As faces ocultas da gravidez

A romantização do papel materno é alta, isso é realmente benéfico?

Revista Torta
revistatorta
8 min readMay 31, 2019

--

Por Cezar Augusto (Beto)

Editado por Arthur Almeida, Giovana Silvestri e Rafael Junker

Foto Por Vinicios Rosa | Modelo Deborah Ogusko

Não é de hoje que a maternidade é questionada por mulheres de diferentes idades e nacionalidades. Desde os processos de reconhecimento da gravidez, gestação, parto e do pós-parto, há uma grande romantização em cima da maternidade e como a mulher é colocada no papel de mãe.

Este texto apresenta estudos e questões sobre a desmistificação da gravidez, seus processos e, em seguida, uma entrevista com Deborah Ogusko, professora de filosofia e mãe aos 28 anos, que comenta sobre as desmistificações que passou na gravidez.

“Papel Maternal”

A maternidade como é conhecida vem de um papel patriarcal. O macho por ser mais “forte” fisicamente deve sair para caçar e trazer alimento para sua prole. Enquanto a fêmea deve desempenhar um papel de cuidar do interno, o que inclui serviços de casa, segurança e cuidado dos filhos. Esse modelo como o seu próprio nome diz, refere-se a um sistema social em que homens posicionam-se como líderes, exercendo a autoridade e o controle.

Com o passar do tempo, a mulher se insere no mercado de trabalho, majoritariamente no período de entreguerras, em que os maridos saíam para guerra e elas ficavam responsáveis pelo trabalho nas fábricas. Essa evolução não foi de todo boa, pois com o novo ofício veio o fenômeno que chamamos de dupla jornada de trabalho.

Esse fato consiste no equilíbrio de sua vida profissional, encarando o machismo dentro da empresa e, em alguns casos, o assédio de seus superiores, com a vida pessoal, englobando o cuidado da casa e dos filhos. Por sua vez, o homem detém um único papel: trazer o sustento, podendo descansar ao chegar em casa.

Assim, fica para mulher o papel de cuidar integralmente do filho, tendo que carregar toda a responsabilidade da criação. Esse dever começa bem antes do nascimento, pois a mãe passa por estigmas antes de realmente engravidar.

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Deborah Ogusko

“O processo”

Ao saber da gravidez, as decisões são pautadas não só em sua vida, mas também no que a família, o parceiro e os terceiros vão achar, sendo sujeita a diversos tipos de julgamentos e situações. Por exemplo, a negação paterna, a não aceitação dos familiares e, até mesmo, o sentimento de despreparo para a maternidade.

Deborah Ogusko, professora de filosofia, mãe aos 28 anos de uma gravidez inesperada comenta: “Eu nunca me senti pronta pra esse papel, nunca me vi como mãe, não era um objetivo de vida. Quando aconteceu eu tive que ressignificar muitas coisas como o trabalho, o casamento e a própria maternidade”.

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Deborah Ogusko

Todas as situações vão depender não só do círculo familiar, mas também da etnia e da classe social da mulher. As condições financeiras e psicológicas implicam na gestação. De acordo com Anna Cunha, oficial do programa para juventude do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), a incidência de gravidez na adolescência é mais frequente entre mulheres de grupos de maior vulnerabilidade social.

A ideia de assumir e aceitar a gestação para a mulher é um ato obrigatório, enquanto para o pai é uma escolha. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011, apontam que há 5,5 milhões de crianças brasileiras estão sem o nome do pai na certidão de nascimento. Nesses casos, a mãe depende inteiramente de sua família e de si para estruturar as condições financeiras e psicológicas.

No processo de gestação, além dos efeitos no corpo, que se modifica para a adaptação do feto, outros fatores implicam no processo. A sociedade impõe um estigma: a mãe deve estar feliz por estar gerando uma criança. As condições não são as mesmas para todas, o corpo lida de formas diferentes no período de gestação.

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Magno

As pessoas se afastam quando você tem filhos, a solidão da gestação se tornou a solidão materna. Ninguém quer ver como a mãe está, todos querem ver a criança, e depois de um tempo, as visitas param”, relatou Ogusko.

Há uma romantização que invisibiliza todo o impacto que a gestação tem no corpo, tanto em níveis físicos quanto emocionais e psicológicos. Doenças como ansiedade e depressão são bem presentes no período de pré e pós-parto, o que pode causar complicações na formação do feto.

“Descobrimos que os bebês gerados pelas mães sem sinais depressivos cresciam em um ritmo mais rápido do que os filhos das gestantes que apresentavam quadro de depressão”, explica Hanan El Marroun, líder de uma pesquisa para o site Bebê.com.br.

No processo de gestação muitas mães querem o parto normal. Entretanto, muitas têm passado por negações e induções à cesariana, que muitas vezes, não se faz necessário. O Brasil é o segundo país que mais faz cesáreas no mundo, ultrapassando os níveis permitidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Após o parto, que pode ser uma experiência satisfatória ou não, a mãe encontra outro obstáculo. Recebendo a licença maternidade, que consiste em 120 dias de afastamento para se recuperar do parto e cuidar do filho e de si própria, se a mãe não tiver o auxílio de familiares que estejam por perto ela é encarregada de cuidar sozinha de todos os afazeres da casa, do filho e ainda por cima de sua autorecuperação.

O pai, se estiver presente, recebe 5 dias de afastamento para ajudar a mãe dentro de casa, porém, passado esse prazo, deve voltar a trabalhar, deixando a mãe sozinha com os afazeres da casa.

E agora?

Após todo o processo de gestação e pós-parto, fica a cargo majoritariamente da mãe cuidar do filho. Sozinha nesse processo, ela pode desenvolver problemas psicológicos como o “Burn out materno”. Esse fenômeno consiste na exaustão da mãe nos papeis de casa, tanto psicológico quanto físico.

Diante disso, a romantização da maternidade pode ser algo tóxico, prejudicando a vida da mulher com os papéis impostos de como se portar e, muitas vezes, aguentar sozinha a maternidade, se comparando diariamente a um estereótipo como se fosse uma “Supermãe”, o que pode levar a futuras complicações que podem afetar sua saúde.

Entrevista completa com a professora de Filosofia Deborah Ogusko

Foto por Vinicios Rosa | Modelos Deborah Ogusko e Magno

Como a gravidez ocorreu na sua vida? Ela foi planejada? Se não, como ficou sabendo e qual foi o sentimento?

Eu tinha 28 anos, estava morando junto a 6 anos já. Não foi planejado, mas eu fiquei 4 anos sem anticoncepcional por conta de uma complicação no ovário, na época até brincávamos que tínhamos problema de fertilidade.

Ele quem desconfiou primeiro, fiz o teste para tirar isso da cabeça dele, mas deu positivo. Fiquei nervosa, mas não foi um nervoso desagradável, foi uma ansiedade por não saber o que me esperava.

Quais foram os métodos contraceptivos que foram usados? Se foi por anticoncepcionais, causou alguma mudança em seu corpo positivamente ou negativamente?

Não usávamos anticoncepcional na época, só tabelinha mesmo. Mas usei anticoncepcional desde os 15 anos, meu ovário inchou muito e tive dores, parei de usar 4 anos antes da primeira gravidez.

Em primeiro momento, qual foi o sentimento e, posteriormente, como foi a estruturação do processo de gestação?

Como disse foi uma ansiedade, tive medo, mas acredito que tenha sido algo normal. Depois do primeiro trimestre eu tive um “baby blues” [depressão durante a gestação] leve.

Eu me sentia muito sozinha, foi um processo difícil de lidar, principalmente porque as pessoas falavam muito na minha cabeça sobre tudo e isso me deixava muito incomodada, acabei me fechando.

Foto por Vinicios Rosa | Modelo Deborah Ogusko

Na época você estava emocional, psico e financeiramente estruturada?

Eu nunca me senti pronta pra esse papel, nunca me vi como mãe, não era um objetivo de vida. Quando aconteceu eu tive que ressignificar muitas coisas, e muito do que não estava bem resolvido veio à tona. Ninguém te prepara pra isso, você tem que achar o caminho meio que sozinha, é complicado.

Houve algum tipo de ajuda por parte de seus familiares? Eles aceitaram? Qual foi a reação dos mesmos?

Meu filho é a única criança da família por parte dos dois lados. As pessoas se encantarem com a ideia, mas ajuda mesmo veio muito recentemente, por parte da minha irmã, que assumiu muito o papel de tia.

Mas, no geral todo o trabalho doméstico, educacional e de cuidados ficou sob minha responsabilidade. Isso foi um peso muito grande no início, hoje ainda é pesado, mas eu me acostumei. Vez ou outra meus pais ajudam simbolicamente com alguma coisa pra ele, mas 99% do tempo estamos sozinhos [eu e meu filho] contra o mundo.

Foto por Vincios Rosa | Modelos Deborah Ogusko e Magno

Em um contexto geral, como foi o pós-parto e se houve ajuda por parte do governo? Houve complicações na gestação e no pós-parto?

Fiz meu parto pelo SUS, depois tive uma orientação excelente sobre e durante amamentação do banco de leite, recomendo muito os profissionais de lá. Mas, foi isso que o governo proporcionou e só. No tive nenhuma complicação. O meu próximo filho terei na maternidade do SUS novamente.

Você foi orientada com os contraceptivos e teve algum auxílio emocional?

Anticoncepcionais após a gravidez, mas não fiz uso porque eu queria pôr o DIU e meu marido é contra. Como eu ainda amamento e tive problema com hormônio esse estava fora de cogitação pra mim. E a verdade é que bebês demandam muito trabalho e demoramos para voltar à vida sexual. Quando fazíamos usávamos a tabelinha e os velhos artifícios, até porque queríamos outro bebê próximo. Sobre ajuda psicológica: não contava com a paciência do esposo. As pessoas se afastam quando você tem filhos, a solidão da gestação se tornou a solidão materna. A situação amenizou quando entrei em um grupo de mães no FB e voltei ao trabalho

Você acredita que a gravidez não planejada trouxe complicações para sua vida profissional? Quais?

Não vou dizer que a gravidez trouxe complicações, mas o sistema não é feito por mães nem para as crianças e a gente só toma consciência disso quando tá com o filho nos braços.

Existe muito preconceito com as mulheres e ele é mais forte contra as mães, se for pobre então é ainda mais pesado. Mas, óbvio que eu enfrento desafios por ter filhos, as pessoas acham que eu sou apenas mãe ou apenas profissional, dá trabalho.

Depois que você tem um filho você tem que ser a melhor funcionária para manter o emprego, ou acaba entrando na estatística das 51% que são mandadas embora.

Foto por Vincios Rosa | Modelo Magno

--

--

Revista Torta
revistatorta

Divulgando informações. Projeto de revista digital com contextualização e difusão acadêmico-científica. Faça parte da Torta!