Ensino público, gratuito e de qualidade

Em meio a um governo que associa a produção científica das Universidades públicas à “balbúrdia”, faz-se necessário entender o que são e como funcionam essas instituições.

Revista Torta
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8 min readJun 28, 2019

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Por Arthur Almeida

Editado por Arthur Almeida, Giovana Silvestri e Rafael Junker

Foto por Beatriz Toledo | Ato do dia 15 de maio em Bauru.

Contextualização da Universidade Pública

A Educação pública é um direito previsto na Constituição Federal. No Capítulo III, Seção I, Artigo 205, consta: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

A experiência universitária surgiu no Brasil somente a partir de 1808, com a vinda da Corte Portuguesa: a Escola de Cirurgia da Bahia — atual UFBA (Universidade Federal da Bahia) — e a Escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina — atual UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) — foram as primeiras Faculdades fundadas. A manutenção dessas instituições era vinculada ao Estado.

Desde a Proclamação da República (1889), os incentivos à Educação foram crescentes. Mais e mais cursos eram disponibilizados nas Instituições de Ensino Superior e algumas das mais importantes universidades do país, tais como a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a USP (Universidade de São Paulo) e a UnB (Universidade de Brasília), foram fundadas.

Um levantamento de dados feito por Luis Antônio Cunha, em “A universidade crítica: o ensino superior na República populista” demonstrou que, de 1945 até 1964, o número de universidades existentes passou de 5 para 37. Evidenciando, assim, a crescente onda de desenvolvimento da Educação pública.

No Brasil, até o fim da década 20, o sistema de Ensino Superior, foi formado por escolas autônomas, voltadas para a formação de profissionais liberais, a pesquisa ficando restrita a outras instituições. A USP foi a primeira Universidade a incorporar a pesquisa ao ensino profissionalizante.

Se durante a década de 60, o ensino público ganhou destaque, contando, inclusive, com a consolidação de programas de pesquisa e pós-graduação, alcançando qualidade comparável a instituições do exterior, com o Golpe Civil-Militar de 1964 e a instauração do Regime Ditatorial Militar no Brasil (1964–1985), as universidades sofreram um grande retrocesso.

Os espaços de educação pública eram vistos como espaços de reunião subversiva e, assim, foram reprimidos pelas forças militares. Docentes eram presos, discentes eram expulsos e os investimentos na Educação Pública diminuíram, principalmente após a crise financeira da década de 70.

Foto por Beatriz Toledo | Ato do dia 15 de maio em Bauru.

Com o fortalecimento do discurso liberal, a Educação Privada ganhou espaço no país. No fim da década de 70, o setor privado representava 62,3% das matrículas no ensino superior. E, assim, iniciou-se o fenômeno que Andrea Bottoni, Edélcio Sardano e Galileu Filho, em “Uma Breve História da Universidade no Brasil: de Dom João a Lula e os desafios atuais” (2013), chamam de desmonte da universidade pública, apontando-o como o principal expoente do enfraquecimento da educação pública frente ao crescimento do ensino privado:

“A pesquisa passou a ser direcionada para o setor produtivo sob encomenda das empresas. Os modelos universitários deveriam primar por sua qualidade de ensino, pesquisa e extensão.”

Os governos pós-ditatoriais, em destaque os de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, foram caracterizados pela falta de investimento estatais nas pesquisas científicas e pelo abandono do Ensino Superior público. Seguiu-se, nesses regimes, a lógica liberalista de abertura do mercado de educação superior ao capitalismo.

Foto por Beatriz Toledo | Ato do dia 15 de maio em Bauru.

Até mesmo no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, conhecido por suas políticas voltadas à Educação e a inauguração de novas instituições de ensino superior público federal, houve contribuição com a política privatista vigente até então. Por exemplo, regulamentou-se a Educação a Distância (EAD) e, também, criou-se o Programa Universidade para Todos (ProUni).

Atualmente, segundo o último Censo da Educação Superior (2017), liberado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação (MEC), apenas 12,1% das Instituições de Ensino Superior são públicas (desses, 4,5% respondem à esfera federal, 5,1% à estadual e 2,5% à municipal).

O mesmo levantamento mostra que a esfera pública apresenta, somente, maior número de instituições do que a iniciativa privada no caso de Universidades — que se diferenciam das Faculdades pela contemplação de maior amplitude dos eixos científicos, diversificando as naturezas de produção acadêmica, com cursos das diferentes Ciências -, Institutos Federais (IFs) e Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs).

Como funciona a Universidade Pública?

Ainda na Constituição Federal de 1988, no Capítulo III, Seção I, Artigo 207, está declarado: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

Nesse sentido, Maria Helena Silva Costa Sleutjes, em “Refletindo sobre os três pilares de sustentação das universidades” (1999), sobre o funcionamento das universidades públicas, determina que elas têm como base três eixos centrais, os mesmos citados na Carta Magna: o ensino, a pesquisa e a extensão.

Foto por Beatriz Toledo | Ato do dia 30 de maio em Bauru | A “Biblioteca Falada” é um projeto de extensão da FAAC-UNESP.

O ensino corresponde à integralização do curso regulamentado no MEC, seja do programa de graduação ou de pós-graduação. Isso é, o cumprimento do currículo: as horas de aula, trabalho e estágio obrigatórias, complementares, optativas e eletivas.

A pesquisa, segundo Sleutjes (1999), é um produto natural do amadurecimento científico-sociocultural do ensino. É o aprofundamento do conhecimento já existente, buscando-se, nesse sentido, soluções, investigações e descobertas acerca de uma temática ou área. Ela é realizada a partir de Iniciações Científicas (ICs) na graduação e projetos de programas de titulação acadêmica de pós-graduação, o Mestrado, o Doutorado, entre outros.

Foto por Giovana Silvestri | Ato do dia 30 de maio em Bauru | Os projetos de extensão da UNESP de Bauru se mobilizaram com cartazes para mostrar seus trabalhos no protesto em frente à Câmara Municipal

A extensão contempla a função social das Universidades públicas para com a população. Ela, a partir de atividades de organizações e projetos de colaboração de discentes, docentes e servidores, une o ensino e a pesquisa produzidos nas Universidades e reverte esse conhecimento à comunidade geral, isso é, para além dos limites do campus.

A pesquisa científica

Variando, normalmente, de um — no caso de ICs, por exemplo — a cinco anos — em projetos que envolvam pesquisadores de maior titulação acadêmica -, as pesquisas demandam recursos e investimentos diversos. A produção científica é metódica, empírica e extremamente burocrática, e, assim, exige do pesquisador tempo e dedicação exclusivos.

Na produção de pesquisas, para além da vasta bibliografia que o pesquisador terá que utilizar — isso é, ler, fichar e relacionar à temática pesquisada -, também é necessário realizarem-se estudos por meio de mecanismos e ferramentas investigativos, como estudos de campo, entrevistas, levantamento de dados, entre muitos outros. Assim, o pesquisador precisa, integralmente, dedicar-se à sua pesquisa, abdicando-se, muitas vezes, de outras atividades, como um emprego remunerado.

Para tanto, faz-se necessário, para a viabilidade destas pesquisas, bolsas de estudo que provenham ao pesquisador os recursos financeiros para a sua produção. Essas bolsas são benefícios cedidos por instituições e órgão públicos estaduais e federais, tais como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível (CAPES), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Foto por Beatriz Toledo | Ato do dia 15 de maio em Bauru | O caixão no protesto faz alusão à “morte” da Educação

Os processos para a obtenção dessas bolsas, porém, é muito exigente e a quantidade numérica de benefícios disponíveis é limitada, havendo grande concorrência. Assim, na seleção dos beneficiados, muitos não conseguem as bolsas de estudo e acabam adiando, ou mesmo desistindo, de seus projetos de pesquisa.

Mesmo aqueles contemplados pela bolsa ainda sofrem com o seu pouco valor monetário, sendo, no caso de uma IC, cerca de 40,1% do valor de um salário mínimo no ano de 2019 (R$ 998,00), uma mensalidade de R$ 400,00 (dado extraído do CNPq). Um valor que não consegue atender integralmente a todas as demandas básicas de um estudante.

Esse valor de benefício aumenta conforme o nível de instrução do pesquisador. Segundo dados, também do CNPq, no programa de Mestrado o valor da bolsa sobe para R$ 1.500,00 e no de Doutorado para R$ 2.200,00, aumentando, ainda mais, nos programas de Pós-Doutorado, variando, normalmente, entre R$ 4.100,00 e R$ 7.000,00.

Apesar de maiores valores monetários, esse financiamento ainda é conflitante com as demandas da pesquisa científica, dado que, quanto mais específico é o projeto nos mais altos níveis acadêmicos, mais são exigidos recursos — para transporte e materiais de acesso limitado, indisponíveis nos ambientes digitais, por exemplo.

Foto por Giovana Silvestri | Ato do dia 30 de maio em Bauru.

A maioria dos pesquisadores, hoje, atua como professor dentro das Universidades. Eles são majoritariamente titulados Doutores com, alguns, Pós-Doutorados. Envolvem-se e desenvolvem, com o auxílio de outros professores-pesquisadores e aparatos das Universidades — sobretudo, públicas -, projetos diversos dentro da Academia, atuando como orientadores e tutores de atividades de pesquisa e extensão, além de produzir novas pesquisas pessoais, dentro de suas áreas de conhecimento.

Atualmente, no Brasil, as Universidades Públicas são as maiores produtoras de artigos científicos publicados, mais de 95% deles, segundo o levantamento da Clarivate Analytics de documentos na Web of Science — serviço de indexação de citações científicas com base em assinaturas online — de 2011 a 2016, encomendado pela CAPES e publicado em 2017.

A Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), as três estaduais de São Paulo, são as principais produtoras desse material, aparecendo no topo do ranking.

A extensão universitária

Respondendo, normalmente, a uma ou mais Faculdades de dentro da Universidade, os projetos de extensão tem como responsável um docente efetivo que administra seu funcionamento e as suas atividades, visando a manutenção de sua função social. Eles recebem verba da Universidade e ganham a disponibilidade de fazer uso dos recursos materiais e humanos dos câmpus. Todos os projetos de extensão têm como elementos norteadores cinco pontos:

  1. Indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão: aplicação daquilo que é pesquisado e estudado dentro dos espaços acadêmicos aos projetos, retransmitindo-os à população;
  2. Impacto e Transformação: o material transmitido às pessoas deve fazer sentido às suas realidades, conversar com suas vivências, atender às suas necessidades e causar impacto na forma como vivenciam o seu redor;
  3. Interdisciplinaridade e Interprofissionalidade: proposição de diferentes metodologias e disciplinas das áreas do conhecimento no desenvolvimento do projeto;
  4. Interação Dialógica: o projeto deve ser planejado e executado de maneira ética, respeitando-se o diálogo entre a Universidade e a população;
  5. Impacto na Formação do Estudante: deve-se por meio desses projetos propor reflexões e atividades que acrescentem à formação dos universitários envolvidos.
Foto por Beatriz Toledo | Ato do dia 30 de maio em Bauru.

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