SCRUM: Esse não é o livro para aprender como aplicar

Talvez o livro incrível do cocriador do Scrum não seja a melhor forma de aprender

Rinaldo Pitzer Júnior
9 min readDec 5, 2018

Desde o início do ano passado estudo Scrum e o mundo Ágil ao redor dele. Somente agora, uns 20 meses depois, que li um dos livros mais famosos no assunto: SCRUM — A arte de fazer o dobro do trabalho na metade do tempo. Escrito pelo cocriador, Jeff Sutherland, esse não é um livro para aprender como aplicar Scrum, mas sim por que aplicar Scrum. Então, se o seu objeto é aprender o como, talvez existam opções melhores, mas deixemos para depois. Vamos falar do livro. Todas as citações a seguir são dele.

Uma crítica ao funcionamento das empresas

A primeira definição formal do Scrum já tem mais de 20 anos. No livro fica claro que Jeff Sutherland já questiona o funcionamento de empresas desde antes disso, propondo uma nova forma de pensar e agir:

“Quando as pessoas estão envolvidas em um esforço criativo e intrincado, seja para enviar um foguete para o espaço, inventar um interruptor de luz melhor ou capturar um criminoso, os métodos tradicionais de gerenciamento simplesmente não funcionam.”

O primeiro e mais básico conceito é que planejamos demais apenas para nos sentirmos seguros, mas o problema é que essa segurança é só isso: um sentimento. Geramos milhares de documentos, gráficos e planilhas de horas, apenas para não seguir nada disso depois, ou pior, falir enquanto tentamos. O Scrum vira isso de cabeça para baixo, entendendo que seres humanos são incertos, péssimos em previsibilidade. E que isso nunca foi um problema, muito pelo contrário, é o alicerce da nossa criatividade. Jeff mostra porque ainda devemos planejar, mas não seguir cegamente os planos. Porque temos que nos abrir para a incerteza e, se for para fracassar, que seja quanto antes. E, porque ficar preso ao comando e controle, à previsibilidade engessada, irá fazer a sua empresa morrer.

Um passeio pela essência do Scrum

O autor investe um tempo razoável para nos mostrar alguns momentos de sua vida que o fizeram chegar ao que se intitulou Scrum. Por mais que pareça muito elegante pensar que certo dia ele sentou-se à sua escrivaninha e resolveu ditar as regras para um mundo melhor, não foi bem assim. Foi muitos anos em empresas que faziam tudo de uma forma que ele considerava desesperadora. Enquanto isso, questionava, lutava e sugeria novas formas de trabalho:

“Desde o primeiro dia, eu não conseguia entender por que as pessoas insistiam em trabalhar de uma forma que sabiam que era ineficiente, destrutiva, desumanizadora e deprimente. Acho que elas imaginam que, se todo mundo trabalha assim, esse deve ser o melhor método.”

E meu sentimento é que, apesar de Jeff ter percebido isso há mais de 20 anos, continuamos agindo assim. Ele mostra porque devemos parar de tentar adivinhar, e começar a fazer pequenos ciclos de planejamento, execução, validação e evolução. Porque temos que considerar o contexto em que estamos. Porque temos que montar equipes excelentes, multifuncionais, autônomas, capacitadas e com propósito. E, porque você deve primeiro seguir as regras do Scrum antes de decidir inovar.

Foco na equipe

Um dos pontos básicos do Scrum é a equipe, e como ela evolui. O autor dedica um capítulo inteiro para falar sobre elas. Ele mostra porque transformar equipes ruins em medianas é muito melhor do que tentar fazer todos os funcionários virarem gênios. Explica porque você deve buscar que suas equipes tenham um propósito, autonomia e sejam multifuncionais. Lembra que equipes pequenas trabalham melhor. E, para mim o melhor aspecto desse tema, mostra que a culpa não é das pessoas, mas sim dos processos e do contexto.

“Na verdade, são as interações com o ambiente que guiam nosso comportamento. É o sistema à nossa volta, e não uma qualidade intrínseca, o responsável por grande parte de nossa conduta. O Scrum é projetado para modificar esse sistema. Em vez de procurar culpa e falha, ele recompensa comportamentos positivos ao fazer com que as pessoas se concentrem em trabalhar em conjunto e completar as tarefas.”

Rigidez com horários, mas somente onde importa

Chegue no trabalho, bata o ponto, trabalhe por 3 horas, descanse por 1 hora, trabalhe por mais 5 horas, e então pode ir para casa. Essa é a rotina que as empresas gostam de exigir. E nem pense em se preocupar com algo que não seja seu trabalho!

Jeff mostra como isso é ridículo, como passamos muito mais tempo no escritório do que o necessário. Mas isso não significa que certa rigidez com tempos e horários não é necessária, apenas que você precisa saber escolher bem onde vai gastar essa energia. E o Scrum escolhe de forma clara: seu trabalho é separado em Sprints, que devem durar no máximo 1 mês. Nesse período, existem apenas 4 tipos de reuniões, todas com tempo máximo de duração, sendo uma delas diária de 15 minutos. As Sprints devem sempre ter o mesmo tempo de duração, e a reunião diária deve ser feita sempre no mesmo horário.

“A essência do Scrum é o ritmo. O compasso é algo essencial para os seres humanos. A pulsação está presente em nosso fluxo sanguíneo e embrenhada em alguns dos recônditos mais profundos de nosso cérebro. Buscamos padrões, somos feitos para encontrar o ritmo em todos os aspectos da vida.”

Por favor, pare de jogar trabalho fora

Encontre um ritmo, um fluxo constante, e pare de jogar seu tempo no lixo. Foque, faça apenas uma coisa de cada vez, e termine. Um trabalho pela metade é tão ruim quanto não fazer nada, ou até pior. Foque, se errar, corrija na hora. Jeff mostra porque não faz sentido trabalhar demais. Que seus objetivos devem ser motivadores, e não irreais e deprimentes. Que se você precisa de um herói para corrigir uma situação, você tem um problema.

“Fazer algo pela metade é, no fundo, não fazer nada.”

Ele nos lembra que nada é mais ridículo do que políticas empresariais idiotas: formulários, reuniões, aprovações, padrões. Se alguma dessas políticas parece inútil, ela provavelmente é.

Por fim, não permita pessoas ou comportamentos imbecis.

“Não seja um imbecil e não permita que esse comportamento ocorra. Qualquer um que crie caos emocional, inspire medo ou receio, humilhe ou diminua os outros precisa ser impedido de fazer isso.”

Seu planejamento provavelmente está errado

Durante a leitura, você aprende que planejar é tão legal e atraente, que muitas vezes dá mais foco ao planejamento do que ao plano. A empolgação de planejar é real, e o plano acaba virando um amontoado de pensamentos positivos irreais. A quantidade de papel só aumenta, e no final ninguém lê aquilo tudo. É um sistema onde todos trabalham alimentando uma ilusão. Somos péssimos até mesmo em estimativas, por isso o Scrum te sugere utilizar o Planning Poker, ou os Tamanhos de camiseta.

O autor não descarta o planejamento nem diminui sua importância. Você pode planejar só o necessário para a próxima entrega de valor. Ou seja, só a próxima Sprint. Monte suas demandas como histórias, e tenha uma medida de velocidade do time, isso será suficiente para seu plano.

“Você está certo: de fato, é necessário ter um plano. Mas o segredo é refinar o plano ao longo do projeto, em vez de fazer tudo com antecedência.”

Trabalhe feliz e atinja o sucesso

Funcionários devem trabalhar felizes, e isso não é por alguma questão ética ou moral (mas é ótimo se você pensar assim). A felicidade gera produtividade, criatividade e ajuda a tomar decisões melhores. Sua empresa pode falir se seus funcionários forem infelizes (e eu diria que provavelmente vai). Você pode quantificar, medir a felicidade, e buscar com que ela aumente a cada Sprint. E o esforço individual e de grupo deve ser recompensado para aumentar a felicidade.

“Sucessivos estudos mostram que a felicidade precede resultados importantes e indicadores de prosperidade.” É isso mesmo. As pessoas não são felizes porque são bem-sucedidas; elas são bem-sucedidas por serem felizes. A felicidade é um medidor profético.”

O autor deixa claro que está falando de felicidade real, e não complacência. E acredita que a autonomia e o propósito ajudam a trazer a felicidade. As pessoas querem ser donas de suas vidas.

E finalmente, acabe com o sigilo, nada deve ser secreto. Salários, finanças, tudo deve ser acessível.

“O obscurantismo só serve àqueles que servem a si próprios.”

Tome decisões rapidamente e baseadas em feedback

Jeff não poupa páginas para descrever e explicar sobre o Product Owner. Ele começa mostrando que um líder deve possuir conhecimento do negócio ao mesmo tempo que é um líder-servidor. Entendendo que isso seria muito complicado, criou dois papéis distintos: Scrum Master (SM) e Product Owner (PO).

“O essencial é descobrir como entregar o máximo de valor o mais rápido possível. Pode haver milhões de maneiras de organizar o backlog, mas a ideia é a entrega no período mais curto possível daqueles 20% de funcionalidades que concentram 80% do valor.”

O PO deve saber o que precisa ser feito e por quê, mas não como ou quem. Ele busca aquilo que tem maior valor e menor risco. Ele não tem medo de tomar decisões, e nem de abrir mão daquilo que pensava que seria necessário, pois decide com base em feedback. E muito importante, ele não é um chefe.

Mude e acelere

O Scrum vai acelerar as coisas, mas essa não deve ser sua preocupação inicial. Mude, transforme sua empresa ou organização, adote o Scrum. Se você fizer isso com vontade e honestidade, você verá resultados. O Scrum já é utilizado mesmo fora de empresas, como em escolas e ONGs. Ele é anticéticos:

“O cético suspira com conhecimento de causa e diz: “É assim que o mundo funciona. Os seres humanos são essencialmente corruptos e egoístas. Fingir o contrário é ingenuidade.” […] O Scrum é o código do anticético. Ele não espera passivamente por um mundo melhor nem se rende ao que existe. Pelo contrário, é um método prático e acionável para implementar a mudança.”

Começando

O autor enfim deixa um guia básico de como começar a utilizar o Scrum. Um “passo a passo” bem simples para o pontapé inicial. Uma lista de 11 itens que passa por escolher as pessoas, ter um backlog e iniciar o ciclo de execução de Sprints.

Como eu havia dito no início desse artigo, existem outras formas de aprender como aplicar o Scrum. A melhor e mais básica delas, para mim, é o Scrum Guide. Ele é o guia que vai te mostrar tudo que você precisa saber para começar. Leia-o muitas, mas muitas vezes. E acredite, ele não vai tirar todas as suas dúvidas. Aliás, tenho certeza de que surgirão mais dúvidas durante a execução. E você vai encontrar muito material na internet sobre como lidar com certas situações, mas lembre-se de começar seguindo as regras.

É normal encontrar um ponto ou outro do Scrum que você não consiga aplicar na sua empresa. Eu gosto muito dessas situações, pois elas geralmente deixam claro algo que está errado na sua empresa. E a solução é simples: mude.

Eu, particularmente, segui me preparando para a certificação PSM-I, a partir dos materiais indicados no site e fóruns da Scrum.org. Sinto que o conhecimento adquirido foi bastante útil para começar a rodar o Scrum.

De qualquer forma, mesmo que esse livro não seja a melhor forma de aprender como aplicar o Scrum, definitivamente é o melhor para entender por que aplicar Scrum.

Quer ler mais sobre Scrum?

Veja esse meu outro artigo!

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Rinaldo Pitzer Júnior

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