Quando um pixo fala, e o que fala.

Rolê
4 min readMar 28, 2018

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Final de Março de 2018, Lula continua tocando sua caravana quase suicida em meio a territórios hostis, o oeste do sul do Brasil, terra de gente tradicionalmente conservadora e reacionária, lugar onde até nos melhores dias Lula seria questionado. E bem, hoje não estamos nem perto dos “melhores dias”.

É um esforço pensado, uma narrativa que o Partido dos Trabalhadores escolheu seguir para martirizar Lula e tentar se reencontrar com alguma militância, que dê tom e respaldo às narrativas que isentam Lula dos crimes os quais o imputam.

Mas cada camada desse plano é complexa e nem um pouco livre de incertezas. Começando pela insistência do PT em Lula, dado como morto por numerosos integrantes do meio político; Outra incerteza é a própria existência do PT, partido dado como morto por boa parte do meio político e também da sociedade civil, e partido esse que não encontra apoio nem na militância, que foi traída ou ignorada pelo partido inúmeras vezes nesse século.

Das greves do ABC até hoje Lula ainda é manchete, mas as coisas inevitavelmente mudaram muito, com a estruturação do PT junto aos movimentos sindicais, e sua estabilização no meio político, que culminou na vitória presidencial em 2002, foi um longo processo de abertura de um projeto de governo aos interesses do grande capital, que garantiu a governabilidade de Lula mas que acabou por dominar completamente a maquina pública através da corrupção.

O PT que historicamente se colocaria como esquerda, foi ao mesmo tempo responsável na era Lula pelo, discutivelmente, melhor governo do período democrático, e também pelo maior esquema de corrupção da história nacional.

Claro que já existia corrupção antes do PT, e também já existia esquerda antes do PT, mas começamos a vislumbrar hoje o fim da época que o PT é sinônimo para ambos, começamos a vislumbrar o fim do próprio PT. Só que aí as coisas ficam complicadas novamente, o cenário político ao longo dos anos se moldou de uma forma que não abrange a esquerda militante, a não ser em subdivisões dentro dos partidos, mas amplamente tem uma galera de esquerda que não se vê representada em PT’s ou Psol’s.

Ao longo de todos esses anos a gente viu a força que movimenta a esquerda mudar drasticamente do que antes eram as centrais sindicais para hoje serem os movimentos que lutam por pautas sociais, sejam os direitos lgbtq, a luta contra o racismo, a luta feminista e etc. E majoritariamente esse galera sempre se alojou próximo ao PT, mas agora em um momento que as discrepâncias e falta de integridade do partido estão cada vez mais a mostra, essa galera é uma galera sem representatividade política.

Esse é o cenário em 2018, mas há 5 anos atrás, durante as jornadas de Junho e o já instável governo Dilma, essa galera já estava desolada. Em 2013 foram às ruas esquerda e direita, porém assim que se entreolharam e viram as diferenças de cada um, voltaram as suas casas para focar nas próprias pautas, a polarização que catapultou movimentos como o MBL. Porém na esquerda, não surgiram MBL’s, a esquerda ficou nas cordas lutando contra “O Golpe”, e ainda mais confusa na sua síndrome de Estocolmo com o PT.

Recentemente outro nome atingiu as manchetes, não dos grandes jornais, mas das centrais de mídia alternativa, de textões, correntes, hashtags: Rafael Braga. Negro, pobre, preso em uma manifestação portando um pinho sol e condenado a 11 anos de prisão.

Lula e Rafa Braga podem até terem opiniões em comum sob algum tópico, mas o destino os fez figuras antagônicas: Lula, o oligarca político, ex militante que se entregou as grandes engrenagens do política tradicional, que caminha livre, verborrágico e com sede de voltar ao poder; Do outro lado o morador periférico, preso com um beck e um pouco de pó, trabalhador e manifestante, preso e perseguido pelas engrenagens dos grandes poderes que nem ligam para a existência dos seus semelhantes, e ainda assim, um rapaz quieto e comedido.

Quando um pixo atinge a parede e estampa “Caguei pro Lula, libertem Rafael Braga” essa é a síntese da coisa, é um grito de quem quer lutar, mas que quer lutar pelos oprimidos, e não pelos grandes senhores do discurso político que manipulam as massas, é um grito de quem quer lutar pelo pobre, pelo preto, pelo gay, pelas mina, e pela mais diversa sorte de pessoas oprimidas diariamente.

A esquerda que não é petista ainda não tem lar, e talvez nunca terá, talvez essa camada que busca a justiça social e igualdade nunca consiga se representar politicamente como um MBL faz cheio de dinheiro de empresários. Essa galera tem a vontade de pixar, e tem muito pelo o que pixar. E não, não dão a minima pro Lula levando ovada.

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Rolê

Revista alternativa e central criativa, @ oeste-pr.