Noções básicas do Direito — Realismo Jurídico

Rick Theu
6 min readMar 29, 2022

Leia aqui os artigos anteriores: Jusnaturalismo; Escola da Exegese; Historicismo Jurídico.

O pensamento jusfilosófico não foi homogêneo nem tão reducionista ao dualismo jusnaturalismo vs. juspositivismo. Muito embora essas duas correntes tenham tido hegemonia e maior influência no pensamento dos juristas, é mister ressaltar que outras Escolas surgiram seja unificando ambas (ecléticas) ou até mesmo rejeitando as premissas dessas e partindo de abordagens não ortodoxas.

Se por um lado o Jusnaturalismo via o Direito como algo natural, racional, absoluto, produto da razão e de Deus, por outro lado o Juspositivismo enxerga a imanência do Direito, produto do legislador, se reduzindo à norma, ao positivado. E são essas bases que o Realismo Jurídico irá criticar e repropor a Ciência Jurídica de uma nova maneira.

Realismo jurídico (legal realism) é uma Escola do Pensamento da Filosofia do Direito que compreende que o sistema jurídico deriva do fato, afastando-se da cosmovisão e interpretação metafísico-idealista sobre o Direito. Usualmente, os pensadores dessa corrente costumam visualizar a decisão judicial emanada do Judiciário(que seria um ato de vontade política) como a verdadeira forma de determinação do Direito. Suas principais formulações se desenvolveram nos Estados Unidos da América e nos países escandinavos com formulações teóricas diferentes, mas também ganharam espaço em outros países.

Ao se dizer que o Realismo lida com os fatos, que o objeto para os realistas é o fato, não se refere ao fato lato sensu. O fato que é objeto de estudo para o Realismo Jurídico é a decisão judicial, pois, para eles, o Direito é produto da atividade dos tribunais e não o que se espera que ele faça ou o que as fontes do direito indiquem que ele faça (sendo isso, produto do legislador, que apenas faz uma expectativa de direito).

Partindo dessas premissas, o Realismo critica o moralismo idealista do Jusnaturalismo e ao normativismo purista do Juspositivismo. Nas palavras de Alf Ross, como uma prostituta, o Direito Natural está a disposição de todos. Não há uma ideologia que não possa ser defendida recorrendo-se à Lei Natural.

Ato contínuo, para o Realismo, o Direito não é uma ciência formal, normativa, como a Ética, não é produto do legislativo, que cria normas. O Direito corresponde as decisões repetidas dos tribunais (jurisprudência) e as regras sociais. É um fato social, logo o Direito é uma ciência social, sendo produto do Judiciário e não do Legislativo.

John Chipmann Gray, percursor da escola, ao lado de Oliver Wendell Holmes, que exerceu influência tanto na jusrisprudência sociológica como no realismo jurídico, distingui o Direito efetivo das fontes do Direito. O Direito efetivo constituiu-se de normas aplicadas pelos tribunais, e as fontes jurídicas são os fatores ou materiais que inspiravam juízes e tribunais no estabelecimento das normas efetivas de sua sentença, que constituíam o Direito real. Tais fatores eram as leis, os precedentes judiciais, doutrina, costume e princípios éticos. O juiz deverá , portanto, recorrer aos princípios morais da doutrina e dos costumes, inspirando-se nos precedentes. A norma só é jurídica após sua interpretação e aplicação pelo magistrado, depois de incorporada à sentença. O legislador só emite palavras que apenas entram em ação efetiva mediante as sentenças judiciais. O Direito passa a existir somente após a decisão judicial definindo-se como um conjunto de normas estabelecidas pelos órgãos judiciais de um certo grupo social, para determinação dos direitos subjetivos e deveres jurídicos. Logo, todo Direito efetivo é Direito elaborado pelo Poder Judiciário. Em última instância, o Direito efetivo está constituído por normas assentadas pela Suprema Corte de Justiça. (DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito)

As duas principais versões do Realismo Jurídico são o norte-americano e o escandinavo.

Realismo norte-americano

Condutivista: Direito é produto das decisões dos tribunais, pois a norma só é válida, aceita e eficaz se foi aplicada pelo Juiz. Oliver W. Holmes distingue o Direito nos livros e o Direito em ação; sendo este último o único com poder jurígeno. Para Jerome Frank, o Direito nada tem de geral, uniforme, certo, seguro, porque ele dá mais relevância à verdade das circunstâncias da vida cotidiana do que à invariabilidade da norma do Direito. Por isso, por estar petrificado em normas abstratas e idealistas, o Direito efetivo se aperfeiçoa e se atualiza paulatinamente com a ação decisiva do Judiciário na aplicação.

Oliver W. Holmes Jr

Realismo escandinavo

Psicologismo: Karl Olivercrona, na qual o Direito é um fato psicológico, sendo a norma válida se esta for aceita pela consciência jurídica popular. As regras tem como finalidade e objetivo o condicionamento de seus destinatários, para assim, moldar suas condutas.

Jurista dinamarquês Alf Ross

Severo crítico do Direito Natural, Alf Ross sintetiza o pensamento de Olivercrona e do Realismo norte-americano. A máxima que expressa a síntese de Ross é o Direito é vigente pois é aplicado e é aplicado pois é vigente. Na primeira parte da sentença resume a postura condutivista, de que se considera somente o que foi dito pelo Judiciário como válido, logo vigente. A segunda parte expressa a doutrina do psicologismo, visto que a norma só tem a eficácia prática pois já está na consciência jurídica do povo, sendo aceita.

Todavia, o Realismo Jurídico é criticado por fundir eficácia com validade (ser e dever-ser), pois nem todas condutas que são aceitas pelos indivíduos são obrigatórias e nem todas condutas prescritas pelo Direito são aceitas pelos indivíduos.

Há, de forma resumida, duas grandes críticas ao Realismo. A primeira nos diz que, se o Realismo fosse, de fato, seguido fielmente ao seu escopo teorético, o juiz poderia decidir de qualquer forma, afastando-se completamente do ordenamento jurídico e da própria compreensão moral da sociedade. Seria impossível fazer qualquer tipo de apreciação crítica às decisões judiciais caso isso fosse implementado.

A segunda grande crítica reside numa contradição interna da teoria. O Direito não pode ser apenas o que os juízes decidem, porque as próprias regras que definem a competência dos juízes estão previstas na ordem jurídica positiva, que não é decidida pelos juízes e sim pelo Poder Legislativo. Para decidir, um juiz precisa ser competente, e o que define a competência do juiz não são, a priori, as decisões judiciais, mas sim a Constituição Federal e as leis (de fato, a jurisprudência e os precedentes têm papel subsidiário e complementar aqui, embora também haja construção pretoriana em cima de regras de competência). É notável aqui que essa crítica, de fato, visualiza e expõe uma contradição performativa do realismo enquanto teoria, pois ela propõe a negação de algo que é transcendental, i.e., condição necessária para a proposta desse algo.

Nessa perspectiva, Alf Ross, procurou adotar um tom conciliatório entre o positivismo e o realismo norte-americano: entendeu que há regras prévias, que vinculam o juiz, mas que o conceito de validade jurídica dependeria, de fato, daquilo que fosse concretizado pelo juiz.

Nas palavras de Miguel Reale:

Karl Olivercrona e Alf Ross, dois expoentes do “Realismo Escandinavo”, são dois exemplos de empirismo coerente, estabelecendo entre fato e norma uma linha de continuidade estrita, visto ser contestado qualquer dualismo entre realidade e valor. Nessa linha de pensamento somente se admitem regras de direitos suscetíveis de verificação empírica, isto é, estabelecidas em função de fatores observáveis, ou, então, redutíveis logicamente a enunciados normativos já comprovados (verificação analítica). Nesse contexto, a regra jurídica é pretensamente considerada vazia de conteúdo axiológico, — não sendo boa, nem má, mas tão-somente “jurídica”, — de tal modo que a “validade” repousa sobre um “juízo probabilístico” sobre a sua futura aplicação pelos órgãos judicantes. (REALE, Miguel. Filosofia do Direito)

Por fim, a principal característica é que o Realismo Jurídico privilegia o sistema common law, dando mais poder e enfoque para o costume e para o Judiciário que para o Poder Legislativo e para a moral que fundamenta a regra, sendo portanto, uma corrente empirista antimetafísica que destoa da fundamentação moral do Jusnaturalismo e do racionalismo normativista do Positivismo, mas que também peca por reduzir o Direito a ação do juiz, confundindo o Direito com Ciências Sociais, bem como eficácia da norma com sua validade.

Desde já visualizado essa Escola que rompeu com a linha de pensamento vigente e hegemonica, iremos posteriormente adentrar na principal corrente jusfilosófica do século XX: o Juspositivismo.

Bibliografia utilizada e complementar

Direito e Justiça — Alf Ross

Compêndio de Introdução à Ciência do Direito — Maria Helena Diniz

Filosofia do Direito — Miguel Reale

Lições Preliminares de Direito — Miguel Reale

Textos básicos de Filosofia do Direito: de Platão a Federick Schauer — Danilo Marcondes e Noel Struchiner

Canal YouTube: Mateus Salvadori e Direito sem Juridiquês

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Rick Theu

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