(Resenha) Profundidade e delicadeza para se compreender “As vantagens de ser invisível”

Renato Almeida
4 min readSep 15, 2018

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Foto: Hortência Araújo.

Será que é mesmo necessário dramatizar excessivamente a narrativa de um livro ao falar de um tema denso? Em “As vantagens de ser invisível”, escrito por Stephen Chbosky, em 1999, vemos que isso não é requisito essencial na criação de um romance. Muitas vezes seguir outro caminho na construção da história é uma escolha muito mais inteligente e eficaz. O que lemos nesta obra que, se passa entre os anos de 1991 e 92, retrata de forma crua e o mais próxima da realidade as vivências de Charlie, o protagonista do livro, um adolescente que começa a cursar o ensino médio e sofre de depressão, doença que já é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) o mal deste século.

O livro é narrado em formato epistolar, ou seja, através de cartas escritas por Charlie e endereçadas ao “querido amigo”, uma pessoa anônima, para quem ele expõe de forma íntima, hilária e devastadora tudo o que vem passando. Charlie é um personagem extremamente sensível, e através de sua escrita franca e intimista, descreve não apenas seu presente, mas os traumas do passado que interferem no seu estado emocional. E, embora em sua primeira carta o adolescente cite o medo de se sentir excluído no ensino médio, aos poucos ele se dá conta do quanto aquele momento poder ser a mudança que tanto deseja em sua vida pessoal e social. Todo esse pensamento se solidifica quando ele conhece Sam, Patrick e demais pessoas que se autodenominam, ironicamente, como o grupo “ilha dos brinquedos rejeitados”. Charlie começa a ter diversas experiências, entre elas, convívio social, primeiro amor, uso de drogas lícitas e ilícitas, brigas e várias outras situações, enquanto lida com seus traumas de infância, além dos dilemas que surgem não só em sua vida, mas nas das pessoas que o cercam.

Chbosky traz também referências musicais e literárias, utilizadas claramente como recomendações e narrativa própria para os leitores. A música “Heroes”, do cantor e compositor David Bowie, encaixa-se perfeitamente no sentimento compartilhado entre Charlie e seus amigos, a ânsia de se fazer um grande feito, ou como a própria canção cita “nós podemos ser heróis, apenas por um dia”. Há também a indicações de livros, entre eles, O sol é para todos, O grande Gatsby e Hamlet, feitas por Bill, professor do adolescente, que acabam contribuindo para sua visão de mundo e senso crítico.

Mas o que realmente diferencia esse livro das demais ficções juvenis, é o modo como o autor não poupa o leitor das qualidades, defeitos e demais características de cada personagem, mesmo a narrativa apresentando um único ponto de vista. Apesar de ser uma história direcionada ao público jovem, As vantagens de ser invisível é o tipo de livro que pode ser lido não só por adolescentes. Afinal, é uma obra rica em frases de impacto e reflexão e, ao mesmo tempo, possui certo grau de humor moderado, principalmente na forma como o protagonista se expressa em determinados momentos. Serve para entreter, ensinar e nos lembrar de momentos complicados da vida.

Não apenas a depressão, mas a tentativa de suicídio são temas abordados na obra, e eles são inseridos na história de forma certeira, pois criam inúmeras sensações no leitor, como por exemplo, a compreensão e empatia do que leva o protagonista a atitudes tão extremas, ao mesmo tempo em que se cria um desejo de que o mesmo supere, apesar de ser algo bastante complexo e doloroso. Além de, conscientizar de que em caso de depressão, sempre será necessário ajuda clínica, o quanto antes, mesmo existindo apoio de familiares e amigos.

Stephen Chbosky possui uma abordagem madura e atemporal, e isso resulta em um retrato sincero de como um jovem pode tentar se recuperar de eventos traumáticos, visando confrontar a si mesmo a viver. E também prova o poder do amor e da amizade, ao trazer a possibilidade de tirar qualquer um de seus momentos mais complexos e sombrios.

“Então, acho que somos quem somos por várias razões. E talvez nunca conheçamos a maior parte delas. Mas mesmo que não tenhamos o poder de escolher quem vamos ser, ainda podemos escolher aonde iremos a partir daqui. Ainda podemos fazer coisas. E podemos tentar ficar bem com elas.”

Vale ressaltar que esta foi a primeira publicação de um livro de Chbosky. A obra foi aclamada pela crítica, justamente pela forma com descrevia os adolescentes sem estereotipá-los. Esse sucesso levou o autor e roteirista inevitavelmente ao cinema. Foi assim que ele se arriscou na direção de seu primeiro filme comercial que se baseou nesse sucesso literário. A adaptação contou com os atores Logan Lerman (Charlie), Emma Watson (Sam), Ezra Miller (Patrick), tendo seu lançamento em 2012, e também recebeu bastante elogios da crítica mundial, por transmitir de forma delicada uma história tão complexa e inquietante.

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Renato Almeida

Escutando, sentindo, contando histórias e tecendo a minha própria existência. No gerúndio. Continuamente.