O Bom Filho a Casa Torna

Rodrigo Meirelles
7 min readJun 12, 2018

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No fim do ano passado, embarquei em uma jornada para limpar minha alma, corpo e mente, com o intuito de melhor entender qual caminho deveria tomar após ter terminado a faculdade. Fiz um jejum de cinco dias, acampando em uma ilha perto de Vancouver. Não levei livros, celular, nem nada que me pudesse distrair. Éramos eu e a incrível natureza a minha volta. Tive muito tempo para refletir, com a mente clara e aberta a tudo que emergia. Uma das conclusões em que cheguei foi que não estava feliz e algo tinha que mudar.

Nos últimos seis anos morei sozinho no mesmo apartamento. Durante esse tempo, fiz aquilo que era esperado de mim, estudei, trabalhei, tive experiências incríveis, mas sempre me sentindo confinado as expectativas sociais. Na verdade, se olho para minha vida até agora, percebo que, a partir de uma certa idade, a minha vida se tornou uma constante busca por algo no futuro, uma constante expectativa por algo que está por vir. No ensino fundamental queria chegar ao ensino médio, no ensino médio queria chegar na faculdade, na faculdade queria me formar e começar a trabalhar. Hoje, percebo que essa incapacidade de estar no presente, que no final é tudo que há (o passado foi o presente quando aconteceu e o futuro será o presente quando acontecer), é uma epidemia resultante da nossa sociedade de consumo. Desde criança somos ensinados a querer mais e mais, nunca estamos satisfeitos com aquilo que temos, sempre nos comparando com aqueles que têm algo melhor. Não há nada de errado com o progresso, a melhoria, mas existe uma maneira saudável em querer melhorar sem deixar com que isso nos deixe insatisfeitos com a nossa situação atual. Enfim, isso é um assunto para outro texto.

Depois de me formar na faculdade, consegui um trabalho em menos de um mês depois de voltar das minhas férias no Brasil. Era um emprego que pagava bem, na faculdade aonde estudei os dois primeiros anos do meu curso e que contava para o processo de imigração. Não pensei duas vezes, aceitei e comecei a trabalhar em Setembro do ano passado. Era um típico emprego de escritório de Segunda à Sexta das 9am às 5pm, sete horas sentado em frente a um computador e uma hora de almoço. Estava feliz em ter meu próprio dinheiro, em ter as tardes e fins de semana livres e sem preocupações, mas algo ainda não estava certo. Conversei com amigos e familiares que me diziam que ia me acostumar, não entendia como alguém tinha que se acostumar com algo que deveria, na minha concepção, ser intrinsecamente prazeroso. Ouvia que não era bem assim, que emprego é aquilo que nos permite fazer o que a gente realmente ama. Mas eu pensava: quando?! Acordo as 7 da manhã, medito e faço exercícios, tomo café e saio para trabalhar às 8:30am; trabalho até as 5 da tarde, faço yoga ou outra atividade até as 7pm; chego em casa às 7:30pm, preparo/esquento e como o jantar até às 8:30pm e as duas horas que sobram no dia são para ler um livro, lavar a roupa, meditar, ou checar as redes socias. Quando é que faço aquilo que amo?

Acho que cabe aqui um reconhecimento de que muitas pessoas têm uma rotina de trabalho muito mais puxada do que a que eu descrevi. Muitos têm mais de um emprego para poderem ter aonde dormir e colocar comida na mesa para suas famílias, e não têm tempo nem de pensarem naquilo que realmente gostariam de estar fazendo com seu tempo. Reconheço que minha situação é extremamente privilegiada e que só posso estar pensando nisso e tomando essa decisão devido a esse privilégio. Agradeço muito aos meus pais e minha família por me haverem dado esse privilégio e oportunidade. Porém, é por reconhecer esse privilégio que um dos meus principais objetivos é usá-lo para dar aqueles que não a possuem, a oportunidade de fazerem aquilo que amam e viverem disso. A começar por ser um exemplo de que é possível.

Voltando então as realizações do fim do ano, decidi primeiro tentar mudar a minha situação atual aos poucos, ao invés de tomar uma decisão mais drástica. Escrevi um email para todo o departamento aonde trabalhava, colocando algumas coisas que achava que poderiam ser melhoradas e como poderíamos melhorá-las. Não esperava que todas as minhas sugestões fossem aceitas e implementadas, mas queria iniciar o diálogo, pois ouvia dia-após-dia reclamações de meus colegas de trabalho. O email foi bem recebido pela maioria, muitos disseram que era corajoso por ter escrito tudo aquilo, outros agradeceram por ter trazido os problemas à tona. No entando, minha gerente, a pessoa responsável pela decisão de implementar as mudanças, simplesmente me disse, ao passar por meu escritório, que o que eu havia sugerido não seria possível implementar por um motivo que eu havia abordado no email, claramente ela não havia lido tudo ou simplesmente não se interessou na sugestão. Dois meses se passaram e nenhuma mudança ocorreu, nem mesmo uma reunião para discutir os problemas foi feita.

Nesse meio tempo, uma outra vaga se abriu na faculdade, o gerente do departamento me encorajou a aplicar pois achava que eu teria boas chances de conseguir a vaga. Como não estava feliz aonde estava e achava que o outro cargo seria mais interessante, decidi aplicar. Fiz a intervista e fui oferecido a vaga, aceitei com a condição de que pudesse ficar mais um tempo no departamento aonde estava trabalhando porque queria implementar um projeto que tinha em mente para melhorar o serviço que oferecíamos, eles aceitaram. Criei um sistema de auto-atendimento para os alunos que visitam o departamento que tornou mais eficiente o atendimento aos alunos e eliminou certos problemas que estávamos encontrando nesse processo. O sistema está longe de ser a solução ideal, mas meu tempo e recursos eram limitados e quis sair sabendo que havia deixado o departamento melhor do que estava quando entrei.

Enquanto essas mudanças aconteciam no trabalho, também surgiu a oportunidade de me mudar com uns amigos para uma casa super bem localizada, aonde estaria pagando bem menos do que estava no apartamento. Não poderia perder essa oportunidade e seria o momento ideal pois também estava mudando de emprego e ia receber um pouco menos do que no emprego. Isso não me importava muito pois era algo que eu achava que seria mais divertido e me prometeram que teria uma “stand-up desk” (uma mesa que levanta para você poder trabalhar em pé). Pulei de cabeça nesse mar de mudanças, estava animado, comecei a trabalhar na casa, limpar, pintar, e concertar algumas coisas que estavam velhas ou quebradas. Como é bom o sentimento de fazer as coisas com as próprias mãos e ver o resultado do nosso trabalho. Foram dois messes de adaptação à todas essas mudanças. Decidi dar aquilo que não ia mais precisar, móveis, roupas, etc., me assustei ao perceber o quanto havia acumulado ao longo desses seis anos e como não precisava nem da metade daquilo tudo. Aprendi bastante sobre a minha relação com bens materiais.

Depois do período de adaptação, quando as coisas se acalmaram, percebi que ainda havia um sentimento de descontentamento dentro de mim. O trabalho era diferente mas continuava sendo de 9am às 5pm sentado na frente ao computador, a mesa que levanta só chegou, ironicamente, no meu último dia de trabalho. A casa nova era super perto de lojas, restaurantes e super mercados, mas ainda muito longe de onde queria estar perto, do rio e da floresta. Decidi então fazer uma última mudança antes de tomar a decisão de voltar ao Brasil, mudar radicalmente de emprego.

Comecei a trabalhar com crianças em uma escola perto aqui de casa, não precisou nem de uma semana para perceber que também não era isso. Dessa vez o motivo não era estar sentado o dia todo, mas sim o método de ensino da escola, a maneira como as crianças eram tratadas e o quão limitada era minha habilidade de implementar aquilo que eu via como ideal em um sistema tão falho. Foi então que decidi que não havia melhor decisão a se tomar nesse momento se não a de voltar ao Brasil. Eu me lembrei de also que uma pessoa que admiro uma vez me disse, que quando tomamos a decisão “certa” não temos dúvida, podemos até pensar duas vezes, mas no fundo saberemos que essa é a decisão a ser tomada. É assim que me sinto sobre voltar ao Brasil.

Ao voltar da minha jornada no fim do ano, tive uma visão de criar um espaço no sítio do meu pai que possa nutrir o corpo, a mente e a alma daqueles que decidam passar um tempo aí. Me vi de novo perto da minha família, trabalhando com crianças em meio a natureza, contribuindo para a comunidade aonde cresci. Essa visão se manteve clara durante todo esses tempo, só não tive a coragem de torná-la realidade. Achava que ainda tinha muito que aprender antes de embarcar nesse caminho e decidi que esse seria o ano em que focaria em aprender para que no próximo ano pudesse começar a desenvolver o projeto. Agora percebo que o aprendizado virá conforme o projeto vá se desenvolvendo, que tenho que estar 100% envolvido para poder saber o que devo aprender e como vou aprender. Com isso, decidi voltar e colocar toda minha energia nesse projeto. Sei que não será um caminho fácil, não tenho dinheiro e ainda estou trabalhando em uma visão concreta para o projeto. Porém, realmente acredito que se você segue seu coração e trabalha para tornar seu sonho realidade, de alguma forma o universo se encarrega do resto.

Gostaria de concluir com um pedido. Se você tem a oportunidade de fazer aquilo que seu coração está pedindo, o faça! A vida é muito curta para ficarmos esperando o momento perfeito. Ouvi de muitas pessoas mais velhas que eu, já com uma família para cuidar, que se tivessem a minha idade escolheriam seguir seus sonhos ao invés daquilo que acabaram tendo que fazer para poder cuidar de suas famílias. Se você é uma dessas pessoas, saiba que nunca é tarde para ir atrás de seus sonhos, seus filhos crescerão, se tornarão independentes, e te apoiarão assim como você os apoiou na jornada deles. Estão em um momento na história em que estamos sendo convidados e as vezes até forçados (acidentes, doenças, etc.) a sermos autênticos e seguirmos nossos corações, aceite o convite e junte-se a mim e muitos outros nesse caminho!

Muito amor e luz para todos!

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