Sábado de Blues: 5 Clássicos do Rock que Nasceram no Blues #1

Rob Gordon
7 min readNov 7, 2015

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O blues é um dos pais do rock — e não há nem como começar a negar isso. Hoje, é senso comum afirmar que o rock é uma junção entre o blues e o country. É uma definição simplista, pois outros gêneros musicais entram nessa fórmula, mas que não está totalmente longe da verdade — especialmente quando começamos a perceber que diversos blueseiros estavam fazendo rock já na década de 40, muito antes do termo “rock and roll” ser criado.

Além disso, boa parte dos heróis das primeiras gerações do rock enxergam cantores de blues como seus grandes ídolos. O blues — seja cantado num bar à beira de estrada do Mississipi dos anos 30 ou numa boate esfumaçada da Chicago da década de 50 — é influência predominante nas carreiras de nomes como Eric Clapton, Keith Richards, Elvis Presley, Jimmy Page e tantos outros.

E é por isso que muitos desses músicos gravaram suas próprias versões de clássicos do blues… E algumas delas se tornaram até mesmo mais famosas — ao menos para o público atual — que suas versões originais. Esse é a ideia por trás dessa série de posts que estreia na Sábado de Blues esta semana: mostrar que alguns dos maiores sucessos do rock são mais antigos que você pensa. E que eles nada mais são que o legado vivo do blues.

That’s All Right Mama
Elvis Presley — 1954

Uma das maiores discussões dentro do mundo da música gira em torno da data de criação do rock and roll. Se em alguns poucos gêneros musicais a data parece ser mais clara — no caso do heavy metal, a convenção é considerar o lançamento do primeiro disco do Black Sabbath, em 1970 — no rock tudo é muito mais cinzento. Porém, muitas pessoas consideram o lançamento de That’s All Right Mama (ou apenas That’s All Right), em 19 de julho de 1954, como marco inicial do estilo.

Eu, pessoalmente, não concordo. Muitos anos antes disso já se fazia um som parecido com o rock and roll — mesmo a expressão é mais anterior, de 1951. Mas isso não apaga a importância da data ou do lançamento. A canção fez Elvis decolar para o estrelato e, independentemente de pioneirismos, mudou a história da música.

Talvez seja por isso que muita gente se surpreende ao saber que That’s All Right Mama era a regravação de um blues lançado por Arthur “Big Boy” Crudup, poucos anos antes — alguns versos (justamente os que dão nome à música) bebem em trechos de Black Snake Moan, composta em 1926 por Blind Lemon Jefferson. Apesar de nunca ter feito muito sucesso com a música (ou justamente por causa disso), Crudup lançou uma música virtualmente idêntica, mas com outra letra, chamada I Don’t Know.

House of the Rising Sun
The Animals — 1964

Certo. Aqui vamos espremer um pouco a verdade, já que não falaremos propriamente de blues. O ponto é que House of The Rising Sun, o maior sucesso não apenas da banda inglesa The Animals — que era pródiga em gravar blues — como da história do rock é uma antiga canção folclórica cujo autor é desconhecido.

Suas origens (tanto em tema como em melodia) estão em várias canções dos séculos dezesseis e dezessete. A primeira gravação que se tem notícia é de 1933, feita pelos artistas Clarence “Tom” Ashley e Gwen Foster — Ashley, nascido em 1895, contava que havia aprendido ela com seu avô. De lá para cá, tantos grandes nomes do folk gravaram a canção, a exemplo de Woody Guthrie, Bob Dylan, como cantores que ficam no meio do caminho entre o folk e o blues, caso de Lead Belly.

Mas foi em 1947 que a canção ganhou o formato mais próximo daquilo que seria imortalizado quase duas décadas depois pelos ingleses do The Animals, com a gravação de Josh White. Ao compor novos trechos e melodias para a música, ele estabeleceu uma espécie de padrão que serviria como base para as gravações posteriores. Ou seja, House of The Rising Sun não é blues, mas a história do blues definitivamente passa pela canção.

Back Door Man
The Doors — 1967

Os Beatles mudam tudo (novamente) com Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band. Os Rolling Stones lançam o magistral Their Satanic Majesties Request. O fantástico The Who Sell Out prepara o terreno para Tommy. Jimi Hendrix reinventa a guitarra em Are You Experienced? e o Pink Floyd lança seu álbum de estreia, The Piper at the Gates of Dawn. 1967. Nunca mais haverá outro ano como esse.

Em meio a tantas bandas influenciadas — em maior ou menor grau — pelo blues, foi uma banda californiana que prestou a primeira homenagem ao gênero daquele ano, lançando seu disco de estreia, batizado simplesmente de The Doors. Um dos maiores discos de estreia de todos os tempos, o álbum abria seu segundo lado com Back Door Man, uma música extremamente sensual — algo valorizado também pela voz e gemidos e grunhidos de Jim Morrison.

Hoje, a versão do Doors é considerada a melhor versão de um dos maiores sucessos de Howlin’ Wolf. Composta pelo mago Willie Dixon e lançada em 1961, a canção tem uma letra simples que fala sobre um sujeito que namora apenas mulheres casadas (daí a expressão Back Door Man, tão popular no blues, que se refere ao amante entrar escondido pela porta dos fundos). Boatos de que a música gira em torno de sexo anal? Bobagem. Mas é inegável que essa interpretação ganhou força com a versão do Doors, que praticamente transpira sexo.

Crossroads
Cream — 1969

Existe algum músico de rock que goste mais de blues que Eric Clapton? Provavelmente não. Em sua autobiografia, ele passa a maior parte do tempo falando sobre blues — ele chega até mesmo a quase pedir desculpas por ser chamado de “deus da guitarra” enquanto os antigos blueseiros são deixados de lado.

Hoje, ele parece ter praticamente deixado o rock de lado e toca quase que apenas blues, mas sua carreira inteira é recheada de versões modernas (e excelentes) para clássicos do blues. Entretanto, décadas antes de gravar um disco inteiro tocando composições de Robert Johnson, Clapton prestou sua primeira homenagem ao mestre ainda nos tempos do Cream, ao lado de Jack Bruce e Ginger Baker, com a versão fantástica de Crossroads.

É inegável que o Cream é uma das maiores bandas de todos os tempos e Crossroads (Falei mais sobre a original no texto sobre Robert Johnson) deixa isso claro. O Cream se apropria da música e coloca todo seu estilo ali, fazendo com que um blues dos anos 30 se modernize, com um ritmo acelerado (a canção tem um pé no que seria o heavy metal) e solos fantásticos. Na mão dos ingleses, a canção ganha vida própria, mas jamais perde sua essência. Obrigatória tanto para quem gosta de blues como de rock.

Whole Lotta Love
Led Zeppelin — 1969

Mais de um milhão de cópias vendidas. Figurinha carimbada em todas as listas de melhores canções da história do rock. Uma das responsáveis pelo enorme sucesso que o Led Zeppelin conquistou. Whole Lotta Love, um dos maiores hinos da história do rock, também nasceu do blues. Ou, ao menos, é o que foi acertado às portas de um tribunal.

Os casos de plágio executados pelo Led Zeppelin são tão famosos quantos variados. Alguns fãs dos ingleses não querem nem tocar no assunto; eu continuo gostando da banda, mas tenho consciência que, em diversos casos, é impossível chamar a semelhança de “apenas coincidência”. Whole Lotta Love é um desses casos. Se a parte instrumental traz apenas semelhanças com o ritmo de You Need Love (composta por Willie Dixon e gravada por Muddy Waters em 1962), a letra é assustadoramente parecida.

Robert Plant canta que You need coolin’ / Baby, I’m not foolin’ / I’m gonna send you / Back to schoolin’ / Way down inside / Honey, you need it / I’m gonna give you my love. Uma primeira estrofe extremamente parecida com You got yearnin’ / And I got burnin’/ Baby, you look so / sweet and cunning / Way down inside / Woman, you need love / You got to have some love de You Need Love. Praticamente toda a letra segue na mesma toada, com diversas semelhanças.

O caso foi parar nos tribunais, e a banda inglesa chegou a um acordo com Dixon, que passou a ser creditado como coautor da música e recebeu um cheque de um valor não divulgado — que ele doou para a Blues Heaven Foundation, fundação criada por ele para garantir que os direitos autorais das músicas de blues sejam respeitados. Não foi o único caso em que o Led Zeppelin foi acusado de plágio. E também não foi a única vez que eles foram obrigados a mudar a autoria de uma canção ou pagar uma indenização.

Quem escapou impune da briga ao redor de Whole Lotta Love foi o Small Faces, que gravou, em 1966, You Need Loving, claramente “inspirada” em You Need Love, e sem os créditos — e de onde Robert Plant teria “emprestado” algumas frases. Dizem que ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Nesse caso, foi o contrário: enquanto o Led Zeppelin foi processado, o Small Faces permaneceu impune.

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