Nunca existirá alguém como Hope Sandoval

Renato Motta
5 min readApr 17, 2018

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A voz mais linda do mundo tem dona. É de uma mulher chamada Hope Sandoval. Hoje, no planeta Terra, é o timbre e o som que mais se aproximam daqueles que talvez existam no paraíso. É o que mais se aproxima do que imaginamos ser a voz de um anjo.

De onde vez tanta beleza? Vem, é claro, da California. Hope nasceu em 24 de junho de 1966, em Los Angeles, numa família de imigrantes mexicanos. Pouco se sabe da vida de Hope como um todo. Muito da sua beleza vem desse seu tom enigmático, misterioso e completamente reservado. O que se sabe é que tudo começou em 1986: então com 20 anos, ela formou o duo folk Going Home com a amiga Sylvia Gomez. As gravações demo foram parar nos ouvidos de Kendra Smith (da banda Dream Syndicate) e de David Roback, um músico californiano que viria a se tornar um dos membros do Mazzy Star. David se ofereceu para tocar com as meninas — juntos, em estúdio, gravaram um álbum inteiro, até hoje nunca lançado.

O Going Home chegou a fazer vários shows pela California na segunda metade dos anos 80 (inclusive ao lado de nomes como Sonic Youth e Minutemen). Durante uma turnê da banda Opal (da qual faziam parte Kendra e David), Kendra deixou a banda. David então perguntou a Hope se ela estava interessada em integrar o Opal. Depois de algumas discussões (inclusive com Kendra) e alguns ajustes, o Opal se tornou o lendário Mazzy Star.

Foram quatro álbuns no total, três deles lançados nos anos 90 e um só em 2013. No Mazzy Star, Hope compunha a maior parte das letras, enquanto que Roback se dedicava aos arranjos e melodias. O som do Mazzy Star (e também dos outros trabalhos de Hope Sandoval) é difícil de descrever. “Uma trilha sonora de sonhos” talvez seja a denominação mais apropriada. A sonoridade é resultado de uma mistura de country, folk, classic rock, psicodelia, muito eco e reverb. São os discos perfeitos tanto para um casal apaixonado (“Fade Into You” é a melhor faixa que se pode tocar numa cerimônia de casamento à beira-mar) quanto para alguém que está com o coração devastado (“Still Cold” é o que se ouve sozinho no quarto, num dia chuvoso, depois de ter sido abandonado pela namorada).

Já Hope Sandoval & the Warm Inventions é um projeto paralelo de Hope, feito com Colm Ó Cíosóig, do My Bloody Valentine. Há outros trabalhos: são inúmeras colaborações de Hope com artistas como The Jesus & Mary Chain, The Chemical Brothers, Death in Vegas, Bert Jansch, Richard X, Air, Vetiver e Le Volume Courbe. Com os Warm Inventions, são três álbuns de estúdio lançados entre 2001 e 2016.

Hope Sandoval & the Warm Inventions tocam no UC Theatre, em Berkeley (CA), numa sexta-feira 13

Tive a sorte de ver um show deles em San Francisco, em 2017. Foi sem dúvida um dos momentos mais marcantes da minha vida: eu estava sendo infectado por um som transcendental, que passava pelo coração, pela alma e pelo cérebro. Por mais que eu tenha ido em shows ao longo da vida, poucos me fizeram sentir tanta emoção quanto esse. Afinal, a música de Hope Sandoval é uma das mais sentimentais dentro do rock. Algo me chamou a atenção na performance de Hope naquela noite: durante todo espetáculo, enquanto ela dava um gole em seu vinho entre uma canção e outra, em momento algum deixou que qualquer luz iluminasse seu corpo, muito menos seu rosto. Foram quase duas horas cantando debaixo de uma escuridão completa, onde ela podia ver tudo e ninguém podia ver nada, a não ser as lindíssimas animações projetadas no palco. Hope ainda falou pouquíssimo com a plateia. Deu “oi”, “tchau” e arriscou um comentário do tipo “vocês são uma plateia muito quieta!”

Setlist do show

Mas Hope Sandoval é mesmo uma garota muito tímida. Um dos poucos momentos em que abriu o coração foi na ocasião da morte de Keith Mitchell, baterista do Mazzy Star, em meados de 2017:

“Eu e Keith fizemos muitas viagens a Berkeley, na California, durante os anos 80. Gravamos muita coisa do Mazzy Star lá. Ele ia me buscar com sua wagon Datsun lotada com sua bateria e tranqueiras de percussão. Ele tinha um bom gosto tremendo pra música. Tinha uma enorme coleção de artistas obscuros. Sempre trazia um monte de fitas cassetes com sons interessantíssimos aonde quer que fosse. A primeira vez que ele tocou Leonard Cohen para mim, me falou, ‘essa música tem os melhores backing vocals de todos os tempos!’. Obrigado, Keith, por toda a inspiração, comunicação, levitação, formação, intoxicação, reverberação… Vou sempre ter você no eu coração e na minha alma. Te vejo no grande show no céu. Com amor, H.”

O que fica dessa história, é, um: tenha pessoas na sua vida como Hope tinha Keith, ou seja, alguém que se importe com você. A vida é curta demais para perder tempo com enganadores, cretinos, parasitas, ilusões e gente que te embriaga com coisas estúpidas, vazias, desimportantes e que não são suas. Dois: deixe que a música, a sua música, toque a sua alma e sintonize você com suas emoções. Deixar que os outros façam isso por você é perder sua essência e sua própria alma, e você não quer isso. Afinal, as pessoas mais interessantes ainda são as naturalmente diferentes.

Enquanto escrevo isso, está para acontecer uma turnê do Mazzy Star pela Austrália e o lançamento do novo EP da banda, “Still”. São coisas que fazem a gente querer continuar vivendo.

Obrigado, Hope, por harmonizar minha alma com a sua música. Que você viva para sempre.

Originally published at manwithouties.wordpress.com on April 17, 2018.

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Renato Motta
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Written by Renato Motta

“I guess I don’t believe in anything, really. I just believe in today.” Alt. rock/movies/books/history/life scenes. 70% of my body is made of music. 🐸🎶🌏