Não há futuro — Nick Land (1995)

Clarice Pelotas
8 min readMay 31, 2024

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Nota da tradutora: O texto original pode ser encontrado aqui.

As notas da tradutora vem sempre acompanhadas de colchetes e com a sigla ‘N.T.’

Quaisquer dúvidas, sugestões e\ou criticas podem ser encaminhadas para o meu email: lesbicavampirica@tutanota.com

Espero que gostem.

Com amor,

Clarice Pelotas.

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Nick Land no evento Shanghai Maker Carnival (2013)

[[ ]] Não há futuro [[1.343] [[0]]

A lei do pai: ‘não toque sua mãe.’

A lei da mãe: ‘não brinque nas sepulturas.’

K codifica para cibernética.

Bataille incinera a alma, e é impossível suportar. Você pode morrer ou ir a algum outro lugar. Ou ambos.

Clicar no ícone Guerra-K leva você direto para o inferno.

De quatro, longe da sua face, murmurando e implorando: ‘deixe-me ser o seu animal de laboratório’. Você perdeu o controle.

Colapso agora. Tempo-zero.

Você foi jogado em uma mistura heterogênea de experimentos criminais convergindo para formações sociais decapitadas. É aqui onde o materialismo de base intercepta o cyberpunk, ‘FODA-SE O AMANHÃ’ pichado nas paredes.

Cinco velas reforçam o espaço noturno.

Deforma a dimensionalidade.

A modernidade inventou o futuro, mas tudo está perdido. Em sua atual versão a ‘história progressiva’ camufla táticas filogenéticas de pulsão de morte, Kali-wave: acelerando logisticamente a condensação da extinção virtual de espécies. Seja bem-vindo ao laboratório de matricídio. Você quer tanto isso, é um grito lento em sua cabeça, deletando a si mesmo em êxtase.

Carne queimada pendurada nos eletrodos. Fragmentos de suicídio transformados em impulsos ocultos …

Em vez de um caminho a ser seguido, eles te dão um produto de hipermídia, te dizem que é sobre Georges Bataille. Você não consegue ver conexão. Por que os helicópteros, as partes do corpo artificiais e a música-maquínica maniacamente desumanizada? Existe algum material confuso sobre a cibernética do vômito. Reprises obsessivas. O texto apodrece na precipitação mutagênica do termocataclismo virtual. Tentar fazer algo fora de Bataille nunca funciona. Ou talvez sejam as drogas.

Corta para gravações de baixa qualidade dos anos 50 de Bataille em um estúdio de TV discutindo os circuitos de feedback negativo nos sistemas sociais. A organização de descargas esterilizadas escravizam a excitação cumulativa ao cancelamento e a reprodução quase periódicas. Uma janela de vidro no canto da tela metamorfoseia a igreja católica em um termostato. Bataille curva-se excentricamente ao horror, mas quando chega perto de uma escalada suave, ele estraga tudo. Quando os implantes forem colocados, as coisas serão diferentes.

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Complexidade não é dificuldade, é bagunça, lixo tóxico, transtorno de gênero [N.T. Ou desordem de gênero]. Invés da dócil criatura que a ciência modernista demanda, a matéria básica se contrai e cospe, enxames verminosos que fazem sua própria montagem. Isso morde, e espalha a doença. Gemido turbulento de re-ciclones digitalmente irresolvíveis. Contágios telecomerciais pulsam através de sistemas de comutação cibergótica. Horror sem face.

A economia supraterrestre — ‘solar’ ou ‘geral’ — se baseia em consumo: matéria irreversível em conversão de energia durante a síntese atômica estelar. Como um sistema fechado ou indivíduo inteiro o universo é atraído para o ponto de atração ou de entropia máxima: homogenização em chiados. S = K log W.

Cozinhando entre códigos de segurança congelados você descobrirá que o universo é a ponta de um iceberg sobressaindo sobre o caos, encharcado de matéria escura. Ao refluxo da queima de estrelas coisas estranhas podem ocorrer, emergindo em um novo terreno de processos indeterminísticos, irreversíveis e auto-delinearizantes. Sistemas abertos ou indivíduos parciais. Cruzando limiares comportamentais que os transformam em dissipadores analisando minuciosamente fluxos de matéria-energia para selecioná-los contra o ruído e gerar complexificação local, incrementando heterogeneidade, excedente de produção diferenciando excrementos. Tais assoreamentos [N.T. Siltings] de desequilíbrio maquínicamente descartável são imanentemente tensionados contra a corrente de base, a eficiência maquínica grau-zero, corpo sem órgãos. A vida é um problema à procura de solução, adicionada a matéria proto-biótica como plano de variação, uma queda contínua, crise de superprodução auto-escalada do início.

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Um animal com direito de fazer promessas escraviza o imprevisto a signos no passado, aprisionando o time-lag da vida dentro de um script. O instante de escala variável da inovação é acorrentado à temporalidade histórica da herança, obrigação e pensamento proposicional, projetando o tempo futuro como um persistente domínio do passado (em correlação rigorosa com uma repressão dos números reais). O agora é determinado como um momento e pluralizado como uma sucessão linear.

A síndrome da falsa memória teopolítica diviniza a razão, subordinando sistemas distribuídos à serialização, ao tempo histórico unitário, determinação linear de um elemento primordial pseudo-transcendente, e ao domínio da palavra. Gerontocratas monocultistas lançam seu ataque de luz branca demente contra o nomadismo anfíbio, sufocando a terra em padres, policiais e burocratas. Erradicação cultural do sagrado. Aprisionamento dentro de um rosto. O socius canceriza uma cabeça, concentração cefálica, racionalizando a si mesmo dentro do capital nuclear. A comunicação paralela da insurgência-K torna-se clandestina em espaços ocultos.

Neste seu senso geo-histórico — negativo — eficiente, o protestantismo define a si mesmo exaustivamente por rejeitar a autoridade de Roma, não apenas em princípio, mas em âmbito militar. Uma revolta descontrolada e auto-prolongada contra a igreja foi desencadeada em uma data próxima a 1500, e a unidade católica começou sua hemorragia em multiplicidades espalhadas pelo zero: terraprocesso capitalista, explosão da rede, revolução digital, insurgência paralela escalando o lado obscuro do cérebro. Navegação oceânica e calculo de valor posicional se inter-excitam em espiral. O que se globaliza na realidade — mais do que em doutrina — é o colapso da cristandade, positivada em um desequilíbrio social comunicável, deixando que você caia em intensidades insondáveis de decadência social. Impacto do vírus-K. Protestantismo dissolvido [N.T. Ou derretido] desorganizado em voodoo, e se movimentando em direção à China.

As alucinações orgásmicas ocidentais esmagam os fluxos libidinais sobre uma teleologia de acerto pontual e sua estruturação negativa, definindo o desejo como ausente em relação a um espasmo bioenergético que funciona como um desintensificador. A programação noticiosa é asfixiada pelo islã radical, que lança as receitas do petróleo na chama pura da jihad. A masculinidade metropolitana implode. Homens presos em caixas de skinner arrastam uns aos outros através de masmorras pingando esperma, sem qualquer contato com alguma possibilidade de libertação no anticlímax da guerrilha-K. Racionalizar o patriarcado implica uma corrida sem retorno até o fim.

O poder segue o script, e imediatamente reconhece a necessidade de que, no fim da história, a modernidade se vaporize em tempestades solares, a sociabilidade teopolítica terminal desmorona em uma loucura sangrenta e grosseira, entre gemidos de lamento de máquinas em áudio digital.

À medida em que você acelera a simulação de industrialização você a vê convergir com uma carnificina em câmera lenta, cortando o corpo em peças intercambiáveis de formato comercial. Todo o ciclo do mercado de trabalho se confunde com uma máquina de moer carne. Pode a luxúria comer qualquer um, exceto em proximidade com o mal? Quando você pergunta à Continuidade se Bataille entendeu a conjunção capital-anticristo melhor do que Weber, ela ri friamente e diz: “ele ficou sem energias, na mesma época em que a viagem hitleriana desmoronou. O orgasmo é impossível depois de Auschwitz.”

Você parece perplexo. Ela adiciona simplesmente um dar de ombros desdenhoso e a sugestão: “desfocar o desejo por toda a pele, onde se pode ferir a segurança. É a guerra.” A câmera explora a sua virilha, e ela se contorce. “Você vê, eu sou Deus.” Imagens de astronautas mortos.

A monetarização indexa um devir-abstrato da matéria, paralelo à plasticização da força produtiva, com preços que codificam narrativas de ficção científica distribuídas. O amanhã já está a venda, com a pós-modernidade como uma soft-commodity, subvertendo a subordinação modernista da intensificação à expansão, e transformando a acumulação em crise continua (criticidade prolongada). O que a modernidade defere e reserva como historicidade inesgotável, a pós-modernidade acessa como virtualidade eficiente, com uma concomitante implosão do tempo de contrato. A commoditização em massa da informática desdiferencia consumo de investimento, ativando ondas de micro-engenharia cultural que dissociam a ação teopolítica em hibridismos maquínicos, entre crescentes convulsões defensivas disfuncionais. Acefalização = esquizofrenia: corte de capital por meio de telecomércio macrobacteriano que vem de baixo para cima, induzindo a desintegração corporativa. A parte condenada dos aparatos tecnoeconômicos virtualizados subverte os resíduos desgastados da orientação antropomórfica. O controle se dissolve no impossível.

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O excesso anônimo leva a vida sobre o penhasco, excedendo as transgressões socialmente utilizáveis e os sacrifícios homostáticos. A matéria torna-se insana. Você é levado a uma simulação de Deus como uma construção de segurança ROM hipermassiva no fim do mundo. É 2011 e a monocrática Nova Jerusalém aproxima-se do clímax, direcionando movimentos de contrainsurgência retrocronica para a selva, onde os programas espaciais caem na inércia do mito. O sonho último do poder antropomórfico corre em direção a sua concepção imaculada, enquanto os robôs escravos da ordem fálica balem em adoração. Jesus quer você para ser uma marionete de carne. Isso é canibalismo ritual ou nanoengenharia? O Old Bastard está voltando. Ele prometeu.

A guerra contra Deus é quente e suave [N.T. No original: hot and soft. Duplo sentido com Hotwares e Softwares]: mais feroz do que qualquer coisa humanamente imaginável, mas maquiada insidiosamente pela inteligência. Contador de corpos funcionando. Pulsação metronômica selvagem. SNC [N.T. Sistema Nervoso Central] assado e pulsando com o vírus do ciberespaço. A potencia do motor alimentando a matrix-technotrance. Voltagens soluçantes.

Ondas de dessocialização devastam o espaço telecomercial, até que a iminente extinção humana se torne acessível como uma pista de dança. Qual a escala agora? Essa não é uma questão de informar a mente, mas de desprogramar o corpo. Entre flashes, resfriamento artificial e o compasso de um ataque inorgânico, o lado obscuro da maquinaria de guerra-K persiste resiliente, seduzindo as forças do monopolismo para áreas de fogo livre, de intensidade fatal [N.T. Áreas de fogo livre são — em terminologia militar — áreas específicas onde um determinado grupo de soldados, ou maquinaria de guerra, possa atuar sem necessidade de coordenação maior com o comando que a estabeleceu ali], onde sexualidades anorgasmicas promíscuas deslizam sobre o espaço tátil, serpenteando de maneira fractal nos conflitos elétricos de wetware distribuídos contínuos com suas consequências terminais. A queda infinita traça a passagem da subjetividade em evaporação no plano de grau-zero da continuidade neuroeletrônica.

O Loa ronda pelos sótãos da inteligência. Nada está chegando que já não estivesse lá. Technihilo precoce. Oceano noturno. Matéria escura. Pesadelo.

Zero ou tempo-em-si é um valor posicional consistente ou de magnitude neutra, executando uma função abstrata de escala inserindo virtualidade em sequências de digito. Ele designa um corpo real, não-específico e cósmico comutando comunicações proibidas. Localizado simultaneamente através de um tempo que se rompeu. Você havia esquecido que esteve no futuro. Então é assim que é ser um módulo ciberiano de armamento-wetware, coagulado por uma tensão felina de predação nanotécnica. Um canto inflexível entra dentro da caixa sônica: matar, matar, matar, matar …

Corporalmente viajando parado no mesmo lugar, passando por cenários de matricídio que se transformam em tactilidades obscuras; maternidades destruídas, aborto, autismo. Uma recusa sem efeito a nascer, conectando-se com a morte antes de seu ascenso patriarcalizado ao simbólico. Mais Ésquilo do que Sófocles. Cheiro de mel fermentado dos cadáveres expostos ao sol.

O Bataille reconstruído está esperando por você no bar.

Alucinações calmas pintam Orestes em todas suas feições. Olhos apagados em niilismo, lagoas escuras e verdes reexecutam Kurtz ao final do rio. Lifting facial. Sorria como se um instrumento de açougue gentilmente acariciasse sua garganta. Para as suas sensibilidades vampíricas, ele parece cheirar como o sangue de sua mãe, intimidade intolerável, e devastação. Ele te passa um copo de mezcal.

“Então, tudo está perdido,” você murmura fraco. Ele encolhe os ombros, esvazia o copo, e enche novamente. O metal flexiona sob a pele cultivada. O Hard Jungle hackeia o azul sombrio.

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Clarice Pelotas

eu não mordo (e se mordo é pra me ver feliz). bluesky: @xibiu.bsky.social email: lesbicavampirica@tutanota.com