Sábado de Blues: A História de Blue and Lonesome #1

Rob Gordon
5 min readDec 3, 2016

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Para quem gosta de blues, o anúncio de um novo álbum dos Rolling Stones foi uma das grandes notícias do ano. Não se trata apenas do primeiro disco dos ingleses desde 2005. É, na verdade, um retorno completo às origens da banda, contando apenas com covers clássicos de blues.

A estratégia de gravar um disco homenageando suas principais influências não é novidade, e muitos grupos de rock já seguiram esse caminho. No caso dos Stones, o brilho está em recuperar o blues (especialmente de Chicago, algo que eles são fãs e especialistas), mas sem canções óbvias, apresentando ao público músicas e artistas menos conhecidos.

Assim, o disco será o tema não apenas deste texto, mas do próximo a ser publicado nessa coluna. Mas não é uma crítica detalhando as músicas dos Stones: a ideia é seguir o caminho do disco e apresentar um pouco a história das músicas (e dos seus intérpretes) do repertório do novo disco dos Stones.

Importante: como nem todas as canções do novo disco dos Stones já estão no Youtube, colocarei apenas os vídeos das versões originais. Mas, nesta lista do Spotify, está o disco completo dos Stones e todas as outras versões de cada canção citadas aqui. E, como de costume, os links levam para textos anteriores dessa coluna (ou outras versões das músicas).

Just Your Fool
(Little Walter — 1960)

Em 1954, a canção foi composta e gravada por Bud Johnson, um dos grandes nomes do jump blues, com o nome de I’m Just Your Fool. Entretanto, a canção namora mais com o jazz, pelo seu ritmo suave e pelos vocais de Ella Johnson, irmã de Bud. Mas não foi exatamente dessa fonte que os Stones beberam, e sim da versão de 1960, gravada por Little Walter.

Mudando a letra da música, e encurtando o título para Just your Fool, Walter conseguiu, no mesmo ritmo da canção, transformá-la num exemplar perfeito do blues de Chicago. Acompanhado de lendas como o pianista Otis Spann, Walter mostra seu talento sobre-humano na gaita e sua voz já rouca (dizer que sua vida era boêmia é praticamente um eufemismo) combinam ainda mais o clima dolorido da canção.

Commit a Crime
(Howlin’ Wolf — 1966)

Aqui vamos para outro monstro do blues de Chicago, Howlin’ Wolf, com uma letra que, como é comum no blues, fica entre o relacionamento difícil e a violência física. A história é simples: o cantor está saindo de casa “antes que cometa um crime”, já que sua mulher já tentou assassiná-lo mais de uma vez, até mesmo envenenando seu café.

A violência da canção, gravada em 1966, porém, não saiu da mente de Wolf, e sim de St Louis Jimmy Oden, pianista que, após um acidente de carro, começou a ganhar vida como compositor. Mesmo famosa como “Commit a Crime”, a canção oficialmente se chama “What a Woman” –ela aparece com esse nome, por exemplo, no álbum Howlin Wolf’s London Sessions, de 1971, que conta com as presenças de Charlie Watts e Bill Wyman, baterista e baixista (até 1993) dos Stones.

Blue and Lonesome
(Little Walter — 1959)

A canção que dá nome ao álbum também resgata Little Walter, que parece ser o grande homenageado do disco — e isso não é à toa, já que Walter sempre foi uma das grandes influências de Jagger, que é um excelente gaitista, algo que nem todo mundo sabe. Mesmo lançada como single somente no meio dos anos 60 (como Lado B de Mean Ole Frisco), Blue and Lonesome foi gravada em 1959, para o álbum Hate to See You Go).

É um exemplar perfeito do blues de Chicago, com um som moderno, arrojado e estupidamente triste. Alguns sites indicam que o autor da música seria o pianista Memphis Slim, mas isso é um erro: em 1949, Slim gravou Blue and Lonesome, mas a única coisa que as canções têm em comum é o nome, e mais nada.

All of Your Love
(Magic Sam — 1957)

Em 1967, Magic Sam gravou o disco West Side Soul que mudou a história do blues de Chicago — e sempre lembrando que mudar a história do blues de Chicago era o mesmo que mudar a história do blues. Sam era um gigante, mas sua carreira foi interrompida cedo demais, quando morreu por causa de uma parada cardíaca, em 1969.

Porém, antes de escrever um novo capítulo na história do blues, Sam já percorria o circuito de Chicago, se apresentando em clubes e gravando para a Cobra Records. All your Love (sem o “of” do disco dos Stones) foi seu primeiro single — o som ainda é parecido com o blues clássico da cidade, mas já mostra o talento e a voz poderosa do guitarrista. Nascia um gênio.

I Gotta Go
(Little Walter — 1955)

Sim, Little Walter novamente. Mas, aqui, temos uma canção do começo da carreira solo do gaitista, quando ele ainda tocava acompanhado de sua banda, Jukes. E, ao contrário das outras canções de Walter que apareceram até agora, aqui se trata de uma música mais dançante, provavelmente pensada para ser tocada em clubes.

Os Stones estão longe de ser os primeiros a gravarem um cover de I Got Go. Inúmeros blueseiros, de Charlie Musselwhite a Carey Bell, regravaram a canção de Walter, sempre com pequenas mudanças na letra, contando com algumas alterações nos versos e, em alguns casos, estrofes em posições diferentes. E os Stones seguiram esse caminho, fazendo com que a letra original (até onde eu sei) esteja somente na versão de Walters mesmo.

Everybody Knows About my Good Thing
(Little Johnny Taylor — 1971)

Esta música é a caçula do disco. Gravada em 1971 por Little Johnny Taylor, tornou-se seu segundo grande sucesso (o primeiro era Part Time Lover, de 1963, que chegou ao primeiro lugar das paradas de R&B). Por isso, o som é mais moderno: a voz e a guitarra de Taylor são blues puro, mas todo o resto da canção é menos cru que o som clássico de Chicago.

Esta é a primeira canção de Blue and Lonesome que conta com a presença de Eric Clapton. Numa feliz coincidência, o guitarrista estava gravando seu disco mais recente, I Still Do, no mesmo estúdio. Pensando no fato de que o pessoal dos Stones e Clapton são amigos há décadas, uma colaboração seria inevitável. Por se tratar de um álbum de blues, ela se tornou praticamente obrigatória.

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