Visão: do ponto de vista de quem não vê tão bem assim

Rita Passos
3 min readFeb 25, 2023

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Bem-aventurados os que enxergam definição e contraste, tudo em seu lugar, sem esforço algum. Basta abrir os olhos, voalá, visão perfeita e nítida, para apreciar o universo dançando e explodindo em cores.

Sempre tive o desejo encubado de ser privilegiada assim, mas não costumo reclamar em voz alta porque só o fato de enxergar já me classifica como privilegiada diante determinado grupo.

Mas ainda assim… Existem pessoas dos genes imbatíveis que não possuem falha sequer na visão. Tanto que os postes, lâmpadas ou faróis, apenas iluminam e não os confundem. Miopia e astigmatismo é um pacotão. Nem vou mencionar detalhes das gotas de chuva ou a fumaça das sopas quentes, chás, cafés embaçando as lentes.

Ou isso

Sempre que troco a lente, geralmente a cada 12 meses, revivo a sensação que tive aos 8 anos quando coloquei pela primeira vez um óculos com o grau ajustado para minha visão e seu desfoque.

Momento único. Simplesmente passei a ver o mundo com atenção, as folhas das árvores eu enxerguei uma a uma, mesmo sem estar debaixo da árvore, os poucos e fracos pontos de luz da capital paulista (estrelas) eram evidentes e meus livros… Puxa vida! Eu não sabia como eles eram tão lindos na prateleira! Depois disso virou ritual admirar de todos os ângulos cada capa e lombada de um livro novo antes de juntá-lo aos outros.

Eu sempre li e enxergar bem para mim é luxo. Já cogitei fazer cirurgia, tenho grau o bastante para isso, mas o medo de perder visão total me paralisa, nada é 100% seguro e de jeito maneira arriscaria perder o que possibilita que eu ainda deguste de livros em sua totalidade. Dizem que miopia aumenta gradualmente, e de fato tem acontecido isso, talvez se ficar mais grave surja coragem. É complicado! No momento que você vê tudo que pode perder, você enxerga tudo o que tem. Isso vale pra muita coisa.

Meus óculos quebraram há 2 dias, que sufoco é esperar o novo e que tristeza ver o resultado do exame, os números depois da vírgula não param de subir. A duras penas estou sem ver o contorno, as cores, a vida como ela é. Porque eu sei como é, esse é o problema, o que os olhos não veem o coração não sente. Já não sou a criança inocente que não percebeu detalhes bonitos que fazem parte do cotidiano, eu sei que eles estão lá, em algum lugar, e não tenho o dom natural de apreciar pois fui parcialmente vetada de um dos meus sentidos.

Privilégio é enxergar a estrada, numa viagem de carro, as plantações de algodão tem um ar tão místico; as pessoas que amamos; comidas que gostamos. Apreciar arte do outro; a nossa. Ver o sorriso se formando no rosto de alguém querido quando nos vê de longe, abrir um sorrisão de volta. Olhar as crianças até adormecerem; acordar e ver o feixe de luz entrando pela janela; as folhas de outono caindo quando bate um vento forte. Assistir um arco-íris se formando; o entardecer; as ondas; a cidade miúda lá dos ares; tartarugas e peixinhos colocando a cabecinha pra fora d’água, a felicidade estampada dos nossos bichinhos quando chegamos em casa, a fumaça do incenso que mais parece mágica.

Fevereiro, para a maioria é o mês do carnaval e folia, inclusive gosto, mas vai além para mim, é o mês de refazer a bateria de exames com o meu oftalmo, que inclusive desta vez fez mais exames que o normal, graças a minha série de reclamações.

“Olha, nem ler eu tô conseguindo mais, Vitor”, “você lê livro físico ou Kindle?” “Os dois”. Perguntou quanto tempo eu ficava diante as telas e outras coisas que depois dos exames atípicos resultaram em um diagnóstico bom e ruim: quase 1,0 grau do meu grau era devido ao esforço de vista e tempo demais diante as telas. E poderiam cair, bem como aumentar; isso dependeria dos meus cuidados. Muito que bem, estudo e trabalho com computador então esses quase 1grau não irão cair.

Em resumo, se os genes da família não tivessem falhas, eu mesma teria criado a falha e também estaria aqui reclamando.

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