Rodrigo Gonçalves
6 min readSep 22, 2015

Algumas palavras sobre o show do Queen no Rock in Rio

Assim como a maioria das pessoas da minha faixa etária, quando comecei a gostar de rock, o Queen já havia encerrado a carreira. Mas isso não impediu que a banda continuasse a fazer um sucesso estrondoso e que eu entrasse em contato com o seu vasto catálogo e me tornasse um fã do grupo.

Quando a dupla Brian May e Roger Taylor resolveu retomar as atividades do grupo em 2004 com o cantor Paul Rodgers (Free, Bad Company) no lugar de Freddie Mercury, a atitude foi cercada de grande polêmica. Especialmente após o baixista John Deacon ter se recusado a participar da reunião. Muitos fãs, novos ou velhos, interpretaram a nova turnê como sendo algo para conseguir arrancar mais dinheiro dos fãs.

Mas não era bem assim. Desde sempre, May e Taylor deixaram claro que a intenção era celebrar a carreira do e manter o legado do Queen vivo. As apresentações e as turnês que surgiram nos anos seguintes também serviram para apresentar o trabalho do grupo a milhares de fãs que que não tiveram essa oportunidade quando Freddie estava na ativa. Aliás, o cantor era um grande fã de Paul Rodgers. Freddie, reconhecidamente uma pessoa difícil e exigente, considerava Rodgers um cantor acima da média.

Os anos se passaram, o grupo lançou um álbum com Rodgers, Cosmos Rocks, de 2008, e eventualmente a parceria foi desfeita, porém em termos amigáveis e com promessas de eventuais colaborações futuras. Quando parecia que o Queen estava aposentado de uma vez por todas, o cantor Adam Lambert, revelado no reality show American Idol apareceu na vida da dupla May/Taylor e mais uma vez o Queen retornou à ativa.

Confesso que tal decisão não me agradou, pelo menos em um primeiro momento. Uma coisa é você homenagear Freddie Mercury com um cantor da estripe de Paul Rodgers. Mas colocar um novato relativamente desconhecido para ocupar o posto que um dia foi do maior artista de todos os tempos? Complicado. Mas Lambert encarou o desafio de peito aberto.

Ciente de que nunca poderia chegar ao mesmo nível de Mercury, Lambert procura fazer o seu trabalho da melhor forma possível, tentando imprimir um toque pessoal aos clássicos do Queen. Prova disso é que a banda mudou os arranjos em algumas músicas, como a versão pesadíssima de “Stone Cold Crazy”, mas parecida com o cover gravado pelo Metallica do que com a sua própria versão original, talvez para tentar uma roupagem mais moderna às músicas ou mesmo adequá-las melhor a voz de Adam.

Todo fã do Queen, velho ou novo, sabe da relação especial que a banda tinha com o seu público brasileiro. Em 1981, no auge do seu sucesso, o grupo foi uma dos primeiros grandes nomes do rock internacional a aportar em terras brasileiras, tendo feito apresentações lendárias no estádio do Morumbi. Mas foi em 1985 que o capítulo mais belo dessa história foi escrito. A banda foi convidada e aceitou ser a atração principal de um festival novo, a ser realizado no Rio de Janeiro. O primeiro Rock in Rio contou com uma infinidade de grandes nomes, de vários estilos, como Iron Maiden, AC/DC, Ozzy Osbourne, Yes, Whitesnake, Tina Turner, James Taylor, Rod Stewart e nomes emergentes do cenário nacional como Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho.

Mas é do show do Queen que as pessoas lembram quando pensam no primeiro Rock in Rio. É de Freddie Mercury comandando uma multidão completamente hipnotizada durante “Love of My Life”. No começo do ano veio a notícia que pegou muita gente de surpresa: a nova encarnação do Queen seria headliner da primeira noite da edição de 30 anos do Rock in Rio, do qual pode seguramente ser creditada como uma das grandes colaboradoras para o enorme sucesso e reconhecimento que o festival alcançou nos anos posteriores.

Mais do que isso, era um passo ousado para a dupla Brian May e Roger Taylor, uma vez que as pessoas costumam não reagir bem quando certas tradições são revisitadas. É a tal da memória afetiva em ação. Mais do que o guitarrista e o baterista, quem realmente correu o grande risco foi Adam Lambert. Na condição de um jovem cantor de certa forma ainda em inicio de carreira e mesmo já tendo uma boa bagagem como frontman do Queen, Lambert certamente estaria no olho do furacão, tendo cada passo em cima do palco analisado por dezenas de câmeras, mais de 80 mil pessoas no show e milhões assistindo em casa. É o tipo de situação que pode fazer ou destruir a carreira do sujeito, com mais possibilidades para a segunda hipótese.

Mas apesar de tanta coisa em jogo, e um compreensível nervosismo, o cantor deu conta do recado. Ciente de seu lugar, não tentou em nenhum momento fazer a plateia esquecer Freddie ou mesmo imitar o falecido cantor. Pelo contrário, teve personalidade suficiente para imprimir seu próprio estilo em clássicos absolutos da banda, como foi o caso de “Killer Queen”, uma música que tinha grande identificação com Mercury. Mostrou também jogo de cintura para lidar com algumas falhas técnicas que poderiam ter arruinado uma situação que já era bastante difícil do ponto de vista da pressão em cima dele. Adam tirou isso tudo de letra. E acima de tudo, cantou. E muito. Superou as desconfianças com bastante carisma e uma excelente voz.

Foi certamente uma apresentação memorável, com muitos dos elementos que fariam a imensa maioria dos fãs da banda apreciarem o show. Poder ouvir ao vivo o timbre único da guitarra de Brian May é sempre um grande prazer. A voz rouca e extremamente marcante de Roger Taylor em “A Kind of Magic” (uma excelente surpresa), os clássicos como “Don’t Stop Me Now”, “Somebody To Love”, “Under Pressure” e tantos outros, até mesmo uma versão excelente de “Save Me” — que passou desapercebida por boa parte do público — fizeram a alegria deste escriba.

E até mesmo Freddie Mercury apareceu para abençoar o público durante “Love of My Life” e “Bohemian Rhapsody”. Foi a segunda vez na minha vida que eu vi um caso de histeria coletiva. Para onde se olhava era possível ver pessoas chorando com a participação mais do que especial. Foi como se Freddie estivesse novamente conosco e o dia 24 de novembro de 1991 tivesse sido um apenas um grande pesadelo. Essa experiência foi algo que a imensa maioria das pessoas que estiveram presentes à Cidade do Rock na última sexta-feira não tiveram a oportunidade de vivenciar.

Acho que no fim das contas é tudo uma questão de expectativa e saudosismo. Da maneira que foi feita a reunião, os membros remanescentes do Queen não estão pisando em cima da história do grupo. Pelo contrário, nem mesmo excursionam mais com o nome Queen. A banda agora se chama Queen + Adam Lambert, expediente semelhante ao usado pelo Black Sabbath na última passagem de Ronnie James Dio pela banda. As pessoas costumam ter saudades de coisas, experiências e épocas que não viveram e acabam implicando com coisas que simplesmente não tem nada a ver. Chegando em casa li comentários absurdos sobre o show, como o que parece ter sido um consenso nas redes sociais, de que Adam Lambert era gay demais para ser vocalista do Queen. A isso, não consigo nem dignificar uma resposta.

Ao meu modo de ver, a grande questão para Brian May e Roger Taylor é mostrar o trabalho do Queen para toda uma geração que cresceu sem ter essa oportunidade. No que diz respeito ao Queen e a Freddie Mercury, a carreira da banda em cima dos palcos se encerrou em 1986. Embora tenham lançado três álbuns após o último show em Knebworth, o relacionamento entre os músicos já não era dos melhores e Freddie também não tinha mais vontade de se apresentar ao vivo e possivelmente já estava doente naquela época. Dessa forma, mesmo que não Mercury não tivesse falecido em 91, é difícil dizer se a carreira da banda teria continuado além daquele ponto. Pessoalmente, fico feliz por ter tido a oportunidade mais uma vez de ter vivenciado novamente um show de uma das minhas bandas favoritas. Ainda que com algumas ressalvas.