do que é que você vai brincar hoje?

Robson Alessandro
4 min readAug 29, 2020

Faz um tempinho que eu estava com essa vontade de escrever sobre coisas que a gente brincava quando criança mas eu achava que precisava de um pouco mais de caldo pra isso, de um pouco mais de inspiração para elaborar um texto que não ficasse só nessa rememoração mas que abordasse esse hábito na vida adulta também.

Foi daí que lendo “Essencialismo”, livro do Greg Mckeown, e ele defendendo o ato de brincar como uma das etapas para focar no que é essencial em nossa vida, me deparei com a frase:

“Brincar, que defino como tudo o que fazemos apenas pela alegria de fazer e não como um meio para atingir um fim — seja empinar pipas, ouvir música ou jogar bola -, pode parecer uma atividade não essencial e geralmente é assim que é tratada. No entanto, brincar é essencial em muitos aspectos.”

Antes de seguir, eu volto um pouco para a infância. Você se lembra do que você brincava? Como eram estes momentos onde você se aventurava em uma diversidade de coisas que não tinham um fim? Tudo era feito porque você sentia prazer no fazer, porque era divertido criar, imaginar, passar o tempo com os amigos até que a mãe chamasse pra ir jantar?

A atividade de brincar não é algo ensinado a nós enquanto crianças. A gente aprende isso a partir de um ato de curiosidade, de conhecer e de inventar possibilidades de interagirmos com as coisas e as pessoas. “Brincar expande a mente de um jeito que nos permite explorar: fazer novas ideias brotarem ou ver as antigas sob uma nova luz”, diz ainda Greg.

Lembro também que não havia impedimentos pra brincadeira acontecer. Não tinha um “falta isso pra começar”, um “não tenho tal coisa pra fazer”, ou um “ninguém vai gostar mesmo, então nem vou começar”. A gente ia lá e fazia do jeito que dava, sem limites pra imaginação e sem medo de julgamentos. A gente queria era só brincar.

Esses dias lembrei que eu tinha uma câmera filmadora preto&branco bem ruinzinha, tinha ganhado acho que de algum amigo, e eu gravei coisas incrivelmente toscas com ela e muito divertidas. Fiz um filminho que se chamava “O Mistério de Adelaide” e contava a história de um assassinato misterioso numa cidade do interior e eu usava uma imagem de um jogo de PSOne na edição com um cara se jogando da janela porque, (né?) como é que a gente ia gravar isso?!

Gravei também uma série de entrevistas com os amigos sobre um suposto “corpo seco” na região — era um fantasma que rondava muitas lendas mineiras. Fiz um trabalho de química da escola gravando um telejornal onde, no final, mais tinha erros de gravação pros colegas darem rizadas do que de fato conteúdo da matéria. E tudo isso sem me preocupar se ia ficar bom ou não, se as pessoas iam gostar ou não, apenas era muito divertido fazer. Eu deixava minha imaginação solta e não tinha diabos que eu não dava um jeito de fazer.

Passando de transformar a minha casa inteira num labirinto mal assombrado e cobrar R$0,50 pra criançada entrar até montar um jogo de investigação com os amigos do teatro que acontecia na cidade inteira.

Percebe que tudo isso foi feito apenas com foco no “fazer”? O foco era “brincar” e isso hoje me faz perceber o quanto construiu e lapidou minha habilidade criativa e, principalmente, me fez entender a importância dessa habilidade. Não há como sermos criativos se não nos predispusermos a brincar.

colagem de Eugenia Loli.

“Já parou pra pensar que, muitas vezes, os momentos em que nos sentimos mais vivos, aqueles que criam as melhores lembranças, são momentos lúdicos?”

Volto agora pros dias de hoje, a vida adulta. Desde nossa educação na verdade, por termos passado por um modelo de escola que vem lá da Revolução Industrial onde a preocupação era formar novas pessoas prontas para a linha de produção, até nosso ambiente de trabalho hoje que está inserido nos mesmos moldes — salvo algumas novas empresas que estão mudando esses conceitos — fomos incentivados a “não brincar”. Temos que produzir, temos que consumir, temos que fazer a máquina girar e não somos permitidos ao ócio, ao lúdico, ao brincar.

“Brincar é trivial, uma perda de tempo, desnecessário e coisa de criança”.

Nós precisamos aprender a ir contra essa máxima, esses valores tão cultivados hoje, e entender que brincar é essencial. Brincar estimula partes do nosso cérebro responsáveis pelo raciocínio lógico e pela capacidade de exploração e aprendizado. Temos que cultivar o hábito e a rotina de brincarmos porque isso irá nos ajudar a ser mais criativos e a transformar a qualidade de todas as outras atividades que exercermos. Uma mente mais curiosa, mais ativa, mais imaginativa, é capaz de produzir com mais qualidade, capaz de se adaptar a todo tipo de desafios e adversidades. Capaz de aprender e absorver conteúdo novo com mais precisão.

Coloque essa atividade como parte importante da sua agenda. Defina momentos para brincar. Momentos onde você vai fazer algo sem propósito, sem fim definido, somente com o intuito de se divertir e deixar sua imaginação fluir.

Permita-se manter sua criança interior ativa para que ela seja capaz de contaminar tudo à sua volta, te ajudando a enfrentar os obstáculos da vida com mais consciência, criatividade e foco. Não aprisione sua imaginação e sua capacidade de brincar.

Por isso eu te pergunto, do que é que você vai brincar hoje?

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Robson Alessandro

escrevo sobre criatividade, autoconhecimento e tarô. não nessa ordem e quase sempre tudo junto. tenho uma newsletter em: bit.ly/jardim150news