Os céus me odeiam
Agora aqui estou eu, pensando na vida… Vida, o que é isso? Você nasce para quê? O que te motiva? O que te move? O que te faz seguir em frente? Bom, eu irei responder por mim mesmo: Nada. Nada me motiva, nada me move, nada me faz seguir em frente. Bom, pelo menos agora essa é a resposta, pois um mês atrás eu ainda tinha algumas motivações, ainda tinha alguma coisa que me fazia seguir em frente: Meus amigos e meus pais. Eu queria ser um orgulho para todos eles, e isso me motivava a seguir com a vida, apesar de toda a tristeza que carrego comigo há alguns anos.
Eu me identifico como uma pessoa inocente, digo, honesta. Eu não costumo fazer coisas erradas ou agir contrário à lei. Sou uma pessoa que dança conforme a música e eu até prefiro que eu seja assim. Porém tudo mudou quando eu conheci aquela pessoa…
Ele era uma pessoa legal, apesar de sermos bem diferentes, mas ele gostava de algumas coisas que eu também gostava e isso talvez tenha ajudado a nos aproximar. Ele tinha uma aparência muito diferente do convencional, expressando muito sentimento só de olhar pra ele, mas eu acreditava que por dentro, ele era igual a mim, então decidi juntar toda a minha coragem para conhecer essa pessoa melhor. Acho que foi aí que eu errei.
Eu NUNCA fui de conhecer pessoas novas, e NUNCA fui de chegar em alguém para fazer amizades, pois sou tímido, introvertido e anti-social, que eu chamo de “a trindade do fracasso social”, fora meus problemas de ansiedade, depressão e euforia. Apesar de tudo isso que eu falei, aparentemente essa pessoa pareceu gostar de minha companhia e aceitou minha amizade. O problema de tudo isso não foi eu. Eu tentei meu melhor, eu juntei coragem, eu tentei melhorar de vida, tentei conhecer uma pessoa nova, e então eu consegui… Porém essa pessoa tem um estilo de vida completamente diferente do meu, fazendo com que eu me encontrasse em uma divergência social enorme, e fazendo com que eu entendesse um pouco mais sobre a vida real, afinal até então eu vivia dentro de uma bolha, achando que o mundo e as pessoas eram honestas… que idiotice.
Essa pessoa fazia várias coisas erradas, e conhecia muitas pessoas que também faziam coisas erradas, então pode-se dizer que eu acabei sofrendo influência deles, ou talvez isso seja eu dando uma desculpa para minha falta de caráter e minha fraqueza perante esse tipo de situação, afinal eu nunca tinha visto ou feito alguma coisa errada antes, e ver aquilo sendo feito pessoalmente era algo que fazia eu me sentir estranho, e isso começou a ficar pior, porque eu comecei a me sentir um pouco preso a essa pessoa, pois ele era legal, só que ao mesmo tempo fazia algumas coisas bem erradas, e eu sempre presenciava tudo o que acontecia, como se fosse um cúmplice silencioso. Eu não sabia como reagir, ele tinha uma personalidade muito forte e uma grande capacidade persuasiva, e como eu sempre fui fraco com isso, foi fácil de me meter nessa cilada.
Aos poucos comecei a fazer essas coisas erradas com ele, começando com eu usando alguma droga inofensiva, depois roubando algumas coisas em lojas, e indo cada vez mais a fundo nesse mundo que eu desconhecia, sem pensar em nenhuma consequência, sem tentar parar. E foi aí que tudo começou a desabar.
Primeiro, cerca de três semanas atrás, meus amigos descobriram o que eu estava fazendo e descobriram que eu estava andando com essa pessoa e simplesmente se afastaram de mim no mesmo instante. Eu dou toda a razão para eles, pois de fato, o que eu fazia não era certo, e nem mesmo eu queria fazer essas coisas, mas era muito fácil para ele me convencer. Eu tentei correr atrás dos meus amigos, mas eles eram iguais a mim: mesmo que seja a primeira mancada, já era, então para resumir, eu fiquei sem amigos. Meus preciosos amigos… Eu tinha eles e minha família, mas a partir daquele momento, eu passei a ter só a minha família, porém isso não durou muito tempo também.
Uma semana e meia depois, meus pais descobriram que eu estava usando drogas, pois eu cheguei muito mal em casa, e isso deu um desgosto terrível para eles. Eu podia estar chapado, mas dava para ver o rosto deles expressando a decepção, o que fez eu me sentir muito mal, mas não desisti deles e também tentei correr atrás, pedindo desculpas e prometendo que aquilo nunca mais iria acontecer de novo, mas a confiança já havia acabado, o fato deles terem me visto daquele jeito os abalou muito, e mesmo com eles tendo aceito minhas desculpas, me fizeram jurar que eu teria que parar de andar com aquela pessoa e que eu iria parar de fazer tudo isso, coisa que eu aceitei na mesma hora, pois eu não posso perder o amor e confiança de meus pais, porém eu ainda assim não consegui me afastar daquela pessoa, é como se ele tivesse algum controle sobre mim ou sei lá o quê, talvez fosse atração pelo desconhecido ou algo assim, talvez eu no fundo queria saber como é estar na pele de quem faz esse tipo de coisa.
Lembro-me até hoje de quando minha mãe falou que chegaria um dia que eu iria ser preso por todas essas coisas que aquela pessoa estava fazendo, pois eu seria confundido com um cúmplice. Mal sabem ela que realmente eu fiz várias coisas junto com ele, isso me faz até ter vontade de dar risada com a inocência os meus pais, pobrezinhos… Mas não liguei para o que minha mãe disse e respondi ironicamente: “No pior dos casos, se eu for preso, eu me mato!” e dei risada. Risada essa que eles nem sequer demonstraram reação, minha mãe apenas disse “Ai, ai…” e virou as costas para preparar o almoço.
Os dias que se seguiram após esse acontecimento foram realmente um inferno, pois sempre que eu chegava em casa, eu era tratado como um estranho, como se eu fosse um usuário de drogas, como se eu não fosse mais filho deles. Sempre olhando pra mim com um olhar de julgamento, estava estampado nos olhos que eles estavam tentando ver se eu estava drogado ou não. Eu não estava mais me sentindo à vontade em minha casa. O pior é que eu de fato tinha parado de usar a droga, mas eles não acreditavam mais em mim, a confiança tinha ido embora quando eles me viram chapado naquele dia.
Bom, sem amigos, sem família, apenas ele. Ele continuou me chamando para fazer aquelas coisas, mas eu estava tão desanimado com tudo que comecei a recusar. É incrível o que a tristeza consegue fazer, pois eu já não tinha força de vontade de me afastar dele, mas depois das coisas que tinham acontecido recentemente, eu já estava tão triste que não queria fazer mais nada nem com ele, nem com ninguém, mas ele continuava insistindo. Uma coisa curiosa é que ele não se afastava de mim, como se ele de fato me quisesse como um brinquedo, como se eu estivesse sendo útil para ele. Aos poucos, comecei a perceber que além de fazer coisas erradas, ele também me menosprezava, pois eu sempre fui transparente com minhas amizades e me abri totalmente a ele, contando meus pontos fortes, minhas fraquezas, coisas que eu gosto e não gosto, coisas que me deixam feliz e coisas que me deixam triste, etc. e ele ao invés de usar isso para ser um amigo melhor ou talvez para me ajudar a ser uma pessoa melhor, na verdade começou a usar isso contra mim através de ofensas ou indiretas, usando exatamente tudo o que eu tinha falado para ele, me atingindo em cheio no coração e na minha autoestima. Todo o sentimento bom que eu tinha por ele estava se esvaindo aos poucos e isso tudo só acabou quando aconteceu justamente aquilo que eu não acreditava que iria acontecer.
Era um dia nublado, bem propício a haver uma tempestade. Estávamos ele e eu andando na rua quando passou uma viatura da polícia que quando nos viu, decidiu andar um pouco mais devagar, cada vez mais, até parar. Do nosso lado. Ele, malandro e acostumado com esse tipo de coisa, saiu correndo logo após a viatura parar, me deixando para trás, pois eu simplesmente paralisei de medo. Naquela hora eu vi o quão amigo ele era, simplesmente me deixando lá para ser enquadrado no lugar dele. Os policiais já saíram do carro em minha direção pedido para pôr as mãos na cabeça, coisa que eu demorei para fazer, pois eu não estava acreditando em tudo aquilo…
Enfim levantei os braços e eles me revistaram. Levou alguns minutos e quando terminou, eles disseram: “Você tá limpo…”, o que soou como um alívio para mim, porém em seguida, o mesmo policial disse: “…Mas você foi avistado roubando coisas numa farmácia com aquele sujeito que fugiu, então você será preso por roubo”, e colocou meus braços para trás para me algemar.
Eu realmente não estava acreditando no que estava acontecendo naquele momento. Logo eu, estava sendo mesmo preso. E enquanto um policial preenchia alguns formulários, eu estava algemado com um outro policial ao meu lado me observando, pois prometi que não iria resistir. Foi então que veio o desespero, foi aí que eu fiz os questionamentos que escrevi no início desta história, foi então que eu comecei a recapitular todas essas coisas que aconteceram na minha vida recentemente que resultaram no que estava acontecendo ali.
Sabe, eu não lembro exatamente quando que comecei a desenvolver essa minha depressão, acredito que foi de uns quatro anos para cá, e depois disso, eu fui perdendo amigos e oportunidades na vida aos poucos e as coisas começaram a ficar sem graça para mim. Eu não via mais a vida em cores, tudo para mim parecia estar em tons acinzentados, pois mais nada para mim fazia sentido ou tinha cor, e eu só vivia um dia após o outro. O que me fez sair desse poço de solidão foram meus antigos amigos e minha família, que me apoiaram ao máximo e me fizeram ter uma motivação a mais: eles. E realmente eu estava começando a melhorar, tanto é que eu consegui ter um emprego, consegui ser promovido e inclusive tinha conseguido terminar a faculdade. Todas essas coisas boas que aconteceram me deram uma confiança a mais que me permitiram tentar fazer uma nova amizade por mim mesmo, juntando toda a coragem, toda a positividade que eu tinha para isso. O problema é que eu fiz todo esse esforço, juntei toda essa coragem, toda essa positividade, para conhecer ele. Ele foi o início da minha queda, ele foi a cereja do bolo, a gota d’água. Eu fiz todo esse esforço, dei o máximo de mim, tudo para perder meus amigos e minha família. Fiz todo esse esforço para perder todas as minhas motivações. Fiz todo esse esforço para perceber que a amizade dele não era amizade, era tudo baseado em interesse, e no final, nem ele mais eu tinha, pois fui deixado aqui para que me prendessem e ele pudesse fugir. Eu fui usado do começo ao fim, mesmo entregando tudo de bom que eu tinha naquele momento a ele, e depois de entregar tudo aquilo, eu fiquei tão fraco e vazio que não pude mais ter controle de mim mesmo e comecei a fazer coisas que eu nunca pensei em fazer, tudo por impulso, tudo por causa dele, por causa de nossa amizade. Tudo por nada. Eu perdi tudo, não sobrou mais nada e agora eu vou ser preso e só Deus sabe o que pode acontecer comigo na cadeia. Eu passei de um homem honesto que estava melhorando de vida para um criminoso prestes a ser encarcerado, tudo isso em apenas um mês.
Num último lapso de desespero, lembrei do que eu tinha falado à minha mãe: “No pior dos casos, se eu for preso, eu me mato”, e tendo em mente que eu não tenho mais nada a perder, e que eu iria sofrer ainda mais se aquilo continuasse, eu não tinha escolha, eu tinha que fazer aquilo, eu tinha que me matar, mas como? Eu já estava à beira da loucura só de pensar que minha única escolha é morrer, e fiquei mais fora de mim ainda quando entendi que eu ainda por cima teria que descobrir uma forma de me matar, pois talvez nem mesmo isso eu conseguiria fazer. Talvez poderia ser indolor, talvez eu iria sofrer muito antes de tudo acabar, as possibilidades estavam me deixando maluco, e eu já tinha me conformado que aquele era o fim.
Eu estava numa calçada, encostado num muro com o policial do meu lado, e a rua não estava muito movimentada, então pensei que talvez não haveria possibilidade de eu ser atropelado, até que avistei um Uno antigo vermelho se aproximando. O motorista estava na faixa da direita e parecia estar um pouco distraído. Perfeito.
Quanto mais o carro se aproximava, mais minha respiração ficava ofegante.”Acabou”, eu pensei, “Eu só preciso me lançar na frente do carro na hora certa e finalmente meu sofrimento vai acabar”.
Então chegou a hora. O carro estava há pouco menos de dez metros de mim. Usei o muro para dar impulso e me joguei de costas enquanto olhava nos olhos do policial, na esperança de que minha breve existência nesse mundo pudesse render ao menos uma história, e então fechei os olhos e sorri…
Ouvi o barulho do carro derrapando na pista, tentando não me acertar em cheio, mas eu me joguei na hora certa, não havia como ele errar. Eu não iria sentir dor nenhuma, eu iria ser estraçalhado e morreria na hora, porém não foi isso que aconteceu. Ao invés disso, senti minhas costas doerem, e senti que torci os pulsos. Aos poucos, o barulho do freio do carro foi ficando cada vez mais alto até que simplesmente parou. Foi então que eu abri os olhos. Eu havia caído no chão, em cima de meus braços algemados, e então olhei para o lado. O pneu do carro estava há alguns centímetros do meu rosto, dava para sentir o calor dele. Eu não consegui. Minha única chance de sumir desse mundo foi mal sucedida.
Então eu olhei para o céu, que antes estava nublado, mas agora já estava limpo e azul igual à um dia de verão, e pensei: “Nem mesmo você…”, e comecei a chorar.
…