Do Bolsa Família ao Auxílio Emergencial (3):

as histórias de quem viu a renda aumentar em meio à pandemia

Reportagens Especiais
OVA UFPE
5 min readAug 20, 2020

--

Especial mostra mudanças no cotidiano de cidades do Agreste e Sertão de PE

José: consertando máquinas de lavar e como servente de pedreiro, ele sobrevive com cerca de R$ 400 ao mês

Garantido graças à pressão de movimentos sociais e parlamentares (a proposta inicial do Governo Federal era pagar apenas R$ 200) o valor emergencial de R$ 600 diminuiu, segundo a Fundação Getúlio Vargas, a taxa de extrema pobreza no país, a menor em 40 anos. A questão é que o valor vai cair pela metade nos próximos meses, fazendo com que o inédito conforto de milhares de famílias seja brevíssimo. Nesta reportagem especial, conhecemos famílias de cidades como Flores (Sertão), Lagoa dos Gatos e Surubim (Agreste) que pela primeira vez conseguem ver a despensa cheia, gente que conseguiu pagar dívidas ou ainda adquirir bens como um celular, item fundamental para qualquer família, principalmente em momento de isolamento social. Reportagem de Géssica Amorim, Maria Souza e Layane Lima. Design e divulgação nas redes de Cladisson Melo e Lucas Santos.

3. Carne, celular e porta

Layane Lima (texto e fotos)

Consertando televisores e máquinas de lavar e fazendo bicos como servente de pedreiro. É assim, realizando tarefas que podem soar tão diferentes entre si, que José Alberto da Silva, 50 anos, consegue sustentar a família. Aos cerca de R$ 200 que arrecada com os serviços por mês, ele soma os R$ 171 do Bolsa Família. Aliás, somava: hoje, ele e a esposa Zenilda, 51, viram a renda subir mais R$ 1,2 mil por conta do Auxílio Emergencial (que incorpora os ganhos do Bolsa Família). É uma revolução familiar com data certa para acabar, já que o dinheiro está atrelado ao contexto da pandemia, e não a um programa social mais perene do governo federal.

José e Zenilda moram no bairro da Emenda, em Lagoa dos Gatos, a 132 quilômetros de Recife. As novidades nos hábitos de consumo do casal revelam a necessidade da existência de uma renda básica (leia matéria nesta reportagem): com o dinheiro, estão pagando contas de água e luz que antes ficavam à espera de um mês mais “folgado”. Também conseguem comprar mais que o arroz e o feijão: o consumo da “mistura” (proteína animal, geralmente carne vermelha) aumentou e hoje o casal se alimenta com mais qualidade. Os maiores “luxos” até agora foram a compra de um aparelho celular para conseguir se comunicar melhor — e realizar operações bancárias, por exemplo — e uma porta para um quarto da casa. “As coisas melhoraram para minha família depois que esse auxílio emergencial foi criado. Tivemos a oportunidade de comprar coisas que antes só tínhamos a vontade e não podíamos”, diz José. Ele é um entre os 12,9 milhões de brasileiros desempregados e também faz parte dos 14,2 milhões de integrantes do Bolsa Família.

Rua da Emenda, em Lagoa dos Gatos: na cidade, novos cadastros para o Bolsa Família não acontecem há mais de um ano. Governo Federal quis suspender o programa em fevereiro, mas STF proibiu

Em Lagoa dos Gatos, 3.132 famílias estão cadastradas no Programa Bolsa Família e 4.552 estão no Cadastro Único. Em junho, 8.582 pessoas foram beneficiadas pelo primeiro, com pouco mais de R$ 727 mil repassados para as famílias cadastradas (o benefício médio foi de R$ 232,41 por família). Os dados foram fornecidos pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da cidade. Boa parte da população do município ainda vive em situação vulnerabilidade social, uma vez que a cobertura do programa é de 129% em relação à estimativa de famílias pobres para a cidade.

Ivanildo Paciência, do CRAS, diz que parte dos atuais beneficiados pelo auxílio emergencial ficarão até sem Bolsa Família quando pagamento chegar ao fim

SUSPENSÃO DO BOLSA FAMÍLIA
Ivanildo Paciência, coordenador do CRAS de Lagoa dos Gatos, conta que, há mais de um ano, não são realizados novos cadastros do Bolsa Família no município. Famílias que fizeram suas fichas em janeiro de 2019 não receberam o cartão até julho de 2020. Ele explica que, depois da pandemia, o atendimento do centro funciona em caráter de emergência (serviços como inclusão de recém-nascidos e exclusão de pessoas que não residem mais no município). “Não houve aumentos no Bolsa Família, mas as pessoas que estão em espera conseguiram o auxílio emergencial. Infelizmente, quando terminar o pagamento de auxílio, estas pessoas voltarão para a fila e quem recebia o Bolsa Família voltará a ganhar o mesmo valor de antes”.

Em março deste ano, já no contexto da pandemia, o governo Jair Bolsonaro chegou a suspender o Bolsa Família para, segundo o mesmo, realizar a verificação de cadastros. A medida atingiu principalmente o Norte e o Nordeste. O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a suspensão. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, a fila para o benefício estava zerada em janeiro de 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro assumiu o Palácio do Planalto. No primeiro trimestre de 2020, a a espera já contabilizava 1 milhão de famílias.

A casa de José e Zenilda: melhorias muito sensíveis — a instalação de uma porta — vieram com a obtenção do auxílio

Ivanildo explica que o processo do encaminhamento e aprovação do cadastro não depende apenas do Centro de Referência de Assistência Social local, que repassa os novos cadastros para o Ministério da Cidadania. “Procuramos sempre deixar a população ciente de que não temos nenhuma previsão, mas que a cada 60 dias os que realizaram o cadastro se apresentem no CRAS, portando a identidade e o número do NIS, para que possamos verificar no sistema se foi liberado algum valor”.

A Lei n° 10.386/2004 ou programa Bolsa família como é conhecida foi criada durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2003, e tem o intuito de beneficiar famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Foram consolidados neste programa o Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-gás e o Programa Nacional de Acesso à Alimentação. Já o auxílio emergencial, foi estabelecido durante o governo do presidente Jair Messias Bolsonaro (sem partido) para ajudar os trabalhadores informais da perda de renda durante a pandemia do coronavírus. O benefício vai ser distribuído em cinco parcelas e já soma mais 65 milhões de beneficiários.

Em Lagoa dos Gatos, foram confirmados 452 casos de Covid-19. Cinco pessoas estão em isolamento, 436 estão recuperadas e foram registrados 11 óbitos. Além destes casos, o município ainda registra 14 suspeitos, 244 descartados e 608 pessoas se apresentam adoecidas com síndrome gripal de acordo com o último boletim epidemiológico publicado na página oficial da prefeitura no Facebook.

Confira todo o especial:

1.Em Flores, realização do sonho de uma feira em fardos e a compra do celular

3. Em Surubim, mais de 1.500 famílias vivem sem qualquer auxílio

4. Governo Federal ofereceu R$ 200 no início da pandemia — e agora estuda o Renda Brasil

--

--

Reportagens Especiais
OVA UFPE

projeto de extensão do Observatório da Vida Agreste (OVA), Curso de Comunicação Social da UFPE/Centro Acadêmico do Agreste (CAA)