Aurier se envolveu numa transmissão ao vivo no Periscope, na qual ele insultou e atacou verbalmente alguns companheiros de equipe e o então técnico do PSG, Laurent Blanc. Na transmissão, Serge se refere ao goleiro Salvatore Sirigu como gay, chama Blanc de ‘veado’ e diz que o técnico sexualmente ‘aguenta de tudo’, além de sugerir que o comandante gostava de fazer sexo oral em Zlatan Ibrahimovic.

É claro que as frases do marfinense causaram discórdia, e Aurier covardemente insistiu nos dias seguintes à polêmica que o vídeo não era dele — em seu primeiro comunicado, disse que o vídeo havia sido editado com sua imagem e sua voz. Obviamente não funcionou, então o jogador liberou uma nota se desculpando aos companheiros e comissão técnica por seu comportamento, mas não citou nenhuma das palavras que ofensivamente que proferiu.

Pois bem, no que concerne ao futebol, Serge Aurier é um bom jogador. Seria o melhor lateral direito no Tottenham e ainda tem grande potencial a ser explorado, mas não é possível quantificar quão péssima seria uma contratação recheada de preconceitos gritantes como essa.

Muitos torcedores (e muitos não-torcedores) estão estimulando a negociação do defensor para fortalecer o time, deixando claro que contanto que ele jogue bem, ele é livre para agir como bem entender. Mas é importante enfatizar o termo time, porque apesar de sua habilidade com a bola no pé ser evidentemente ótima, sua personalidade e caráter seriam um grande passo para trás para o clube.

Futebol não é simplesmente resumido a onze caras chutando uma bola, nem deve ser reduzido a troféus e conquistas — se fosse, muitos de nós não estariam investindo nossas vidas e uma quantia considerável do nosso dinheiro com os times que amamos.

Aqui, adiciono dois parágrafos que não estava no texto original: o bairro de Tottenham fica na periferia de Londres, sua comunidade é majoritariamente composta por imigrantes, negros, árabes, judeus e brancos de classe média ou baixa, e a história da região é parte integrante da história do clube (e vice-versa). Existe uma forte relação histórica entre o clube e as minorias que ainda não foi e provavelmente não será desfeita. Não é coincidência que o Tottenham foi o primeiro time da divisão de elite a contratar um jogador negro em 1909, ou que recentemente tenha sido fundada logo ao lado do estádio a Lilywhite House, um centro comunitário que possui escola técnica, supermercado e enfermarias acessíveis para a comunidade.

Não digo que o Tottenham seja um time de anjos, mas pelo menos é uma instituição que desde sempre mantém a intolerância e o preconceito longe de seu DNA - e estes valores são compartilhados com grande parte dos torcedores. Também por conta disso, então, dá pra dizer que é errado e hipócrita torcer pela chegada do ala do PSG.

O Tottenham esteve numa crise de identidade lá pra 2013/2014, e os problemas não se davam só em campo. Terminamos a Premier League em sexto, com 69 pontos — a quarta maior pontuação do time na nova era do campeonato inglês -, durante uma fase esquisita de transição. Não parecia tão ruim. Mas haviam bloqueios intangíveis aqui e ali, dividindo muitos grupos e realidades dentro do clube. Os jogadores, os torcedores, o Park Lane, o Shelf Side, os bastidores, a diretoria; ninguém se olhava no olho. Não existia, fundamentalmente, uma união, uma conexão ou uma sinergia. Era uma situação delicada, e o clube evoluiu demais nos últimos três anos nesse aspecto.

Quem sentiu isso naquela época (ou antes) e ainda assim, sabendo das polêmicas, quer trazer Aurier, pode ser considerado hipócrita. Se só a especulação da contratação já está voltando a dividir a torcida, imagine as proporções da chegada do dito cujo. Com ele, o clube corre perigo de voltar ao que era antes.

Nos últimos anos, nossa torcida têm adorado apontar o dedo para as torcidas de outros clubes como o Chelsea ou o West Ham por terem jogadores ou organizadas envolvidas em casos de racismo ou intolerância religiosa, e o Tottenham, como clube e como comunidade, é um dos poucos que pode se orgulhar de estar do outro lado do muro. Por isso é tão errado e hipócrita torcer por sua contratação.

Pode ser que alguns argumentem que caso um grande jogador do Tottenham que é idolatrado pela torcida apareça envolvido num caso de preconceito ou intolerância, nós o apoiaremos como fizeram Blues e Reds com John Terry e Luis Suárez, respectivamente, mas devo dizer que não. Se Harry Kane publicasse uma ofensa racista amanhã, milhares de torcedores (eu incluído) pediriam sua saída do clube. Porque um bom time não se faz só com qualidade, mas também com caráter. É melhor ser derrotado com valores do que vencer sem eles. Simples assim.

E, tudo bem, jovens cometem erros e futebolistas estão no mesmo saco, certo. Mas um rapaz que possui uma carreira de notoriedade internacional ofender propositalmente seus companheiros e empregadores é mais do que um simples tropeço.

Existe uma atitude relacionada à homofobia no futebol que deve ser compreendida e combatida. Muitas pessoas e entidades ainda são evasivas, mas quanto mais esse comportamento repercute sem objeções, mais tóxico o esporte se torna. A aceitação e a seletividade perante discriminação não devem ser toleradas. Não depende de como, onde ou quando você diz: não existem desculpas para a discriminação. Nunca. O querido Murillo Moret, aqui mesmo no ESPN FC, publicou um ótimo artigo sobre o assunto no ano passado (leia).

A torcida organizada Spurs LGBT já declarou que entrou em contato com o clube para que seus pensamentos e opiniões sobre o possível negócio sejam ouvidos e, quem sabe, considerados.

Passo a passo, o Tottenham parece estar a caminho de igualar e talvez superar o auge de sua história futebolística. Não vale a pena arriscar este progresso por causa de um lateral direito homofóbico.

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