EUA III: Blockbuster or die

Como o negócio se organizou para aferir rendimento máximo dos poucos títulos de sucesso.

Roberto Moreira
O negócio do audiovisual
8 min readSep 12, 2019

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Para fazer frente à concorrência da TV, o perfil dos filmes mudou, acompanhando o surgimento do sistema de empacotamento unitário. Dizia-se nos anos 50; “Make them big; show them big; and sell them big” (Balio, 2009. p.125). Quando conquistou o direito de escolher, o espectador tornou os resultado dos filmes imprevisíveis e concentrados. Agora, os filmes de alto orçamento passaram a produzir maior renda e os recursos dos estúdios se concentraram nesse segmento. Historicamente, essa tendência pode ser constada no gráfico abaixo. Conforme cai a renda dos cinemas, os dez filmes de maior bilheteria gradualmente capturam mais receita.

Receita dos dez filmes de maior renda e o gasto do consumidor com cinema nos EUA, (1946–65). Fonte: (Pokorny e Sedgwick, 2010)

Mas foi só em 1974 que consolidou-se o formato e o método de distribuição do blockbuster moderno com Tubarão (1975). Esse foi primeiro filme lançado com muitas cópias, no total 500 salas, quando o normal na época era 125–150. A outra inovação foi utilizar uma maciça campanha de televisão, com anúncios de 30 segundos nas três redes nacionais durante os três dias anteriores ao lançamento. A televisão deixou de ser adversária e passou a ser aliada. Na sua abertura, Tubarão quebrou todos os recordes, faturando 36 milhões de dólares em sete dias. Com um custo de 8 milhões de dólares para produzir, mais 1,8 milhões na sua promoção, o filme faturou quase 200 milhões só nos EUA. As ações da MCA, empresa mãe da Universal, dobraram de valor graças à receita do filme. De repente, um só filme podia transformar o destino de uma empresa.

Nos anos 80–90, 31% dos filmes eram de alto-orçamento, 35% de médio-orçamento e 34% de baixo orçamento, ou seja, o cinema viu-se forçado a diferenciar seu produto (Pokorny e Sedgwick, 2010). Esse processo de concentração de resultados em poucos filmes com grandes valores de produção continuou aumentando. Como observa De Vany em 2004:

78% dos filmes dão prejuízo e apenas 22% dão lucro. … A estatística mais dramática é esta: apenas 6,3% dos filmes recebeu 80% do lucro total de Hollywood na última década. (De Vany, 2004. p.214)

O objetivo da estratégia de investimento em blockbusters é destacar-se da competição, ganhar a batalha pela atenção do público (Elberse, 2013). E um filme é tão mais competitivo quanto mais valoriza aquilo que é específico do cinema: uma sala com tela grande, som excepcional, oferecendo um espetáculo visual e sonoro capaz de explorar esses recursos.

O mercado internacional

A crise de público do pós-guerra também afetou o mercado internacional. Ao mesmo tempo que os estúdios perdiam espectadores no mercado interno para televisão, no internacional tinham que enfrentar cinematografias fortes como a italiana e a francesa. Durante os anos 50 e 60, a indústria americana ficou numa posição fragilizada frente às outras cinematografias. A presença ainda modesta da TV nos demais mercados permitiu que os cinemas nacionais se fortalecessem. O resultado foi uma acentuada decadência da penetração do filme americano no mercado internacional, até atingir o menor percentual de sua história em 1974.

Fatia do mercado internacional ocupada pelo filme americano. Fonte: (Waterman, 2005. p.182)

Mas a reação não tardou. Para enfrentar um mercado interno altamente competitivo, o cinema americano, como vimos, procurou estratégias agressivas de diferenciação e comercialização do seu produto. Esses filmes vencedores nos “torneios de sobrevivência”, em especial os blockbusters dos anos 70, quando foram exportados esmagaram impiedosamente os títulos das outras cinematografias e, pouco a pouco, o espaço perdido foi reconquistado, reafirmando a hegemonia americana sobre o mercado mundial. Hoje os produtos americanos contam com valores de produção inigualáveis.

Waterman (2005) pergunta-se de onde saiu o capital necessário para os altos investimentos nesses filmes-evento e afirma que a penetração da televisão, e sobretudo do cabo, esvaziou os cinemas, mas depois abriu novos mercados para os estúdios. Já nos anos 50 começaram a oferecer programação sob encomenda para as emissoras e, a partir dos anos 60, um mesmo filme passou a ser rentabilizado sucessivas vezes: primeiro nas salas de cinema, depois na TV paga e, por fim, na TV aberta. O surgimento do videocassete veio acrescentar mais uma fonte de renda. É o mesmo sistema de zonas criado por Zuckor adaptado às novas tecnologias.

A criação das várias janelas de comercialização permitiu que um mesmo produto, sem acréscimo em seu custo, aferisse repetidas vezes uma nova renda em cada segmento de mercado. Assim, os estúdios foram capazes de acumular um grande volume de capital, que, por sua vez, foi investido num número constante de filmes. Ou seja, os estúdios preferiram realizar filmes cada vez mais caros. De 1975 até 2003, o custo médio de produção de um filme americano aumentou 19 vezes, de US$ 3,1 milhões para US$ 63,8 milhões em valores atuais, enquanto o número de filmes lançados aumentou de 138 para 194, ou seja, apenas 41% (Waterman, 2005. p.205).

Essa estratégia é racional porque, como vários estudos do mercado americano indicam, há uma relação positiva entre custo de produção e bilheteria do filme. Filmes mais caros, com um elenco estrelado, sistematicamente fazem mais dinheiro (Waterman, 2005. p.176). A produção de filmes evento é estratégia necessária para enfrentar um mercado altamente competitivo, não integrado verticalmente, com um público que exige produtos com valores de produção muito diferenciados. (Pokorny, 2005. p.292). Efeitos especiais, reconstituições históricas, cenas de ação são elementos que têm uma atração universal e que conferem a esses filmes uma grande vantagem no mercado internacional. Ao invés de aumentar o número de filmes, Hollywood aumentou os orçamentos. A entrada desses filmes com gigantescos valores de produção explica o crescimento vertiginoso da penetração americana nos mercados mundiais a partir dos anos 70. Hoje essa tendência se mantém. Frente à concorrência do digital, os estúdios estão diminuindo o número de filmes que produzem.

Consolidação Corporativa

Impedidos de crescer verticalmente, os estúdios avançaram em um processo de integração horizontal. Já nos anos 30, com o advento do som, haviam incorporado gravadoras. Nos anos 50, a Disney diversificou com parques temáticos e a Universal, com a produção para televisão. Mas a trajetória da Warner talvez seja a mais emblemática (Gomery, 2005). Em 1969 foi adquirida pelo conglomerado Kinney Corp, também proprietário da DC Comics. Em seguida, a empresa seria dividida e constituiu-se a Warner Communications, que incluía também a Warner Bros Records Inc e Warner Bros Music Publisher Holding, Inc., que juntas eram uma das seis maiores gravadoras do mundo. A Warner percebeu que os chamados “mercados secundários” ganhariam crescente importância na renda de um filme e entrou no negócio da TV a cabo, movimento que culminou em 1989 com aquisição da HBO através da fusão que criou a Time Warner, o maior conglomerado de comunicação do mundo na época, num negócio de 15 bilhões de dólares. A Warner também comprou a Knickerbocker Too Company, o fabricante de brinquedos proprietário de marcas como Sesame Street e origem da divisão de merchandising da empresa. O lançamento de Superman — O filme (Donner, 1978) é um marco na sinergia das várias divisões da empresa na promoção e na maximização da receita de uma franquia, hoje regra entre todas as majors. Ao final desse processo, a renda dos cinemas passou a responder por apenas um quarto da receita total de um filme. Em 2000, frente à ascensão da internet, a Time Warner funde-se com a AOL.

Esse movimento foi seguido pelos demais estúdios. Nos anos 90, com a adoção de uma política anti truste mais tolerante, rapidamente formaram-se grandes corporações que vão integrando sempre novos setores, acompanhando mudanças na economia. Hoje a Disney é o principal estúdio graças a seus parques e licenciamentos. Talvez seja a única major capaz de resistir à nova leva de mudanças produzidas pelas tecnologias de streaming. Mantendo a tradição, a Time-Warner lidera o processo e foi comprada pela empresa de comunicação AT&T. Este movimento é estratégico para Time-Warner, pois lhe dara acesso direto aos assinantes dos serviços de telecomunicação da AT&T. A chegada das novas plataformas de distribuição vai reorganizar todo o negócio. Netflix entrou no mercado investindo 8 bilhões de dólares por ano em programação, Amazon, 6 bilhões, e Apple, 1 bilhão. Google e Facebook tornaram-se o principal concorrente da TV aberta na venda de publicidade. A Fox foi comprada pela Disney. Será mais uma rodada de fusões e compras, sempre no sentido de uma maior integração vertical e horizontal de mercados.

E a produção independente?

Apesar da escala e dos recursos dessas organizações, o caráter imprevisível da performance cinematográfica impede a completa racionalização do processo de produção, como podemos observar em dois aspectos.

Primeiro, o produtor independente ganha cada vez maior poder de barganha, pois pode ofertar seus serviços para um número maior de compradores, que disputam avidamente talentos e propriedade intelectual. Como observa Vogel:

… nós vemos uma combinação de grandes organizações oligopolísticas de produção/distribuição/financiamento relacionando-se regularmente com e sendo muito dependentes de um conjunto fragmentado de pequenas empresas, especializadas em serviços e produção.

Ao menos, em Hollywood, pequenos peixes energéticos muitas vezes podem nadar com grande agilidade e sucesso em meio a gigantescas baleias, grande variedade de tubarões e esfomeadas piranhas. Hollywood está sempre em fluxo, um protótipo da nascente economia em rede, se montando e desmontando para o próximo negócio, filme ou tecnologia. (Vogel, 2010)

Segundo, a demanda é cada dia mais imprevisível. No cinema, a atenção do espectador é disputada por um grande número de distribuidores que lançam muitos títulos toda sexta-feira. Mas outras atividades também disputam o público: as várias redes de televisão, a televisão paga, o videogame, a internet, o Youtube, o vídeo sob demanda, restaurantes, espetáculos e o produto gratuito da pirataria. A esse ambiente de acirrada competição, soma-se um fluxo constante de informação através da internet, que molda a decisão de consumo. O espectador intui com muita precisão de que tipo de filme vai gostar e não corre riscos. O ingresso é caro e ele faz uma escolha à prova de erro. Por essa razão, hoje em dia, mesmo filmes com bom investimento no lançamento já estão vazios na sexta-feira. Não há estratégia de marketing que consiga impor nem mesmo uma renda mínima para o filme.

O espectador pode escolher o que , quando e como quer assistir, claro que através da mediação das interfaces da rede, mas sem a interferência de um gestor que escolhe de cima para baixo como nos oligopólios de antigamente. O entretenimento digital, com sua redes de relacionamento, pirataria e oferta ilimitada de produtos, oferece novos desafios.

O audiovisual mundial vai enfrentar nos próximos anos uma transformação profunda, semelhante àquela do pós-guerra. Será um período doloroso, no qual antigos paradigmas terão que ser abandonados, mas novas oportunidades vão surgir. Inovar não é apenas um objetivo institucional dos governos, mas sim pré-requisito para as empresas do setor sobreviverem. Os filmes terão que enfrentar um mercado global e uma abundância de opções de entretenimento. Para gerar conteúdos capazes de sobreviver nesse mundo, são necessárias também estruturas de produção inovadoras. O Brasil está preparado para enfrentar estes desafios? Como cinematografias em economias menores enfrentaram o risco do negócio cinematográfico? Vou descrever três estratégias de sucesso no próximo texto.

Referências

BALIO, T. United Artists: The Company That Changed the Film Industry — Volume 2, 1951–1978. Madison, Wis.: University of Wisconsin Press, 2009.

DE VANY, A. Hollywood Economics: How Extreme Uncertainty Shapes the Film Industry. Routledge, 2004.

ELBERSE, ANITA. Blockbusters : Hit-Making, Risk-Taking, and the Big Business of Entertainment. New York: Henry Holt and Co., 2013.

GOMERY, D. The Hollywood Studio System: A History. London: British Film Institute, 2005.WATERMAN, D. Hollywood’s Road to Riches. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2005.

POKORNY, M. Hollywood and the Risk Environment of Movie Production in the 1990s. In: POKORNY, M.; SEDGWICK, J. An Economic History of Film. London; New York: Routledge, 2005.

POKORNY, M.; SEDGWICK, J. Profitability trends in Hollywood, 1929 to 1999: somebody must know something1. The Economic History Review, 2010. 63(1).Superman — O filme. Direção: Richard Donner. Los Angeles: Warner Bros., 1978.

Tubarão. Direção: Steven Spielberg. Los Angeles: Universal Pictures, 1975.

VOGEL, H. L. Entertainment Industry Economics: A Guide for Financial Analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

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Roberto Moreira
O negócio do audiovisual

Diretor, roteirista e professor livre-docente da USP. Foi presidente do Siaesp, membro do Conselho Superior de Cinema e do Comitê Gestor do FSA.