[TRANSCRIÇÃO] Cumé que fica?! — Apresentação

Retomadas Epistemológicas
3 min readJan 31, 2022

--

[NARRAÇÃO]

E foi então que uns brancos muito legais convidaram a gente prá uma festa deles, dizendo que era prá gente também. Negócio de livro sobre a gente. A gente foi muito bem recebido e tratado com toda consideração. Chamaram a gente até prá sentar na mesa onde eles tavam sentados, fazendo discurso bonito, dizendo que a gente era oprimido, discriminado, explorado. Eram todos muito gente fina, educada, viajada por esse mundão de Deus. Sabiam das coisas, viu?. E a gente foi sentar lá na mesa. Só que tava tão cheia de gente que não deu prá gente sentar junto com eles. Mas a gente se arrumou muito bem, procurando umas cadeiras e sentando bem atrás deles. Eles tavam tão ocupados, ensinado um monte de coisa pro crioléu da platéia, que nem repararam que se apertasse um tiquin até que dava prá abrir um espacinho e todo mundo sentar junto na mesa. Mas a festa foi eles que fizeram, e a gente não podia bagunçar com essa de chega prá cá, chega prá lá, arreda ali. A gente tinha que ser educado. E era discurso e mais discurso, tudo muito pomposo, tudo com muito aplauso. Foi aí que a neguinha que tava sentada com a gente, deu uma de atrevida. Tinham chamado ela prá responder uma pergunta. Ela se levantou, foi lá na mesa prá falar no microfone e começou a reclamar por causa de certas coisas que tavam acontecendo na festa. Tava armada a quizumba. A negrada parecia que tava esperando por isso prá bagunçar tudo. E era um tal de falar alto, gritar, vaiar, que nem dava prá ouvir discurso nenhum. Tá na cara que os brancos ficaram brancos de raiva e com razão. Tinham chamado a gente prá festa de um livro que falava da gente e a gente se comportava daquele jeito, catimbando a discurseira deles. Onde já se viu? Se eles sabiam da gente mais do que a gente mesmo? Se tavam ali, na maior boa vontade, ensinando uma porção de coisa prá gente da gente? Teve um hora que não deu prá agüentar aquela zoada toda da negrada ignorante e mal educada. Era demais. Foi aí que um branco enfezado partiu prá cima de um crioulo que tinha pegado no microfone prá falar contra os brancos. E a festa acabou em briga… Agora, aqui prá nós, quem é que teve a culpa? Aquela neguinha atrevida, ora. Se não tivesse dado com a língua nos dentes… Agora ta queimada entre os brancos. Malham ela até hoje. Também quem mandou não saber se comportar? Não é a toa que eles vivem dizendo que “preto quando não caga na entrada, caga na saída”… E então eu te pergunto, cumé que a gente fica?

Lélia Gonzalez abre “Racismo, sexismo e desigualdade na cultura brasileira” em 1984 no encontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) com esse prólogo, cumé que fica?

Cumé que fica, nada mais é do que um retrato daquele encontro. De como o ambiente acadêmico nos recebe enquanto corpos negres e indígenas. E por isso, esse podcast se chama cumé que fica. O Retomadas Epistemológicas nasce em 2019, pela reivindicação de autores negres e indígenas no currículo do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais.

O Retomadas é um coletivo anti epistemicídio que objetiva romper com o processo continuado de silenciamento e apagamento de sujeitos negres e indígenas do processo de produção do conhecimento.

E este é o nosso primeiro podcast, que irá trazer a história de quatro pensadorus negres e indígenas.

[NARRAÇÃO]

O podcast “Cumé que fica!?” é realizado pelo coletivo Retomadas Epistemológicas, com o apoio da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis e do Centro Acadêmico de Ciências Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais.

Esse é o “Cumé que fica!?”.

Unlisted

--

--