O que uma banda de rock pode nos ensinar sobre gestão de pessoas

Ricardo Calazans
5 min readAug 25, 2015

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Kelvin & A Banda Surda recentemente flagrada em ação num boteco de Botafogo, RJ

Eu toco numa banda de rock. Seu nome — infame — é Kelvin & A Banda Surda. Contra todas as probabilidades, estamos por aí desde o fim do século passado. Nossa amizade e o amor aos amplificadores fazem com que o grupo siga de pé (ainda que cambaleante). E, pasmem!, nossos, digamos, “fãs” até conhecem algumas de nossas canções pelo nome! :O

No início, nosso bordão era “desculpe qualquer coisa” e o slogan, “a pior banda com os melhores instrumentos”. Com o tempo, a exigência foi ficando maior; eu, diletante entre diletantes, sempre sou compelido a melhorar, para estar à altura dos meus companheiros (e olha que o nível é bem baixo). Juntos, tentamos soar cada vez melhores porque temos objetivos em comum: compor música original, fazer shows para divertir os amigos e seguir firmes numa banda de rock (um ideal juvenil que ninguém jamais deveria abandonar, like a rolling stone).

Mas o que isso tem a ver com ambientes de trabalho? Uma história para ilustrar:

Em dado momento de minha carreira de jornalista, aconteceu: virei editor. E, como quase todos os colegas na mesma situação, eu me vi de um dia para outro diante de uma nova função sem ter tido qualquer treinamento para aquilo além do meu feeling.

#comofas para liderar os colega tudo?

Qual é o jeito certo de chefiar uma equipe?

Tomei, então, algumas decisões. Ignorei o “cargo de chefia” e me ative à função: “editor de cultura”. Enxerguei meu trabalho como parte de uma engrenagem que precisa tocar afinada para se comunicar (entre si e com o público). Não é uma função maior ou melhor que qualquer outra, faz parte do conjunto. É como funciona uma boa banda de rock.

Grupos musicais são um grande exemplo de trabalho em conjunto. Na minha cabeça, uma equipe de trabalho deveria poder/querer soar como os Beatles, o Zeppelin, o Dead ou o Clash em seus melhores momentos: coesa e cheia de brilhos individuais. Foi assim que eu encontrei meu caminho como editor, e é assim que eu trabalho (ou tento) desde então.

Grateful Dead: uma banda que seguiu adiante PORQUE SIM

Quando se ensaia em conjunto, aprende-se a ouvir a si mesmo e aos outros; quando isso acontece, todos entram num mood vibrante e virtuoso de ritmo, brilho, afinação, confiança (um dia a gente chega lá, Kelvin!). É esta segurança que abre as portas para a criação e a inovação. Por isso a gente diz que os times de futebol mais entrosados jogam “por música”. Isso vale para qualquer campo. É só ouvir o que Steven Johnson mastiga no essencial “De onde vêm as boas ideias”:

“As ideias surgem em abundância, como disse Poincaré. Elas surgem em redes líquidas em que a conexão é mais valorizada que a proteção.”

Numa banda, é fundamental ensaiar. E ter VONTADE de ensaiar é ainda mais fundamental. Ensaiar até que cada um absorva as partes que lhe cabem nos arranjos. Estabelecer CONEXÕES. Numa banda, o resultado do trabalho de cada um depende do esforço conjunto de todos os músicos. E, mesmo que nos shows algumas figuras recebam mais destaque ou se tornem a voz do grupo, internamente todos têm a consciência de que elas falam em nome do interesse coletivo. E se orgulham disso.

Em qualquer trabalho, igualmente, é preciso vivenciar todos os processos para adquirir conhecimento, discernimento e repertório para ir em frente; ABRIR novas possibilidades, sem medo de se arriscar por novos caminhos. Dividir ideias e responsabilidades. Compartilhar os erros e os acertos. Viver, aprender e celebrar. A vida é curta, porra!

As melhores bandas de rock nos ensinam que, sem risco, não há aprendizado; sem segurança, não há inovação. E, se duas (quatro, dez) cabeças pensam melhor do que uma, é um mistério que, nesta época de integração em rede e experiências colaborativas, a figura do “chefe” permaneça de pé.

Não estou dizendo que devemos trabalhar em esquemas anarco-fora-do-eixo; apenas que o chefe “dono da bola” já não faz mais sentido na nova economia do trabalho.

Dentro dos ambientes que trabalham com informação (ou seja, todos, em qualquer empresa), o “chefe”, em seu formato “clássico” [antiquado, pré-histórico, lamentável >>> adicione a sua crítica], é hoje uma pedra no sapato, um travo no livre fluxo dos processos; quando a pessoa que recebe um cargo de chefia acredita ter sido ungida pelos deuses corporativos, e não se vê como parte de um grupo que deve tocar afinado para conquistar audiência e relevância, temos aí um problemão.

É isto um gestor inspirador?

É um comportamento bem comum esse de acreditar que o cargo confira a seu portador habilidades que até então ele nem desconfiava que tinha; é relativamente trivial que um editor \ gerente \ CEO \ c*-a-quatro se veja como mais inteligente \ experiente \ informado do que o todo de sua equipe. Como efeito, tende a repudiar, por insegurança ou excesso de certezas, toda opinião ou solução que vá de encontro a seus próprios pensamentos cristalizados ou alterem as práticas usuais de sua área de “domínio” (e esta surdez/cegueira/arrogância deixam passar as oportunidades de se aprimorar e inovar). No fim das contas, damos no triste LUGAR NENHUM onde chafurdam todas as empresas atadas a esse anacronismo corporativo.

O modelo vertical de liderança cria abismos e depois tenta construir pontes para se comunicar com a força de trabalho (#fail). É caro e ineficaz, pois pressupõe que algumas pessoas são melhores do que as outras. Quando, na verdade, é tudo muito mais simples: o trabalho em conjunto é mais eficiente, isto está provado cientificamente (leiam Steven Johnson, please). E é muito mais legal. Como disse certa vez uma raposa política, “estamos todos na planície”. Está na hora de falarmos de igual para igual. ROCK!

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