Que parte de mim foi morta ou está agonizando?

Aline Lima
4 min readOct 24, 2018

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“O conto do Barba-azul é útil para todas as mulheres, independentemente de serem jovens e terem acabado de saber da existência do predador ou de terem sido acossadas e acuadas por ele décadas a fio, encontrando-se, afinal, preparadas para um confronto final e decisivo com ele.”

(Extraído do Livro “Mulheres que Correm com os Lobos” de Clarissa Pinkolas Estés)

(clique aqui para ler o conto completo)

O tema central deste conto está na ingenuidade e no distanciamento da intuição da “irmã mais nova”, protagonista, que, assim como a grande maioria das mulheres, possui uma inocência de achar que se pode ‘curar’ ou ‘consertar’ o predador, seja ele um homem, seja ele o patrão, seja ele o amigo, etc.

Importante perceber também que o Barba Azul, o antagonista, pode representar também os predadores internos na mente da mulher, como crenças pessoais e sociais, medos, vícios, culpas, etc.

Na sociedade patriarcal as mulheres são ensinadas a não enxergar o seu potencial, são criadas achando que são o sexo frágil, que precisam ser boazinhas, o que faz com que elas não tenham contato com a sua intuição, com a sua mulher selvagem, vivendo por de trás de uma ingenuidade perversa.

Nesse sentido, enquanto a mulher for forçada, a acreditar que é indefesa e/ou for treinada para não registrar no consciente o que sabe ser verdade, os impulsos e dons femininos da sua psique continuarão a ser erradicados pelo “Barba Azul”

Perceba que no conto o complexo materno se dá por meio da ausência da mãe na dinâmica, pois ela aparece somente no momento do passeio a cavalo e depois concedendo a mão da protagonista para o Barba Azul o que nos mostra, simbolicamente, que a protagonista não pode mais se identificar com ela e que está sendo chamada para a sua individuação, para a quebra dessa ingenuidade.

A ausência do pai no conto nos chama atenção, pois a figura arquetípica dele é necessária para apresentar a protagonista para o mundo, orientando-a dos perigos, da necessidade de autocontrole e de maior racionalidade, ficando clara a dinâmica do complexo paterno que a faz enxergar no Barba Azul o seu salvador, a quem ela deve a obediência que deveria ser direcionada ao pai.

Desde o início do conto fica clara a desconexão da protagonista com a anima, representada pela suas irmãs, que o tempo todo estão alertando a protagonista dos perigos, mas ela parece não escutar e não enxergar.

No entanto, é essa mesma anima que posteriormente desperta a curiosidade pela “chave”, convidando a protagonista a dar uma passo a mais, rompendo com o acordo de obediência feito ao Barba Azul e, é nesse momento, que ela descobre os perigos do predador.

Após ver a poça de sangue, os ossos humanos enegrecidos e crânios que estavam empilhados, não tinha mais como desver. A consciência, mesmo que momentânea, havia sido experimentada e não tinha volta, tanto que ela tentou de todas as formas guardar a chave para esconder a descoberta do Barba Azul, mas a chave não parara de verter lágrimas de sangue vermelho-escuro.

O ponto alto do conto foi a chegada do Barba Azul que ao notar a ausência da “chave” se transformou em no monstro que ele realmente era. Esse momento nos faz lembrar de relacionamentos abusivos que duram por anos até que a mulher resolver “abrir a porta proibida” e a partir daquele momento conhecem a verdadeira face do seu “homem encantador”.

Nesse momento as irmãs, a anima, não podiam mais ajudar sozinhas e sentiram a necessidade de de convidar os seus irmãos, representando o animus, para que a salvasse, pois o Barba estava determinado a matá-la, assim como fez com as outras.

O desfecho se dá com a chegada dos irmãos para atender o seu pedido de socorro, matando o Barba Azul, deixando para os abutres o que sobrou dele.

Esse conto é um convite para todas as mulheres se questionarem sobre os seguintes pontos:

Quem é o seu Barba Azul?

O que está atrás da porta?

O que não é como aparenta ser?

O que eu sei no fundo de mim mesma que preferia não saber?

Que parte de mim foi morta ou está agonizando?”

Finalizo com uma frase de Clarissa Pinkola que nos mostra a urgência em aceitar esse chamado.

“Uma vez que ela abra aquele aposento na psique que mostra como está morta e retalhada, ela perceberá como diversas partes da sua natureza feminina e de sua psique instintiva foram extirpadas e tiveram uma morte indigna por trás de uma fachada de prosperidade.”

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Aline Lima

📍Feminista Negra 📍 Educadora Emocional 📍Psicanalista Junguiana (em Formação) 📍 Pesquisadora em Inteligência Emocional e Social