O contexto sócio-histórico brasileiro LGBT

A Homocidadania e a LGBT cidadania em tempos de neoliberalismo artigo de Bruna Andrade Irineu

Revista Torta
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7 min readMar 22, 2019

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Por Giovana Silvestri

Modelo Rafael Nerrera

Para esclarecer o leitor a respeito da importância e da urgência sobre a criminalização, abordaremos as questões sociais e históricas da comunidade LGBT brasileira, um texto pautado no artigo de Bruna Andrade Irineu.

O artigo foi publicado por uma graduada em serviço social (UFMG), especialista em Políticas de Segurança Pública e Direitos Humanos (UFMG), mestre em Sociologia pela (UFG) e doutora em Serviço Social (UFRJ).

“Ao tratar sobre as lutas e as demandas por cidadania e direitos humanos desta população [LGBT] torna-se necessário refletir sobre democracia e justiça no contexto brasileiro”, Bruna enuncia sua proposta no começo do artigo. Em resumo, o que é a democracia e o que é justiça para a comunidade LGBT?

Primeiro, comparemos os contextos sociais e culturais de uma pessoa da comunidade e outra que não pertence a ela. Temos, no plano da sociologia, um modelo familiar que delineou padrões tanto de masculinidade (configura a semente do machismo) quanto de heterossexualidade (semente da homofobia). Podemos dizer que outro padrão também é explorado, o de gênero (semente da transfobia).

Esse modelo imposto e presente na sociedade brasileira fomenta fobias e preconceitos para com a comunidade, por isso (e também devido a outras questões), somos classificados como o país que mais mata LGBT no mundo, segundo a ONG europeia, Transgender Europe (TGEu).

Outros dados como, a pesquisa feita pela ONG Grupo Gay da Bahia (GGB), a cada 20 horas um(a) LGBT morre no Brasil devido seu gênero e/ou orientação sexual. O grupo também registrou um aumento de 30% nas mortes de LGBTs em 2017 em relação a 2016.

Modelo Giovanne Ramos no muro feito para Marielle Franco na UNESP Bauru

Então, podemos discutir e afirmar que há uma diferença de cidadania e cidadania LGBT? Sim, pois, na definição crua de cidadania “é a prática dos direitos e deveres de um indivíduo em um Estado. Os direitos e deveres de um cidadão devem andar sempre juntos, uma vez que o direito de um cidadão implica necessariamente numa obrigação de outro cidadão.” segundo o WIKIPÉDIA.

Será que a comunidade possui os mesmo direitos de liberdade e segurança que qualquer outra pessoa fora dela?

Podemos afirmar que, no Brasil, garantir os direitos de todos os cidadãos para zelar sua cidadania é um desafio, se analisarmos a proposta da pirâmide de direitos de Marshall, estudada e exposta no artigo de Bruna.

A cidadania é composta, segundo Thomas Humphrey Marshall, por três pilares do direito que, segundo o autor, foram construídos na Europa em uma pirâmide que, assegura de forma mais eficiente a cidadania da nação.

Primeiro, os Direitos Civis, depois os Direitos Políticos e, por base, os Direitos Sociais. Isso se deve a história da formação civil da sociedade e dos Estados europeus. Em outro plano, os direitos no Brasil podem ser ditos como invertidos, devido a colonização, a ditadura e uma tardia república e democracia.

A pirâmide dos direitos brasileira é formada primeiro pelos Direitos Sociais, por estar na ponta, é o mais “acessível” a todos. Em segundo, os Direitos Políticos, fortificados apenas após o fim da ditadura de 64. Por último, e não menos importante, a problemática, os Direitos Civis, a base dos direitos no Brasil, considerados os mais inacessível à maioria da população, segundo Bruna.

Se comparamos, os Direitos Sociais são a base da pirâmide de Marshall, primeiro a se formar na sociedade, e sua ponta, o mais acessível, são os Direitos Civis, construídos a partir dos outros dois direitos. Em nosso caso, isso é invertido, primeiro se forma os direitos civis, atribuídos a uma classe restrita da sociedade: autocratas, políticos ou, atualmente, que seguem os padrões familiares que apresentam padrões de sexualidade, gênero e masculinidade.

Logo, esses direitos compõem, juntos, as relações de privilégio, afinal, quem tem acesso e voz durante as práticas sociais? Políticas? Econômicas? Sabemos que, devido ao preconceito social e à hierarquização dos direitos no Brasil, não são todos da nação que podem e têm acesso a essas práticas, por falta de representatividade nos âmbitos e ausência de uma cidadania plena para a comunidade.

Cidadania plena?

“Quando o regime da heterossexualidade atua demarcando direitos, a cidadania se vê limitada” — Curiel, Ochy (2012). Portanto, se a população LGBT não têm assegurados os seus direitos e sua segurança na sociedade, a sua cidadania se difere das demais.

Segundo Bruna, a comunidade possui uma cidadania parcial, ou “cidadania de consolo”, nomeado por João Manuel Oliveira, apresentado no artigo, a medida que compete para ter os mesmos direitos plenos de alguém que segue o padrão familiar comentado.

Há, portanto, movimentos sociais que buscam, nos moldes da democracia, garantir esses direitos humanos para a comunidade, como foi o caso do registro de casamento civil entre pessoas de mesmo sexo, conquistado em 2013.

A questão da adoção, por homoafetivos, é outra questão presente, discutindo-se a existência de prejuízos para o adotado por casais LGBT, mesmo que na lei não haja impedimentos ilegais para isso, a sociedade ainda mantém seu padrão familiar que fomenta preconceitos.

“Ter direitos é ter poder”, frase da filósofa brasileira, Marilena Chaui (2007). Quem tem o poder sobre as práticas de liberdade de expressão de gênero, de sexualdiade, e até de família (como é abordado na adoção)? “Poder”, por definição crua, é “ter a faculdade ou a possibilidade de.”, segundo o WIKIPÉDIA, (entre outras definições).

Por que Poder?

A cidadania começou na Grécia Antiga e, para Bruna, a cidadania plena ou concreta, presente hoje na sociedade, segue resquícios de classes e padrões gregos. A cidadania é para todos, a completa para alguns, e esse alguns seguem padrões históricos que incluem, não apenas a sexualidade e gênero, mas etnia e classe social e, ouso dizer (sem estudo prévio), nacionalidade.

Por exemplo, sociologicamente falando, quem possui plena ação de seus deveres e direitos na sociedade pós moderna são os homens, brancos, héteros, cisgêneros e classe média. Ouso dizer mais, em escala global, além desses padrões familiares, alguns de nacionalidade como o europeu e estadunidense.

Nascer possuindo todos os direitos e não precisa conquistá-los na sociedade é um privilégio. Por isso, chamamos de “privilegiados” aqueles que nasceram dentro dos padrões familiares (e até de nacionalidade).

Modelo Rafael Nerrera

Os Direitos Humanos tem o berço na Revolução Francesa, que não foge dos padrões, não abraçando toda a sociedade. A revolução foi feita por burgueses, em sua maioria, exigindo os direitos e as mudanças para os homens, europeus e comerciantes.

Foi, apenas na Declaração dos Direitos Humanos da ONU em 1948, que os direitos reprodutivos e sexuais passam a ser considerados essenciais. Isso ocorreu, por conta dos movimentos feministas. Mesmo não sendo intencional, o direito sexual foi garantido para a população LGBT.

“Intervenções e posições governantes, em relação aos direitos da população LGBT devem, ser compreendidas, como resultantes de processos de hegemonia, (…) ou seja, os envolvidos na luta e os implicados na negociação conquistem e concedem ao mesmo tempo”. Bruna Andrade Irineu.

Segundo a autora, a cidadania LGBT, além de ser conquistada, precisa de uma relação de concessão e conquista, não apenas uma conquista. Um exemplo é a condição da população trans, a medida que possuem um nome social ainda precisam apresentar uma declaração psiquiátrica para (caso queiram) começar uma transição hormonal.

Linha do tempo das pautas por reconhecimento da comunidade LGBT no Brasil

O reconhecimento é uma forma de se conseguir, por meios de quebras dos padrões familiares, uma naturalização da comunidade na sociedade e, assim, uma conquista de direitos e uma posição social igualitária.

  1. 1983. Início do movimento LGBT organizado no país, com o levante lésbico no Ferro’s Bar, o “Stonewall brasileiro”
  2. 1985. Despatologização da homossexualidade no Brasil, decisão do Conselho Federal de Medicina
  3. 2000. Tentativa de inserção do termo: discriminação por orientação sexual, no artigo quinto da constituição.
  4. 2002. Redesignação sexual do fenótipo masculino para o feminino, autorizado pelo Conselho Federal de Medicina
  5. 2008. Redesignação sexual oferecida pelo SUS (Sistema Único de Saúde)
  6. 2004. Criação do Programa Brasil Sem Homofobia (BSH)
  7. 2006. Projeto de Lei que criminaliza a discriminação às pessoas LGBT
  8. 2009. Criação do Conselho Nacional de Promoção dos Direitos de Cidadania LGBT e uso do nome social no SUS
  9. 2010. Redesignação sexual do fenótipo feminino para o masculino aprovado pelo CFM
  10. 2012. Pedidos à Suprema Corte para criminalização da homofobia em formato de Mandado de Injunção e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
  11. 2013. Registro de casamento civil entre pessoas de mesmo sexo pelo Judiciário e uso do nome social no ENEM (Exame Nacional de Ensino Médio)
  12. 2018. Mudança do nome e do sexo no registro civil pelo STF para transgêneros
  13. 2019. STF começa a votar para enquadrar LGBTFobia em crime de racismo: Edson Fachin (21/2); Alexandre de Morais (21/2); Luís Roberto Barroso (21/2); Celso de Mello (20/2); faltando os votos de 7 ministros, o processo está suspenso, sem data para continuação

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