Crise, demissões e o que importa para quem trabalha com informação na web

Ricardo Calazans
4 min readAug 20, 2015

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Os melhores são os que conseguem explicar as coisas do jeito mais simples.

Por isso, sempre volto a Nick Bilton e seu livro “I live in the future & here’s how it works”. Ouçam:

“A elite — o clero e a nobreza — controlaram a conversação [pública] enquanto controlaram a caneta. A imprensa escrita, em comparação, nunca pôde ser controlada, assim como hoje não se pode controlar a internet.”

Bilton (como muitos outros caras que se debruçam sobre as muitas revoluções digitais que modificam TUDO no mundo em ritmo incontrolável), acredita na criação de comunidades que gerem engajamento em torno de causas de interesse coletivo, como educação, ciências, liberdade de expressão, promoção social, direitos civis, igualdade social, democracia…

Aaron Swartz era um desses caras. Suas contribuições para a Internet aberta, suas lutas políticas e fim trágico estão disponíveis no Netflix (e no YouTube) na forma de documentário. “The internet’s own boy” (Brian Knappenberger, 2014) não vale apenas por reconstituir a trajetória prodigiosa de Aaron — membro do comitê que criou o RSS aos 14 anos, escritor da plataforma do Creative Commons aos 15 anos, cofundador do Reddit aos 19…

Aaron Swartz: agradeça a ele pela liberdade que você tem hoje na web \ Aaron Swartz at a Boston Wikipedia Meetup in 2009

A dimensão de sua importância está ~ dolorosamente explícita ~ nos testemunhos sentidos no doc de gente como Lawrence Lessig e Tim Berners-Lee. O primeiro é O reformador do direito autoral, fundador do Creative Commons; o outro deu ao mundo, sem cobrar nada por isso, a world wide web (sem ele você não estaria lendo isso aqui: respect). Se eles sentem falta do garoto, é bom prestar atenção e entender por quê.

Aaron acreditava no poder da internet para conectar as pessoas e tornar o mundo mais plural, democrático, inteligente. Havia (há), porém, muita gente que teme o poder da rede (e ela, infelizmente, dá provas seguidas de sua capacidade de devastação — remember Justine Sacco). A questão é, como em tudo na vida, o uso que se faz das coisas. Ou, como diz Aaron em certo trecho do documentário,

“Há duas perspectivas polarizadas: “tudo é maravilhoso, a internet criou toda esta liberdade e soberania, e tudo vai ser fantástico”. Ou: “tudo é terrível. A internet criou todas essas ferramentas para reprimir, espionar e, você sabe, controlar o que dizemos.” E eu acho que essas duas visões são verdadeiras. A internet tem feito as duas coisas, e essas duas coisas são incríveis e surpreendentes. Qual delas vai ganhar no longo prazo? Depende de nós.”

Aaron sabia, e Bilton, Lessig e Lee sabem, que há muitos desafios pela frente, e muito o que se compreender antes de (ou enquanto) seguimos adiante. Um deles é que, além dessas escolhas morais, a economia da internet também se encontra dividida; especificamente, entre o negócio da atenção e o negócio da influência.

Elas disputam espaço palmo a palmo. Número de cliques ou adesão orgânica: o que é mais valioso? Aparentemente, a audiência (atenção) vem perdendo espaço para a capacidade de engajamento (influência). A compra do Financial Times por um grupo de investidores japoneses (US$ 1,3 bilhão) nos conta isso (ainda mais quando lembramos que o bem “maior” Washington Post custou “apenas” US$ 250 milhões para Jeff Bezos).

Por aqui, outro dia o Terra mandou 80 por cento de seus jornalistas embora. A função de um portal, por mais cruel que isso possa soar, é mesmo cada vez mais questionável hoje; para o CEO da empresa dona do Terra, porém, não há nenhuma crise por trás da decisão. Logo depois, O DIA fez parecido e se livrou de dezenas de profissionais. Entre os colegas, a sensação é de desespero e desesperança, e a crise econômica que trespassa o Brasil ajuda a amplificar essa dor. Mas, amigos, entendam o seguinte, antes de se abaterem diante do revés temporário: o problema do Terra, do DIA, e da grande maioria dos veículos de comunicação na web, não é (apenas) falta de atenção, é falta de influência (e não necessariamente isso se aplica aos jornalistas; cuide e valorize sua reputação e seu nome; se você sabe o que faz e o que quer, sobreviverá à tormenta):

“A maioria das pessoas, mesmo quando elas estão assistindo pornografia, paga pela qualidade, desde que o preço seja honesto. Preço justo, qualidade, nicho e entrega eficiente: é por isso que as pessoas pagam”,

contou a Bilton (na apuração do “I live…”) a jornalista Lux Alptraum, editora do blog Fleshbot (NSFW), que cobre o setor da pornografia (também) pelo viés da tecnologia e da inovação.

É importante, para cada um de nós que trabalha com informação, pensar o que torna o conteúdo de cada um relevante hoje, o que o faz único, especial e, ao mesmo tempo, universal, a ponto de despertar a vontade, em quem lê, ouve ou assiste, de compartilhar, curtir, favoritar, comentar, gongar, interagir e ganhar relevância por sua capacidade de manter uma conversa com a audiência. É a forma mais sólida de aumentar sua influência, e também a mais divertida. Se você não sabe, dê uma olhada em como funciona o Reddit. Thanxs, Aaron. RIP.

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