UX e Cidadania

Rene De Paula Jr.
3 min readMay 17, 2019

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Saudoso Adílson Citelli, um dos professores mais queridos dos meus tempos de ECA… Foi ele quem, ao discorrer sobre o discurso suasório (ahn?) mencionou casualmente o termo exarar (ahn?), palavra que todo ascensorista, faxineiro, contínuo e copeira do Fórum João Mendes pode explicar a incultos como nós com a maior naturalidade.

Exarar. Eu já havia esquecido que diabos é isso, mas felizmente vivo cercado de causídicos, digo, advogados de primeira que me explicaram direito (sem trocadilho) que isso equivale a despachar (que também não sei o que é, parece macumba, mas imagino ser algo prosaico). A vantagem de crescer rodeado por estudiosos da lei é saber que diligência não é só coisa de filme de caubói e que a falta de caução não atenta ao pudor. Exemplos abundam.

Voltando ao tema: linguagem aproxima mas linguagem afasta, linguagem cria muros, linguagem mantém privilégios, linguagem humilha, e um rito democrático dos mais inclusivos da nossa vida civil, o Imposto de Renda, é prova disso, e prova duríssima, praticamente um Iron Man linguístico e burocrático onde eu peço água nos primeiros cem metros.

Eu devo ter faltado em alguma aula menos interessante que a do Adílson, e talvez por isso eu empaco no cipoal de obscurantismo fiscais, jurídicos e administrativos que só devem fazer sentido para os veteranos no funcionamento da máquina governamental, dinastia highlander que remonta certamente ao auge das capitanias hereditárias ou talvez Bizâncio. Em outras palavras, eu travo e peço pinico.

Eu travo, tu travas, nós travamos e só eles, mandarins e iluminados, avançam graciosamente sobre esse campo minado. Quantas dezenas de milhões de brasileiros padecem, como eu e você, diante dos formulários da Receita? Quanto tempo e energia e autoestima são desperdiçados por cidadãos inocentes tentando decifrar o jargão hostil e arcaico de cada formulário, de cada menu, de cada item a preencher?

Nossa diarista pediu nossa ajuda, envergonhadíssima. Seu marido tinha que fazer a sua primeira declaração de renda e estava quase pagando cinquenta ou cem reais para que algum iniciado nas ciências contábeis ocultas e letras rebuscadas fizesse isso no seu lugar. Confessei ao casal que eu também apanhava feio desse sadismo linguístico, e que sem o apoio técnico da minha mulher eu estaria no mesmo pé. O abuso de poder idiomático nos nivela a todos por baixo.

Se o Imposto de Renda é para todos, por que falar outra língua? Se o governo quer empoderar o cidadão, por que empoeirar o idioma?

Dica para os técnicos em Brasília: vocês são servidores, e servidores servem, incluindo servidores web que servem páginas, mas páginas não são só imagens, texto e código, páginas com uma missão tão republicana são parte de um código muito maior, o código da comunicação fluida e clara e direta e inclusiva entre cidadãos com os mesmos direitos e deveres.

Claro que eu poderia ter falado em UX, usabilidade, Design Thinking e outros jargões da área, mas jogar para a torcida e pregar para convertidos não é a minha praia, eu não fico bem de salto alto, sou apenas mais um cidadão que não entende governês.

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