CULTURA POP / INTERNET

Blogueiros

Remix Social Ideas
13 min readSep 3, 2014

do Século Passado

Uma conversa com os criadores dos primeiros blogs brasileiros

Para a Remix existir, foram muitas noites insones esperando a meia-noite para pagar somente um pulso na conexão discada. Milhares de buscas frustradas no Cadê. Websites piscantes com URLs quilométricas no Geocities. Um dia bom era quando conseguíamos baixar um mp3 de 2MB em apenas quatro horas. Viver no futuro não era fácil.

Mas a grande revolução de nossas vidas provavelmente foi o surgimento dos blogs. Diferente da realidade celebridade-folhetim-monetização-ostentação de hoje, os blogueiros éramos apenas uns caras aí. Gente que começou fazendo diário mas, em pouco tempo, percebeu que a plataforma poderia converter aquele exercício estético delirante ou caótico em veículo dotado de credibilidade e audiência cativa.

Felizmente, o Retiro dos Blogueiros está entregue às moscas, pois seus potenciais moradores permanecem na ativa, longe de pendurar os teclados (e provavelmente mais felizes hoje no WordPress).

Por isso, pela passagem de mais um #BlogDay neste 31 de agosto, nossa forma de homenagear essa rapeize do barulho, relembrando o caminho percorrido até aqui, foi conversar com onze grandes nomes da nossa proto-blogosfera. São eles:

Gabriel Von Doscht (Dequejeito), Clara Averbuck (brazileira!preta), Rosana Hermann (Querido Leitor), Edney Souza (Interney), Sérgio Faria (Catarro Verde), Rafael Capanema (Sutil como um paquiderme e Diário do Pão de Manteiga na Chapa), Lucas de Barros (Vai Trabalhar, Vagabundo), Clarissa Passos (Garotas Que Dizem Ni), Flávia Durante (Blah, Blah, Blog!), Alexandre Inagaki (Pensar Enlouquece) e Daniela Abade (Mundo Perfeito).

Pedimos desculpas aos que ficaram de fora, mas não foi possível conversar com todos que merecem figurar nessa lista.

Que os deuses da Internet concedam vida longa a esses bravos sobreviventes do Bug do Milênio. Com vocês, os melhores momentos do nosso papo com OS BLOGUEIROS DO SÉCULO PASSADO.

1. Por que você tinha um blog quando a maioria das pessoas nem conhecia internet direito? Como se deu sua aproximação desse universo?

Chico: Sempre gostei de escrever e já adorava ler besteira na internet. Uma coisa meio que chamou a outra. Quanto a pouca gente conhecer a internet direito, qualquer leitor já me parecia uma ideia melhor do que ninguém.

Rosana: Conheci a computação em 1975, quando entrei na USP pra fazer física. Era outro mundo, de válvulas e cartões perfurados. Mas aprendi a programar e peguei gosto pelo assunto. Assim, quando surgiram os computadores pessoais e, nos anos 90, a Internet comercial no Brasil, eu já estava louca pra saber de tudo e poder fazer tudo. Logo que soube que blog existia resolvi ter um, porque era uma ferramenta online, muito melhor que fazer sites só da minha casa, onde eu tinha todos os programas.

Sérgio: Eu e meia dúzia de amigos tínhamos vivência em redes sociais antes de existir a internet: fazíamos parte de um BBS (Bulletin Board System) de Macintosh. E comecei o Catarro Verde quando blog era a única possibilidade de expressão autoral independente na internet, se a pessoa não fosse um jornalista dono de site.

Clara: Meu blog nasceu como continuação da minha coluna no CardosOnline, mailzine que eu fazia com mais sete moços e que durou de 1998 a 2001. Acho que posso dizer que fomos a primeira manifestação literária na internet e quando acabou uma galera ficou meio órfã. Tínhamos 5 mil assinantes, era gente pra caramba pra época, e eu recebia muitos emails de gente pedindo pra eu continuar publicando em algum lugar com certa periodicidade. Eu até tinha um site com as minhas colunas, mas não sabia mexer com html direito e morri de preguiça de aprender. Aí um amigo me apresentou o blog e eu falei: taí. Fácil de publicar, fácil de mexer, é isso.

2. Por que achou que ter um blog era uma boa ideia? O que um blog representava para você nesse início?

Gabriel: No início, era uma autoafirmação dentro do curso de Desenho Industrial. Um espaço pra se mostrar engraçado e conseguir certa relevância (leia-se: pegar gente). Na segunda fase, com um blog particular, era o único lugar que eu podia escrever tendo certeza que alguém estava lendo. Acho importante dizer que nessa época (2001 — 2002) poucas pessoas possuíam blogs, mas muitas pessoas visitavam. Então era comum você ter comentaristas clássicos, que eram pessoas que não tinham blog mas interagiam muito com quem tinha (esses comentaristas hoje em dia são as pessoas famosas). De certo modo, isso que tornava os blogs famosos. A gente não tinha um alcance absurdo como hoje os blogs têm, mas mesmo assim existiam webcelebridades. Gente que tá em evidência até hoje, que construiu uma carreira em cima dessa fama do início do século.

Sérgio: O Catarro Verde era a minha única possibilidade de expressão autoral independente na internet. Foi o primeiro ‘ad free blog’, zero publicidade. Até hoje é assim. Nada está à venda no Catarro Verde. Foi necessário pagar ao Blogspot para meus leitores ficarem livres do banner obrigatório.

Inagaki: Naqueles tempos pré-redes sociais, blogs — e seus espaços para comentários — eram o grande ponto de encontro das pessoas. Um blog era como se fosse o recanto virtual de uma pessoa, na qual ela recebia os amigos. Você recebia um comentário e depois visitava o blog do outro, como quem dá um pulo na casa de um amigo pra tomar um cafezinho ou uma cervejinha. Os links de um blogroll eram como linhas de metrô que você pegava para visitar, sem escalas e sem precisar pegar uma baldeação, a casa de um camarada.

Além disso, por ser jornalista de formação, posso dizer que o blog representou uma baita válvula de escape pra mim. Afinal, era no Pensar Enlouquece que eu podia escrever sobre qualquer assunto que me desse na telha, livre de pautas pré-definidas, deadlines de entrega e limitação na quantidade de caracteres, tendo controle absoluto sobre meu texto final.

3. Quem você considera relevante nessa primeira fase dos blogs no Brasil? Por favor, diga o nome do autor, o nome do blog e por que era relevante.

Clarissa: o Thiago Capanema, do não vá se perder por aí, foi nossa referência inicial de formato e de como era possível fazer um negócio legal, com estilo, a partir da plataforma de blog. eu lia muito a clarah averbuck (do brazileira!preta, nome fantástico) e o inagaki (pensar enlouquece, ainda na ativa!) também. e amava o jesus, me chicoteia do marco aurélio gois dos santos (atualmente redator do cqc).

Edney: O Denis do Concatenum.com foi o primeiro blog que eu li, conhecia o Denis desde 89 e a partir dele conheci outros blogs, acho que a maioria saiu do ar já.

Daniela: A Cora Ronai, Alexandre Inagaki, Clara Averbuck, Neozeitgeist, Rosana Hermann, Fal Vitielo — isso lembrando assim por alto.

4. Por favor, faça um resuminho da história do seu blog. Ele morreu, ainda existe, as transformações ou fases por que passou, se criou outros…

Daniela: Eu tive a ideia de fazer a paródia de um jornal, sempre distorcendo notícias diárias — como essas notícias seriam se fosse no meu particular mundo perfeito. O Blog começou no blogspot, depois foi para um domínio próprio, ganhou outras áreas além das notícias, sendo os geradores as mais lembradas (engraçado que até hoje ninguém conseguiu reproduzir os geradores da mesma forma que eu criei, com tantas variáveis). Depois disso fui convidada a fazer parte do portal Terra (junto com o Nelito do Eu Hein fomos os primeiros blogs a fazer parte de portais) — depois do Terra recebi uma proposta do Aol. O Mundo Perfeito acabou porque nenhuma piada pode ser contada por muito tempo, acho que o criador tem que saber o tempo de vida das suas criações. Tive vários outros projetos na Internet — muitos mais ligados à literatura do que o humor. Quando fiz coisas ligadas à ironia e humor fiz anonimamente. Prefiro me preservar. Popularidade não é para mim.

Flávia: O meu blog surgiu em outubro de 2000 no Blogger/Blogspot. Teve algumas fases de atualização mais intensa, outras mais “bola de feno”, mas nunca o encerrei. Somente esse ano mudei de ferramenta de publicação e fui para o Wordpress pois infelizmente o Google abandonou muito o Blogger. Sou bem apegada aos serviços que uso e levei anos pra aceitar que a mudança era inevitável, hahaha.

Tive umas fases mais diarinho virtual, principalmente quando estava me estabilizando na profissão e em morar em São Paulo e compartilhava com os leitores as angústias dos 20 e poucos anos! *rs e Tive um boom em 2001, na época do 11 de setembro, quando fiz uma cobertura em tempo real da repercussão do atentado na imprensa mundial. Tive fases mais politizadas, como na época das Eleições de 2002, na qual cheguei até a criar um blog coletivo paralelo para apoiar o Lula. Mas depois passei a falar somente de cultura pop, especialmente de música, que sempre foi a minha primeira paixão.

Cheguei a ter outros blogs paralelos mas o mais conhecido foi o Delícias Cremosas, que rolou entre 2001 e 2006 e foi o primeiro blog coletivo de mulheres falando de sexo abertamente. Na época deu muito o que falar e foi bem divertido. Mas infelizmente aconteceu em uma época em que blog não dava fama e nem dinheiro. *rs

Clarissa: o garotas começou em 11 de abril de 2003, com um post publicado por mim, que consistia em: “1, 2, 3 e já! Começou!”.

flávia, vivi e eu decidimos fazer o blog porque tínhamos trabalhado juntas e sido demitidas no mesmo dia. queríamos um lugar que amarrasse nossa convivência, permitisse que a gente, de alguma forma, continuasse trabalhando juntas — apesar de termos convivido, as três, por seis meses apenas no trabalho, acho que tivemos uma identificação de estilo e de referências quase imediata.

no começo, postávamos 3 vezes por dia – um texto de cada autora por dia.

depois que fomos linkadas na coluna oops, do ricardo feltrin, da folha, a audiência estourou. daí, fomos convidadas pelo aluízio falcão, que estava assumindo a direção da época, a fazer uma coluna na revista. isso foi bem inédito à época: acho que foi o primeiro caso de blog que extrapolou a mídia online.

depois de uns dois anos, reformulamos o layout do garotas e passamos a escrever seis textos por semana – dois de cada autora por semana.

e, finalmente, fizemos uma parceria com o ig, quando a marcela tavares era coordenadora dessa área, web 2.0. então passamos a fazer parte do portal.

nesse meio tempo, teve também o fórum de leitores, que juntou muita gente legal e que eu conheço até hoje. e teve o livro, pela matrix, com as melhores crônicas do garotas.

vixe, foi muita coisa.

em novembro de 2008, anunciamos o fim. e encerramos em dezembro do mesmo ano. o último post foi algo do tipo “3, 2, 1. acabou”. e também foi postado por mim. ☺

algum tempo depois, o blog saiu do ar.

5. Por que parou de blogar (caso tenha parado)? Por que continua blogando (caso continue)?

Inagaki: Porque eu continuo gostando de escrever e de compartilhar conteúdos interessantes. O tempo disponível pra atualizar meu blog diminuiu muito de lá para cá, mas creio que continuarei mantendo o Pensar Enlouquece no ar por muito tempo ainda.

Flávia: Continuo blogando no www.flaviadurante.net e não pretendo parar nunca, pra mim é uma ferramenta tão corriqueira quanto o e-mail, Facebook ou Twitter. Sou uma comunicadora e gosto de me expressar de várias formas.

Chico: Acho que a culpa é do Twitter. Tenho me divertido mais com o “ao vivo”.

6. O que mudou na sua vida pelo fato de você ter sido um blogueiro de primeira hora? Como isso impactou no seu trabalho e na sua vida pessoal?

Gabriel: O Dequejeito me fez ter contato com um monte de gente bacana, que hoje em dia é muito importante. De certo modo, a minha carreira profissional é um resultado direto desses contatos. Na fase do TDUL eu até ganhava dinheiro, mas jamais pensei em parar de trabalhar pra ser blogueiro profissional. Considero meu trabalho melhor do que ser blogueiro. Eu sou responsável por fazer marcas patrocinarem blogueiros, hahah. Acho bonito pensar que eu ajudo a financiar essa zuera toda. E ter os contatos certos faz toda diferença nesse negócio.

Vida pessoal: Eu sou uma pessoa bastante tímida O blog foi o responsável por me fazer ter contato com gente que eu jamais teria chance de conhecer (inclusive amorosamente haha). E, justamente por ser um blogueiro de primeira hora, eu conheci pessoas que hoje em dia são muito importantes na web, pessoas que hoje tem programa de TV, que são relevantes tanto diretamente como no backstage da internet. Acho isso lindo. Os momentos favoritos da minha vida são por causa do blog, desde “ser o par de uma atriz da globo quando ela fazia presença vip no bar mitzvah do filho de um milionário”, passando por “fumar ~um~ com o elenco da malhação”, até poder “emprestar minha casa para a lua de mel do futuro criador do Cersibon”.

Rosana: Quase tudo o que faço hoje veio do blog. Palestras, viagens, trabalho. Minha atividade principal, no entanto, como roteirista, antecede o blog.

Rafael: Tudo, absolutamente tudo. Foi por causa deles que conheci muitos dos meus melhores amigos. Me ajudou a arrumar empregos. Toco até hoje no Bazar Pamplona com o Pinguim, que entrou em contato comigo depois de ouvir as gravações caseiras que eu publicava no meu blog. Eu não fico pensando muito sobre isso, mas é algo que mudou profundamente a minha vida pessoal e profissional.

7. O que você acha da monetização — os publis e congêneres — que só vieram mais tarde?

Rafael: Se é algo feito com honestidade, transparência e bom senso e permite às pessoas ganharem a vida com aquilo de que gostam, ótimo.

Daniela: Eu acho justo você ganhar dinheiro por um trabalho que faz sucesso, mas também acho que as pessoas têm que ter responsabilidades. Anunciar produto sem avisar que é anúncio é uma grande sacanagem e ainda acho sempre bom ter responsabilidade com o que se anuncia. Promover semana de vida saudável patrocinada por fast food ou refrigerante é picaretagem e o que essas moças fitness fazem hoje para vender no instagram é inominável e deveria ser criminalizado. É ganhar dinheiro sem ter escrúpulo.

Chico: Acho muito bom. Ganhar dinheiro é show, espero que todos ganhem muito.

8. Quem vocês lêem hoje? Do que vocês mais gostam? Do que não gostam?

Gabriel: Pouquíssima coisa. Eu leio blogs por causa do trabalho, mas não porque gosto deles. Não existe nenhum blog que eu goste como antigamente. Queria alguém que mantivesse um diário da sua vida. Hoje em dia parece que cada blog é obrigado a ter um tema, uma categoria. Ninguém mais fala da vida pessoal, nem que seja mentindo. Se eu quiser saber de moda, tem uma lista de blogs de moda. Se eu quiser saber de memes, tem outros 500 blogs… Parece que não existe mais aquela surpresa gostosa de visitar o blog de uma pessoa que você só conhece por foto, e ela tá falando sobre ter deixado, sem querer, cair um figo dentro do queijo ralado no buffet, e a pessoa que tava atrás na fila achou que era uma prática interessante e resolveu copiar.

Flávia: Leio blogs sobre moda plus size, como o da Ju Romano (http://juromano.com) e sobre música, como o Don’t Skip (http://dontskip.com).

Clarissa: posso responder por mim: leio o feed das minhas redes sociais (e chego aos conteúdos indicados por elas). não existe mais um veículo em que eu entre, exclusivamente, pela home – a não ser o buzzfeed, para o qual trabalho.

fora da internet leio jornal (de fim de semana) e livros, como sempre li – mas no kindle! : )

Clara: Questão de Gênero, da Jarid Arraes; Ativismo de sofá; Blogueiras feministas; 2beauty.com.br que tem uns tutoriais de make ótimos… Basicamente, feminismo e maquiagem. Sim, pode. Não, não é contraditório.

9. Qual é o presente dos blogs? E o futuro dos blogs?

Rafael: Talvez hoje não se use mais o termo com tanta frequência, mas basicamente tudo é blog ou deriva do blog. O Twitter, o Tumblr, o Gizmodo, o Verge, o BuzzFeed. É muito provável que o que venha no futuro também tenha raiz no blog.

Inagaki: As inovações que foram trazidas pelos blogs, como o espaço de comentários e as atualizações constantes facilitadas por plataformas como Wordpress, acabaram sendo pulverizadas. Pode-se dizer, pois, que houve uma “bloguização” da web. Os comentários se dispersaram e acabaram migrando para as redes sociais, assim como a produção de conteúdos feitos por quem se habituou à autopublicação sem intermediação de editores. Muito do poder de fogo dos blogs migrou, pois, para os vlogs e redes sociais, mas é bom lembrar que todos são apenas ferramentas. Blogs não morreram e não morrerão.

Rosana: O forte dos blogs hoje é o colunismo opinativo. Quase todos os portais têm seus times de blogueiros, seus comentaristas, analistas, especialistas. E tem os blogs de nicho que são sempre fortes, em áreas de tecnologia, games, séries, moda, fitness, literatura, música, etc. Os blogs perderam audiência em comentários para as redes sociais, mas não perderam a relevância, porque o que conta são os conteúdos e seus produtores.

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