Noções básicas do Direito — Historicismo Jurídico

Rick Theu
8 min readFeb 18, 2022

Tendo em vista o já exposto nos artigos antecedentes (Escola do Jusnaturalismo e Escola da Exegese), passamos agora a análise de uma corrente protopositivista do século XIX, a Escola História do Direito — também denominada de pandectismo ou Jurisprudência dos Conceitos.

Fortemente influenciada pelo romantismo, pois parte do pressuposto de que o Direito é um produto histórico, elemento esse que dá nome a essa escola de pensamento.

O Historicismo Jurídico, expressão, voltada ao Direito, de uma escola de pensamento mais amplo, chamada de Historicismo. O mais conhecido pensador do Historicismo é Karl Marx.

Os fundamentos do Historicismo (facilmente identificados na obra de Marx) são o materialismo e o determinismo antimetafísico. Materialismo por considerar a matéria como a essência de tudo (o que leva a uma concepção antimetafísica) e determinismo por considerar que há uma evolução constante e natural se desenvolvendo no âmbito social. No pensamento marxista, em especial, esta evolução desembocaria no socialismo, como superação do capitalismo.

A aplicação desse método teorético aplicado ao Direito (Historicismo Jurídico) considera que o Direito é um fenômeno social, de surgimento espontâneo, identificando-se sua fonte primordial no costume praticado em determinada localidade, por certo período de tempo pelos cidadãos daquele local. Na perspectiva do historicista, portanto, primeiro vem o costume para, depois, vir a lei. O costume equivaleria ao «Direito pressuposto», ao passo que a lei seria o «Direito posto» (terminologia esta, inclusive, dá nome a uma célebre obra do jurista brasileiro Eros Roberto Grau, ex-Ministro do STF).

Para o Historicismo Jurídico, portanto, é mais relevante o enfoque lógico e teórico no fenômeno do costume do que no fenômeno legislativo, e esta (a lei) deve ser compreendida a partir daquele (costume). O principal representante dessa escola foi Savigny.

Bebendo do também famoso historiador e filósofo Friedrich Hegel, o Historicismo Jurídico concebe que a essência do Direito é encontrada nos grupos sociais, na evolução dos valores e costumes das nações, nascendo do Espírito do Povo (volkgeist). Um de seus principais teóricos, Savigny, alega que o Direito tem sua gênese das forças silenciosas e não no arbítrio do legislador.

Dessa forma, nega-se o Direito Natural e absoluto, concebendo o Direito como relativo ao momento e local histórico, visto ter diferentes origens no espaço-tempo.

Esta concepção jusfilosófica floresceu no século XIX como uma forma de reação ao jusnaturalismo do século anterior, associado ao Iluminismo franco-britânico. Tal reação se insere num movimento mais amplo, que defendia um retorno à tradição, às origens, em contraste ao movimento das luzes que visava superá-la.

Esta reação gerou, no Direito, uma crítica à ideia de direitos naturais do homem, que era criação modernista e jusnaturalista.

Assim, Edmund Burke prefere a tradição — fruto de uma longa construção histórica que dá a ela efetividade — aos direitos do homem, simples ideias construídas por filósofos apartados da realidade, que, por isso, não têm real repercussão social. De Maistre, por sua vez, dizia que não há o homem a que esses direitos se referiam, mas há o francês, o italiano, o espanhol etc. (OLIVEIRA, André Gualtierei de. Filosofia do Direito)

Os principais expoentes do Historicismo Jurídico são Friedrich C. von Savigny, George F. Puchta e Gustav Hugo. O primeiro defendeu uma visão historicista da evolução do Direito, rivalizando com o racionalismo jusnaturalista. Para ele, o «espírito do povo» (volksgeist) é a fonte originária do Direito, i.e., o Direito é o resultado de uma construção histórica de determinado povo; é o resultado da tradição dos costumes construídos ao longo de séculos de experiência existencial.

Por isso, o consenso obtido pelo equilíbrio das fontes sociais, e não uma vontade racional a-histórica, como a encontrada no jusnaturalismo, produziriam leis adequadas aos diferentes povos. Essas leis, portanto, só poderiam ser mesmo diferentes entre si, já que são o resultado de histórias culturais diversas.

Para a doutrina, a escola histórica do direito teve o mérito de reconhecer o problema da condicionalidade histórica do direito, que se encontrava obliterado pelo racionalismo jusnaturalista que desconsiderava a importância da história para o direito. Em alguma medida o direito é determinado pela história, é fruto da tradição e dos costumes. A observação dos ordenamentos jurídicos não nos permite concluir pela possibilidade de se fundar um direito puramente racional.

Seu percursor é Gustav Hugo, que estabeleceu as bases da crítica à doutrina do Direito Natural, partindo da concepção de Direito como fato histórico peculiar à cultura de um determinado povo (sua tradição, sua história). Desta forma, o referido pensador se propõe a conceber a noção de Direito positivo não como produto dogmático e abstrato da razão pura, mas sim como fenômeno histórico.

Para ele, o Direito Natural nada mais seria do que o Direito Positivo universal ou o jus gentium do direito romano, direito comum a todos os povos constituído pela razão natural, do qual o jus civile ou Direito Natural é um desenvolvimento histórico e particularizado. Propugnou ele o estudo metódico e comparativo dos direitos nacionais, para chegar a história de um Direito universal, como base da ciência da legislação. (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito)

Gustav Hugo

Todavia, o auge do pensamento da Escola Histórica do Direito se deu com o pensamento de Friedrich Savigny, verdadeiro promotor dessa corrente jusfilosófica, chegando a conceber a Ciência do Direito como historiografia genética do Direito e disciplina cultural, sem quaisquer finalidades pragmáticas imediatas.

O núcleo duro do pensamento savignyista é ser opositor à codificação do Direito, pois este enxergava o Direito como manifestação de um povo consciente e livre e não como um produto da atividade legiferante, visto que surge na história como decorrência dos usos e costumes do povo e em suas tradições.

Como a língua principia espontaneamente no modo de falar de um povo, o Direito também começa como conduta consuetudinária popular, conforme a convicção espontânea do que é necessário e justo. (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito)

Dada a semelhança entre o idioma e o fenômeno jurídico, Savigny não vê motivo na codificação, pois esta apesar de aparentar maior segurança, nos ilude de que o Direito aplicado é o normado, tirando o foco do jurista para sua verdadeira fonte, i.e., os costumes, colocando em risco o processo natural de gestação do Direito, tornando-o artificial.

Friedrich Carl von Savigny

A sistematização de Savigny, que não enxergava lacunas no ordenamento jurídico, pois concebe uma totalidade jurídica, nos conceitos e proposições jurídicas vindo das fontes históricas, sobretudo e principalmente de origem romana, na qual as normas mais genéricas já contém as mais específicas, ficando assim, as lacunas apenas como aparência, sendo portanto um sistema acabado e perfeito.

Essa concepção de sistema veio informar a Jurisprudência dos conceitos (Begriffsjurisprudenz), que se desenvolveu com George Friedrich Puchta, sistematizador da Escola Histórica […]onde o Direito humano (jurídico-positivo) confunde-se com o Direito Natural, isto é, com o direito nascido do espírito popular, como convicção ou vontade comum do justo. O direito era direito do povo. […] Outra criação da consciência do povo é o Estado e a autoridade pública, imprescindíveis para realização do direito. O Estado, portanto, não cria o direito, pois o pressupõe no Volksgeist, que por sua vez, é o meio pelo qual Deus se revela ao homem. (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito)

Existo, por conseguinte, uma relação simbiótica entre o Direito positivo e o direito «natural», histórico formado pelo povo, onde o Poder Legislativo o representante máximo.

Para Puchta, o Direito deve ser lógico-dedutivo, indo do lato para o stricto, assumindo um caráter piramidal e hierárquico, que seria assumido e desenvolvido por Hans Kelsen. Tal direito vindouro do povo, assume forma visível ao se incorporar no texto normativo, graças as fontes jurídicas que são estas: o costume (jamais pode ser imoral, sob pena de não caracterizar uma manifestação autêntica do povo); a lei positiva (que visa esclarecer o que deve valer como convicção do povo, que por não conter imoralidade, vale tanto pela forma como pelo seu conteúdo) e; ciência jurídica (fonte dos juristas e dos cientistas da lei, que dão forma consciente aos princípios jurídicos, implícitos no Direito consuetudinário e positivo).

Carl Friedrich Puchta

Para a doutrina contemporânea do Direito, o Historicismo Jurídico teve o mérito de reconhecer o problema da condicionalidade histórica do direito, que se encontrava obliterado pelo racionalismo do Direito Natural medievo que desconsiderava a importância da história para o direito. O Direito, em alguma parcela é determinado e influenciado pela história, é fruto da tradição e dos costumes. As observações dos ordenamentos jurídicos não nos permite concluir pela possibilidade de se fundar um direito puramente racional.

Como bem preceitua Miguel Reale:

A Escola Histórica, com o dobrar dos anos, deu preferência à história dos textos legais, quando o historicismo autêntico envolve a apreciação direta da vida social como conteúdo e elemento condicionante das regras de Direito. Os seguidores de Savigny limitaram-se a fazer a interpretação histórica, no sentido de ir buscar, para conhecer melhor uma regra, os seus antecedentes dogmáticos.(REALE, Miguel. Filosofia do Direito)

Dessa forma, adentrou-se no estudo do Direito a interpretação histórica, ajuntando-se à gramatical e sistemática. E com a Jurisprudência dos conceitos e o sistema piramidal, reascendeu-se por conta do logicismo dedutivista, um certo racionalismo dogmático que viria a culminar no pensamento e na cosmovisão jurídica kelseana positivista.

Assim sendo, percorrido a gênese científica do Direito com o Jusnaturalismo medievo e matemático-racionalista, evoluindo para o exegestismo empirista e na análise histórica, a Ciência do Direito na virada do século XIX para XX encontrou guarida e seu maior desenvolvimento teorético no positivismo. Mas antes de adentrarmos nele, é mister e até mesmo interessante visualizarmos uma corrente que rejeita tanto o Direito Natural racional, como o Direito legalista e positivista. Eis aqui a Escola do Realismo Jurídico, que abordaremos no próximo artigo.

Bibliografia utilizada e complementar

Princípios da Filosofia do Direito — G. W. F. Hegel

A Luta pelo Direito — Rudolf von Jhering

Compêndio de Introdução à Ciência do Direito — Maria Helena Diniz

Filosofia do Direito — Miguel Reale

Lições Preliminares de Direito — Miguel Reale

Textos básicos de Filosofia do Direito: de Platão a Federick Schauer — Danilo Marcondes e Noel Struchiner

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Rick Theu

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