O espaço da opinião na construção da História
O poderoso véu da opinião pronto para inibir qualquer interpretação crítica da realidade e negar a história
Por Arthur Almeida de Oliveira e Rafael Junker Simões
Editado por Arthur Almeida, Giovana Silvestri e Rafael Junker
A socióloga Maria Victoria Benevides, professora titular aposentada da Universidade de São Paulo (USP), participava, na manhã de uma quarta-feira de fevereiro, do lançamento da Comissão Arns. A comissão recebeu o nome em homenagem ao cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, um expoente no combate à ditadura militar.
A socióloga leu o manifesto de lançamento da comissão e se posicionou de forma marcante quanto à “batalha de narrativas” da ditadura. “Estaremos sempre abertos ao diálogo, mas atentos à verdade histórica, que está mais do que documentada. Queremos preservar o futuro de retrocesso”, disse Benevides.
A “batalha de narrativas” a qual a socióloga se refere, em resumo, é aquela discussão que recentemente ganhou espaço e revela o embate entre aqueles que tratam a ditadura como um governo — construído a partir de um golpe de Estado — de supressão das liberdades civis, marcado por torturas, desaparecimentos e assassinatos de opositores políticos; e aqueles que tratam o período, que se estende de 1964 a 1985, como um contragolpe revolucionário que salvou o país das mãos de um governo “comunista” e merece ser, se não celebrado, no mínimo, homenageado. Esse último grupo também nega ou relativiza as torturas, os desaparecimentos e as mortes ocorridas no período.
Essa “batalha de narrativas” está na esteira de um movimento — político, diga-se de passagem — mais amplo de negacionismo histórico e, entre outras coisas, está relacionada a uma tendência da sociedade contemporânea de relativizar tudo, restringindo as coisas a “questão de opinião”.
Assim, a batalha entre os grupos que defendem que a ditadura foi um golpe e um regime de supressão de liberdades, e os grupos que defendem que foi um movimento revolucionário, ou um contragolpe, resume-se a um embate entre opiniões diferentes. E, no caso, essas opiniões estão ligadas a gostos e fatores pessoais e subjetivos.
Isso nada mais é que uma tentativa de negar a existência de uma verdade, limitando tudo à opinião subjetiva, pessoal e, por consequência, impassível de discussão. Dessa forma, ninguém precisa argumentar para defender seu ponto. Se entre 1964 e 1985 o Brasil passou por um período ditatorial ou por um regime de outro nome mais “brando”, vai da opinião de cada um.
Acontece que a História enquanto ciência — e o mundo — não é construída por narrativas de opinião ou achismos. É preciso argumentar com base em documentos, provas, fontes humanas, outras coisas mais. Bem como é preciso saber interpretar esses mesmos documentos, provas e fontes humanas. Tudo isso para construir um conhecimento histórico rigoroso e crível.
E é justamente o que Maria Victoria Benevides queria dizer com “estaremos sempre abertos ao diálogo, mas atentos à verdade histórica, que está mais do que documentada”. A História precisa de discussões e de revisionismos para se construir, o conhecimento histórico não é estático. No entanto, é preciso que os argumentos daqueles que se opõe ao estabelecido sejam sólidos e fundamentados em verdades históricas, não em opiniões ou achismos.