(Resenha) “Orações para Bobby” e a depressão na comunidade LGBT

Renato Almeida
4 min readSep 14, 2018

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Muitas vezes o fanatismo religioso, a rejeição e a violência cometidas pela sociedade ou por familiares de pessoas LGBTs, faz com que muitas pessoas da comunidade vejam no suicídio a única saída. Em levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia, em 2015, foi constatado que 3% dos homens homossexuais e 5% dos bissexuais já tentaram o suicídio no Brasil, em oposição à 0,4% da população masculina geral brasileira. Um em cada 16 homossexuais com idade entre 16 e 24 anos tentou tirar a própria vida alguma vez.

Representando essas estatísticas, temos na sétima arte filmes que tratam o tema de forma clara, objetiva, realista e reflexiva, como é o caso de Orações para Bobby (2009), do diretor Russell Mulcahy. O drama, que se passa entre os anos de 1978 e 1980, é baseado em uma história real, publicada anteriormente em um livro de mesmo título, e que narra a vida de Mary Griffith, interpretada por Sigourney Weaver, e de seu filho Bobby (Ryan Kelley).

Bobby é um jovem de vinte anos, filho de uma família religiosa conservadora, que na juventude constrói sua identidade sexual, reconhecendo-se homossexual. Ao falar aos pais sobre sua sexualidade o rapaz, que era visto como filho exemplar, passa a ser considerado doente, principalmente por sua mãe, religiosa fervorosa, que se encontra em choque devido a confissão do mesmo. Bobby é sujeitado a inúmeras condições, entre elas, ir ao psicólogo semanalmente, ouvir constantemente versículos bíblicos específicos, orações, entre outras coisas. Tais medidas, consideradas pela mãe, como ações de “cura”, fazem com que o jovem saia de sua casa e da cidade natal, isto é, Walnut Creek, Califórnia.

Mas, apesar de, o rapaz se afastar do âmbito familiar e começar a ter suas primeiras experiências românticas, o mesmo sente o peso da exclusão e discriminação da sociedade, e de sua própria família. Bobby sofre com o preconceito, chegando a ser agredido por desconhecidos; e sua perspectiva de vida vai se tornando cada vez mais limitada. Em 27 de agosto de 1983, Bobby Griffith aos 20 anos, tirou sua própria vida, ao pular de um viaduto sobre uma auto estrada, em Portland, Oregon para onde havia se mudado.

O ponto-chave do longa são os diálogos fortes que se fazem presente desde a primeira cena, principalmente os que envolvem mãe e filho. Mary é uma mulher completamente devota da religião e não poupa o filho de palavras de cunho preconceituoso. Entretanto, após o trágico acontecimento envolvendo Bobby, o filme ganha um viés mais explicativo, através da mesma personagem que pregava tanto preconceito e falta de aceitação para o filho e o público LGBT. A proposta de conscientizar as pessoas sobre como suas ações, ou a falta delas, causam respostas diversas no outro é o ato principal do filme. Os pensamentos e falas de Bobby são de extrema importância para que o espectador possa compreender melhor seus sentimentos ao lidar com tanta hostilidade e rejeição. Também é possível entender o que leva o posicionamento da mãe. Afinal, ela própria, após 4 meses do trágico acontecimento, posiciona-se em um discurso emocionado e cheio de arrependimento por não ter buscado compreender melhor o seu próprio filho:

“Ele queria ser escritor. Suas esperanças e sonhos não deveriam ser tomados dele, mas se foram. Há crianças como Bobby presentes nas suas reuniões. Sem que vocês saibam, elas estarão ouvindo enquanto vocês ecoam ‘amém’. E isso logo silenciará as preces delas. Suas preces para Deus por entendimento e aceitação e pelo amor de vocês. Mas o seu ódio e ignorância da palavra ‘gay’ silenciarão essas preces. Então… Antes de ecoar ‘amém’ na sua casa e no lugar de adoração, pensem. Pensem e lembrem-se: uma criança está ouvindo”.

Casos semelhantes ao de Bobby Griffith, ocorrem em todo o mundo, inclusive no Brasil, como por exemplo, o do jovem Yago Oliveira (25). O estudante de psicologia desabafou eu sua página no Facebook, no dia 18 de janeiro deste ano, a perseguição que sofria dos familiares religiosos por ser homossexual. Dois meses depois, em 14 de março, ele cometeu suicídio.

Diferente de Mary Griffth, que hoje trabalha com atividades de apoio à população LGBT, a mãe de Yago, Ivanilda, ao ser questionada por jornalistas do site Mixturando, sobre o suicídio do filho, disse que: “O homem de lá de cima atendeu meu pedido, prefiro um filho morto do que vivo e pecador, seria uma eterna vergonha e desonra sem tamanho”. Amigos do jovem relataram que ele sofria de depressão justamente por conta do preconceito que sofria dentro da própria casa.

Ao todo, Orações para Bobby é uma obra que enfatiza a importância da empatia e respeito para com o outro. Ter em mente que Bobby é apenas um número em um gigantesca estatística, é uma informação dolorosa demais. Entretanto, histórias como a de Mary Griffith e de seu filho — apesar de nos entristecer — nos impulsiona a pensar de forma positiva e a lutar por um mundo onde as pessoas possam não apenas aceitar, mas respeitar e amar o próximo independente do seu gênero, identidade sexual, ou qualquer outra diferença; fazer com que as pessoas compreendam que a verdadeira doença, desde os primórdios da humanidade, foi e sempre será o preconceito e a segregação.

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Renato Almeida

Escutando, sentindo, contando histórias e tecendo a minha própria existência. No gerúndio. Continuamente.