DO ESTOPPEL LIBERTÁRIO

Rick Theu
6 min readJan 13, 2020

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Trata-se de um breve resumo explicativo. Para melhor compreensão, sugiro a leitura dos originais de Stephan Kinsella, Hans-Hermann Hoppe e alguma doutrina jurídica que aborde preclusão e punição.

O estoppel é um princípio do direito romano que alega que uma pessoa fica impossibilitada pela lógica, de defender determinada coisa se esta defesa entra em contradição com suas ações passadas[1]. O pontapé inicial que embasa esse teoria jurídica é que uma pessoa não pode contestar consistentemente sua punição se ela mesma deu início ao uso da força. Ela é (dialogicamente) “impedida” de argumentar a ilegitimidade ou impossibilidade do uso da força para puni-la, por conta de seu próprio comportamento coercivo.

Partindo desse princípio romanístico-germânico, o jurista Stephan Kinsella inicia a tentativa da demonstração que qualquer pessoa que tenha iniciado agressão contra a propriedade de outrem cairia em contradição caso alegue, em sua defesa, que o uso de força não pode ser aplicada contra si mesma, concluído pois, Kinsella — discípulo do filósofo e economista austríaco Hans-Hermann Hoppe, que teorizou sobre uma ética libertária que partia do a priori da argumentação — que as únicas ações logicamente passiveis de punição, i.e, força/violência punitiva legítima e por conseguinte, legítimas de serem proibidas são as agressões.

Vale ressaltar liminarmente que, há três formas de emprego de força por um sujeito: a) agressiva; b) defensiva e; c) punitiva. O que Kinsella conseguiu demonstrar é que a violência agressiva é a única passível de proibição e de ser repelida legitimamente por força/violência defensiva ou punitiva

Como consequência, o jurista chegou à mesma conclusão do economista Hans-Hermann Hoppe, de que a única lei logicamente defensável é a ética libertária, i.e, a lei da propriedade privada, vindoura da autopropriedade.

Para melhor elucidação, aconselho a leitura da obra hoppeana Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, que dispõe com mais clareza sobre a ética hoppena da argumentação. Mas de maneira breve e sucinta, posso expor que da seguinte forma: Todos os indivíduos que entram em uma argumentação pressupõe os direitos de propriedade libertários, também, por conseguinte, todos aqueles que iniciam o uso da força agressiva contra alguém pressupõe a validade do uso da força, não podendo alegar que o uso da força contra si mesmos é ilegítimo sem que caiam em uma contradição. Ora pois, se assim fosse, qualquer agressão, inclusive punições e defesas, seriam passiveis de punição e vedadas o seu uso, o que ocasionaria em que não haveria nenhuma forma de punição para ações agressivas.

Stephan Kinsella logo demonstra duas formas de tentar se esquivar desta contradição: a) a negativa da universalidade do dispositivo normativo — lei — da lei da não-agressão e; b) a negativa a perenidade e atemporalidade do dispositivo normativo da não-agressão — chegando a conclusão de que ambas tentativas ainda sim, levariam à punição do agente agressor.

Universalidade: Não seria possível dentro da lógica, um agressor assumir que apenas é ilegítimo o uso da força contra alguns indivíduos (o que também inclui ele), pois, com isso, seria assumido pelo mesmo, a própria punição. Ora pois, um punidor poderia utilizar o mesmo argumento do agressor contra ele, usando a força contra ele para puni-lo e dizendo que apenas o uso da força contra indivíduos como ele mesmo (o punidor) é ilegítimo e que logo ele pode usar a força contra o agressor legitimamente. A relativização dos efeitos da norma para com seus destinatários gera contradição e inaplicação eficaz da mesma.

Perenidade: O argumento da mutação de visão ou orientação jurídica ou opinativa ao longo do tempo não pode versar sobre a legitimidade de uma norma penal ou sancionatória, pois aquele que tentar utiliza-la como argumento para não ser punido por agredir acabará dando legitimidade para a própria punição, já que o punidor poderia utilizar o mesmo argumento, em outro momento, para usar a força contra ele e, posteriormente se isentar de qualquer punição dizendo que mudou de opinião. E assim sucessivamente, sempre se eximindo do efeito da norma. A relativização dos efeitos na norma no tempo gera o problema da arbitrariedade e das esquivas que os agentes podem usar, o que não solveria os conflitos, sendo pois, uma norma invalida dentro da metaética.

Conquanto o estoppel determine que um agressor não pode logicamente redarguir o uso da força contra si mesmo, o mesmo não significa que o agressor não tenha a possibilidade de contestar o uso da força indiscriminado e desregrado contra si mesmo.

Há determinada quantidade de força proporcional à utilizada contra ele sobre a qual ele cai em contradição caso conteste, conforme já demonstrado in supra, entretanto quantidades de força suplementares utilizadas contra ele (desproporcionais) podem ser consideradas ilegítimas pelo agressor sem que ele caia em contradição alguma.

O jurista Kinsella estabelece tal critério de proporção de uso da força punitiva da seguinte estrutura lógica.

1. Toda a agressão é essencialmente o uso de um meio

2. Todo o uso de um meio gera necessariamente limitações no uso deste mesmo meio por outras pessoas.

3. A punição deve consistir em uma limitação do uso de meios igual imposta ao agressor.

Vou dar alguns exemplos: imagine que uma pessoa agrida outro com um soco na boca. (1.).

Com seu ato o agressor limitou o uso que a outra pessoa tem de usa própria boca — afinal o agredido tinha como usa-la enquanto leva o golpe e terá o uso restringido após o feito na recuperação à agressão.(2.)

Logo, uma punição proporcional seria socar a boca do agressor (3.), embora esta não seja fundamentalmente a única punição proporcional disponível.

A força utilizada na punição não precisa ser necessariamente feita do mesmo modus operandi e contra o mesmo bem jurídico — mesmo meio — desde que ela envolva a criação de uma limitação proporcional de uso dos meios, assim punições podem ir desde castigos físicos até ressarcimentos financeiros, dependendo do caso.

Kinsella também afirma que há um elemento de subjetividade na punição que abre margens para algumas variações e incertezas, isso por dois fatores, 1. pelo fato de o valor conferido pelos envolvidos (agressor e agredido) aos meios serem subjetivos e diferentes, tornando suas recepções dos usos da força diferentes, 2. pelo medo e pela insegurança gerados pelo ato da agressão;

Outra observação importante é que pode haver um pacto de conciliação entre o agredido e o agressor, dependendo da situação uma punição através de restituição financeira pode não ser proporcional, mas, ainda assim, o agressor pode pagar por seu crime financeiramente se fizer um acordo com o agredido concordando em pagar determinado valor para evitar castigos físicos. Sobre o delito de homicídio, creio eu não haver a possibilidade de aplicação de pena pecuniária, visto que, além da punição, uma das funções e requisitos de uma norma penal é prevenir o delito. E se tal norma permite essa forma de sanção para um delito tão grave, essa norma não estaria prevenindo o delito, sendo válida mas ineficaz. Mas abordarei isso em outro momento.

Voltando ao pensamento kinselliano, o mesmo aborda sobre a punição de roubos e furtos (tomadas agressivas de meios), em que o agressor além de pagar (financeiramente ou fisicamente) através da punição deve também restituir o meio roubado, já que o meio já é de direito exclusivo de uso do agredido, não podendo ser considerado como parte da punição e da restituição. É obvio que o criminoso deve devolver o bem à vítima, visto que sua posse era ilegítima. A propriedade de uso exclusivo e legítimo continua com o agredido.

Por fim a respeito da aplicação prática da punição e da proporcionalidade em um julgamento a teoria segue da seguinte forma:

1. É provado que houve agressão contra algum direito de alguém.

2. Vítima estabelece a sanção.

3. O ônus de mitigar a punição, de contestar a mesma alegando que está desproporcional é do agressor. Ora pois, se ele é o que alega que a quantidade de uso de violência contra ele é aberrante ou negável, o mesmo deve comprovar que a sanção proposta pelo agredido é desproporcional, podendo o agressor utilizar especialistas para lhe defenderem.

4. Posteriormente à avaliação da contestação do agressor, ou depois de ele acolher a punição (caso ele não faça objeção alguma) a punição definida pode ser aplicada, não mais podendo haver julgamentos e novas punições a respeito deste processo, já que o seu resultado já foi aceito por todos os envolvidos dentro do que pode ser logicamente aceito. Uma espécie de coisa julgada material e processual.

De tal modo é presumível, através de uma lógica processual, determinar não exclusivamente os direitos que devem existir — os da não agressão à propriedade privada — mas também como eles devem ser aplicados de uma forma justa e como proceder caso sejam violados, dentro da ética libertária.

[1] O estoppel possui muita semelhança com o instituto da preclusão, este último pertencente ao ordenamento jurídico brasileiro. Em síntese, a preclusão é, no direito processual, a perda do direito de agir nos autos em face da perda de uma faculdade processual por não ter sido exercida no tempo devido (temporal), por incompatibilidade com ato anteriormente praticado (lógica) ou por já ter sido exercida anteriormente (consumativa).

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Rick Theu

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