Como escrever sobre Tecnologia

Rene De Paula Jr.
3 min readApr 7, 2019

--

A primeira lição está dada: comece por um título assertivo e que passe a impressão inequívoca de que não só você sabe do que está falando mas também que o cara vai sair dali sabendo fazer alguma coisa do jeito certo, e rápido.

A questão é que eu não sei escrever sobre tecnologia, ao menos não do jeito canônico, não do jeito clássico, não do jeito que parece dar dinheiro e fama e convites para palestras e entrevistas para telejornais desavisados. Eu sei escrever e falar de um jeito só, sem salto alto, sem traje de gala, sem gel no cabelo. Eu só sei escrever meio descabelado, eu só sei escrever errando o dress code.

De tanto ver artigos de sucesso por aí e palestras e debates, porém, acho que descobri algumas regrinhas que, espero, te ajudem a ser ouvido e considerado Brasil afora. Fique à vontade para adicionar suas dicas nos comentários, todos temos a aprender com os sucessos alheios.

Não dá nem para começar a escrever sobre tech sem levar em conta a estrutura atômica profunda do estilo: só use prótons. Prótons são sempre positivos. Em assuntos mais polêmicos, como os fiascos de criptomoedas ou lançamentos decepcionantes da Apple, use nêutrons por precaução. O importante é nunca ser negativo, isso é coisa de elétrons e elétrons soltam faíscas e dão choques e arrepiam os pelos e não é bom assustar ninguém e brasileiro é alérgico. Em suma: positivo sempre, negativo jamais.

Há exceções, claro: chega uma hora em que o facebook faz tanta barbaridade que fica feio se manter neutro nem tem como achar positivo, mas nesses casos o mercado inteiro inverte rapidamente a carga elétrica e faz de conta que sempre repudiou maracutaias. Em suma: diante de uma corrente negativa, não tenha pudores e surfe a onda elétrica.

A próxima lição não é de Física Atômica, mas de Música: bata o bumbo. Tecnologia é uma marcha gloriosa e irresistível rumo à prosperidade infinita, e um bumbo vigoroso há de espantar qualquer hesitação ou temor. Trombetas ajudam, parece, embora meu talento bandístico tenha começado e terminado imediatamente com um triângulo que eu toquei mal e porcamente no primário. O mundo ganhou com a brevidade da minha carreira musical, acredite.

Lendo outros articulistas de renome eu percebo que há um artifício ligado, desta vez, à Geografia: a Terra em tech é plana (lembram do livro?). Eu sempre achei que o mundo era meio chatinho mas não plano, e talvez por não enxergar planura nenhuma e tropeçar em cânions, cordilheiras, abismos e lonjuras eu acabei insistindo demais no fato aparentemente ilusório de que aqui não é o Silicon Valley, que não somos norte-americanos e que o dinheiro aqui não é infinito e barato. Pelo visto sou míope não só de vista mas de visão com V maiúsculo, e nunca consegui abstrair as mil peculiaridades que tornam nossa vida mais difícil que a do Mark. Em suma: escreva como se estivesse num Starbucks em Palo Alto tomando um Chai Latte, parece que funciona.

A próxima lição vem dos píncaros da sabedoria oriental: é tudo uma ilusão. Escreva como se você tivesse uma experiência invejável, um conhecimento enciclopédico e como se você estivesse antenado a tudo o que acontece neste exato instante nos lugares mais avançados do planeta e voilà, ninguém vai levantar o véu de Maya e descobrir que não é nada disso, que você não é um herói de mil vitórias, au contraire. Está no ar mais um campeão de audiência: a Caverna de Platão. Minta descaradamente, #osmanopira e as mina também.

Para encerrar, mais uma lição inspirada pela divina Euterpe, musa da Música, Lira e Poesia: nunca saia do tom. Veja quais são os artigos no topo da hit parade (blockchain, bitcoin, startups…), pegue carona no mesmo tom e seja feliz. Eu caí na sina de Cassandra, a virgem que Apolo condenou a prever desgraças mas nunca ser levada a sério e se você disser que eu desafino, amor, saiba que com isso causa imensa dor porque no peito deste desafinado também bate um coração.

--

--