Lugar de mulher é onde ela quiser

A pouca presença das mulheres na política e a entrevista com a única vereadora de Ibitinga

Revista Torta
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8 min readMay 31, 2019

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Por João Vitor Custódio

Editado por Arthur Almeida, Giovana Silvestri e Rafael Junker

Nas cidades da Grécia Antiga (as chamadas “polis”), como Atenas, apenas os homens eram considerados cidadãos. Acreditava-se que as mulheres haviam sido criadas pelos “Deuses” para servirem aos homens.

Elas eram responsáveis pela geração, criação e amamentação das crianças, bem como pelos trabalhos domésticos, que não exigiam a reflexão filosófica — afinal, apenas os homens podiam adentrar nos campos da Filosofia.

Elas também não podiam receber educação intelectual e sequer tinham direitos sobre a própria vida, já que até mesmo na hora do casamento eram obrigadas a casar-se com os homens escolhidos.

Chico Buarque de Holanda escreveu “Mulheres de Atenas” no ano de 1976. Essa canção explicita muito bem o papel que a mulher tinha dentro da sociedade grega:

“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas

Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas

Elas não têm gosto ou vontade

Nem defeito nem qualidade

Têm medo apenas”

Fonte: YOUTUBE

Os anos passaram, mas o papel da mulher sempre ficou abaixo de toda a sociedade patriarcal pautada no machismo. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão pela Assembléia Nacional Francesa em 1789 não incluía os direitos da figura feminina.

No século XVIII, surgiram os movimentos sufragistas, os quais buscavam o direito ao voto das mulheres, que, conscientes de sua igualdade aos homens, passaram a reivindicar aquilo que lhes pertencia. A escritora Mary Wollstonecraft (1757–1797) foi a pioneira da defesa do voto feminino e publicou diversos manifestos a partir de 1792.

O primeiro país a aderir aos votos femininos foi a Nova Zelândia, em 1883. Os Estados Unidos seguiram os passos e, em 1920, também reconheceram os direitos das mulheres — no Brasil, esse direito foi reconhecido 12 anos mais tarde, em 1932, durante o Governo Vargas.

Ainda que as mulheres tenham conseguido o direito aos votos, o índice da participação feminina na política ainda é baixo comparado ao dos homens. No Brasil, atualmente, das 81 cadeiras do Senado Federal, apenas 12 são ocupadas por mulheres — em um país onde aproximadamente 52% do eleitorado é feminino.

Boa parte disso ocorre porque os partidos, por lei, devem registrar, no mínimo, 30% de mulheres durante o período de candidatura. Nas Eleições de 2018, por exemplo, 37 coligações foram contestadas por não atingirem esse número. Sem contar todos os obstáculos, como assédios, pelos quais elas estão vulneráveis a passar caso sigam carreira política.

Outro fator que indica o baixo número de mulheres nessa área é o pensamento machista de que “política é um assunto para homens”, vigente na sociedade brasileira há décadas. Durante os anos 30, surgiram as “blusas-verdes”, um grupo de mulheres que defendia as bases conservadoras do Estado:

“Apesar de formular um discurso de “revolução” reforçava as bases tradicionais e conservadora de uma sociedade patriarcal-machista, onde a presença feminina poderia ser incorporada politicamente, desde que se mantivesse as idéias basilares da constituição familiar, do sentimento cristão, sem esquecer nunca de sua condição de mãe, esposa, filha”, citação extraída do artigo “As blusas verdes e as marchadeiras. Movimentos de mulheres e participação política nos anos 30 e 60” de Lídia M.V. Possas.

Apesar de tudo, as mulheres não deixam de buscar seus direitos. No ano passado, durante a campanha eleitoral, um grupo no Facebook chamado “Mulheres contra Bolsonaro”, criado contra o até então candidato Jair Bolsonaro (devido às frases misóginas que feriam ética e moralmente as mulheres), foi responsável pelo “Movimento Ele Não”.

No dia 29 de setembro de 2018, grupos de manifestantes saíram pelas ruas do Brasil (e de outros 50 países) marchando contra Bolsonaro. A campanha ganhou destaque nas redes sociais, sendo divulgada por meio da tag #Elenão.

O Brasil ganhou muita visibilidade quando elegeu sua primeira presidente(a), Dilma Rousseff, em 2011. Mesmo assim, ela só foi eleita após 35 presidentes homens, mostrando o quão dura é a realidade da política brasileira em relação às mulheres.

Alliny Fernanda Sartori Padalino Rogério, 33, é graduada em Relações Públicas pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, possui pós-graduação em Marketing Político pela Universidade de São Paulo (USP) e é especializada em Comunicação Estratégica pela Universidade da Flórida.

Atualmente, exerce o cargo de vereadora no município de Ibitinga (365Km de São Paulo). Em entrevista, Sartori abrange o tema “mulheres na política”, dando suas opiniões sobre o atual cenário político brasileiro e o que espera para o futuro.

Uma pesquisa desenvolvida pelo IBGE em 2017 apontou que 51,6% da população brasileira é composta por mulheres, porém, a porcentagem de mulheres brasileiras com cargos políticos é muito baixa (no Senado elas ocupam apenas 15%), ainda mais por apenas 30% dos repasses das campanhas de cada partido serem destinados às candidaturas femininas. Como você enxerga isso?

O Brasil ocupa atualmente uma baixíssima posição no ranking mundial de presença feminina no parlamento — cerca de 10%. Conforme os estudos, só conseguiremos alcançar a igualdade de gênero no Parlamento Federal em 2080. Enfrentamos aproximadamente 30 anos de atrasado, porque até hoje não alcançamos a média mundial de 12,7% de representantes femininas no Parlamento.

Na comparação, o Brasil se aproxima dos países do Oriente Médio, do norte da África e dos países árabes.

Para o cargo de vereador na última eleição realizada em 2016, as mulheres somaram 153.314 candidatas em todo o país, sendo que desse total apenas 7.824 foram eleitas — parcela equivalente a 14% do total. Algumas formas de incentivo favorecem a inclusão da mulher na política e na ocupação dos espaços de poder: a Lei de Cotas foi pensada como um instrumento para aumentar o número de eleitas para os cargos públicos.

Podemos pensar nas cotas como uma medida afirmativa de reserva de espaço e agora também de recursos para a promoção das eleições. A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em garantir 30% dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda gratuita para mulheres de partidos alterou a interpretação da Lei de Cotas.

Foram medidas importantes porque incluem recursos necessários para aumentar a nossa competitividade, mas, particularmente, enxergo que ainda não são suficientes para contrapor tamanhas injustiças presentes no gênero.

Você já passou por alguma situação delicada por ser mulher e estar atuando como vereadora? Sentiu-se intimidada?

Sim, inúmeras vezes, principalmente em votações de projetos de lei que visam interesses econômicos, pessoais e políticos. O afastamento, a marginalização, e principalmente a precarização da participação feminina — caracterizo até como uma violência — faz com que essas situações denominadas “delicadas” sejam constantes.

Não poderia deixar de testemunhar e dizer que há de uma forma muito discreta nos bastidores políticos certo incentivo para afetação emocional que causa em nós mulheres intimidação, ódio e desequilíbrio, principalmente para aquelas que não possuem histórico político familiar, que é o meu caso.

Assim, podem nos julgar descontroladas e incapazes, pois os custos emocionais para a participação efetiva das mulheres na política é muito alto. E temos que levar em consideração todas as desilusões.

Você já tentou outros cargos? Como foi a experiência?

Sim, tentei outros cargos. Em 2014, tentei o cargo de deputada federal, depois, em 2016, fui eleita vereadora — função que eu ocupo até o momento — e no ano passado fui candidata novamente a deputada federal e cada eleição, cada disputa eleitoral, é uma experiência única.

Confesso que as questões e as leis eleitorais e a reforma política acabam impactando diretamente nas decisões de todas as estratégias de uma campanha. Então, eu sou a pessoa que cuida pessoalmente de todos os detalhes da minha campanha eleitoral, desde as propostas, as estratégias, as visitas, as fotos, as artes de mídia social e o público.

É por isso que, às vezes, eu sinto tanta dificuldade. As experiências são inesquecíveis, com muito trabalho e cansaço, com momentos estressantes — porque você tem que obter o maior número de resultados e alcançar um maior número de pessoas num espaço de tempo determinado.

Nossa sociedade ainda é muito machista. Com o recém-presidente eleito, muitas pautas foram levantadas. Qual a sua posição em relação aos discursos que ele (presidente) propagou durante boa parte de sua vida, os quais desmerecem as mulheres?

A postura do presidente eleito, Jair Bolsonaro, em relação ao desmerecimento feminino, ficou evidente em vários momentos da sua atuação enquanto político, mas principalmente durante toda a corrida eleitoral.

Ele incita violência num dos países mais violentos do mundo; incita o preconceito contra as mulheres em um dos países mais machistas do mundo.

Bolsonaro não dialoga apenas com a Ditadura Civil-Militar, que governou o país de 1964 a 1985, mas com muitas outras forças autoritárias. No seu governo, não há espaço para minorias raciais e de gênero, justamente as parcelas mais frágeis da população.

Algumas eleitoras, infelizmente, justificaram o voto afirmando que este era só o “jeitão” dele, que na verdade, seria um defensor das mulheres e “botaria ordem na casa”. Neste caso, o machismo importou muito pouco para essas mulheres que votaram nele.

Ele se elegeu sem levantar pautas específicas para nós mulheres em seu programa de governo. A bancada feminina eleita da Câmara tem tido um diálogo respeitoso. São muitas as diferenças políticas partidárias, mas acredito que elas estão com um compromisso comum de defesa das mulheres na política e de enfrentamento do machismo nesta área.

Dos dez vereadores de Ibitinga em exercício, você é a única mulher. Nós já ganhamos um bom destaque por elegermos uma prefeita, mas a Câmara carece de representantes mulheres. Você acha que esse número tende a aumentar nos próximos anos?

Acredito que não, infelizmente — visto que o surgimento de lideranças femininas na sociedade também é restrita. Há um processo muito longo, inclusive com investimentos financeiros e também físicos, para conquistar uma vaga no poder Legislativo e no Executivo.

A disputa eleitoral é acirrada, dentro dos partidos políticos, maiores recursos sempre são descarregados nos chamados “puxadores de votos”, que na maioria das vezes são homens. Precisamos construir um futuro de igualdade plena de gêneros: homens e mulheres juntos, lado a lado.

Além disso, a dedicação nos meses que antecedem o período eleitoral é intensa, e muitas vezes as mulheres não conseguem essa dedicação necessária para ganhar nas urnas.

O fato do eleitorado feminino não depositar o voto em outras mulheres também está ligado a uma questão de competitividade: o eleitor brasileiro ainda quer votar em quem tem mais chances de vitória.

Nem sempre as questões ideológicas influenciam nas eleições municipais de uma cidade de médio porte, mas a situação só vai mudar quando todo mundo se mobilizar e se conscientizar que sim, este é um problema de todos nós: porque lugar de mulher não é na cozinha ou no tanque de lavar roupas, lugar de mulher é onde nós queremos estar, inclusive na política!

Foto: Reprodução | A entrevistada Alliny Fernanda Sartori Padalino Rogério

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