Reflexões de Aeroporto

Rodrigo Meirelles
8 min readFeb 26, 2019

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Existe algo sobre aeroportos que me faz refletir sobre minha situação atual. Talvez seja o fato de ser um ponto intermediário entre dois destinos, o que é análogo à vida em si, um ponto intermediário entre o que vem antes do nascimento e depois da morte. É neste ponto de transição onde essa vida se desdobra. Se há ou não algo além da morte é irrelevante para o fato de que esta vida neste corpo e neste lugar no universo está acontecendo agora, desdobrando-se a cada momento. Infelizmente, um aspecto da nossa atual condição humana nos levou a esquecer o aqui-e-agora e a estar sempre preocupados com o passado e o futuro. Essa é talvez a pior coisa que poderia ter acontecido a nós, porque se não somos capazes de experienciar o presente como ele é, somos incapazes de experienciar o desdobramento da vida de maneira pura.

Além disso, essa condição é o que hoje move o sistema capitalista e a maior parte de nossas ações. Nossa insatisfação interior se traduz em uma constante busca exterior pela felicidade. Mudamos de carro, de casa, de emprego, de país e de parceiro; compramos roupas novas, bugigangas que não precisamos e objetos de alto valor monetário e pouco valor intrínseco; fazemos dieta, vamos a academia, pintamos o cabelo; tudo em busca da felicidade, de um momento de satisfação em meio a uma vida de insatisfações. No entanto, eventualmente percebemos que nada externo pode nos dar a felicidade interna que buscamos. Eu mesmo percebi isso ao voltar ao Brasil em busca da felicidade e perceber que, mesmo depois de tudo ter saído até melhor do que o planejado, aquela insatisfação continuava dentro de mim.

As razões para essa condição são muito melhor explicadas por Eckart Tolle em O Poder do Agora, Michael Brown em O Processo de Presença, Gabor Maté em O Reino dos Fantasmas Famintos e outros escritores que vão desde filósofos a psicólogos e mestres espirituais. No entanto, o tema comum em todas essas obras me parece ser a qualidade de nosso desenvolvimento emocional durante a infância. Infelizmente, já por muitas gerações, não recebemos mais a atenção emocional de que precisamos para desenvolver adequadamente a resiliência e a capacidade de lidar de maneira saudável com nossas emoções. Não é minha intenção, nesta reflexão, falar sobre as causas dessa condição ou qual seria o ideal, mas, em vez disso, destacar que, por causa dessa falta, temos um trabalho a fazer como adultos.

Esse trabalho é conhecido por alguns como autoconhecimento, inteligência emocional, trabalho da sombra e psicanálise, para citar alguns. Os caminhos podem e provavelmente serão diferentes para cada indivíduo, mas o destino é o mesmo: trazer à tona e integrar as emoções que suprimimos na tentativa de evitar o sofrimento. De acordo com Michael Brown, o que nos impede de estar presente é a constante tentativa de escapar de emoções “negativas”, como medo, raiva e tristeza, a mesma razão pela qual recorremos aos vários vícios os quais usamos como automedicação. Como diz Gabor Maté, o vício não é o problema, mas uma tentativa de resolver um problema e escapar da dor. Assim, para ele, a questão mais importante não é por que o vício, mas por que a dor. Ao tentar responder a essa pergunta, provavelmente iremos de volta à nossa infância.

Quando olhamos para nossa infância, podemos nos confrontar com uma lembrança de uma ou mais situações em que tivemos que escolher entre conexão e autenticidade. Em outras palavras, algo aconteceu onde nós tivemos que escolher entre manter uma conexão com nossos pais ou responsáveis, ou nossa autenticidade, nosso “eu verdadeiro”. Por causa da nossa dependência de um adulto, sempre escolhemos conexão em vez de autenticidade. Portanto, começamos a perder nossa conexão com nosso verdadeiro eu e passamos a desenvolver uma personalidade que não ameaça nossa conexão com nossos pais ou aqueles a nossa volta. Mais tarde, essas adaptações que em determinado momento salvaram nossas vidas, do ponto de vista de uma criança, não nos servem mais e se tornam obstáculos para nossa experiência do momento presente e para nossa autenticidade. Portanto, nosso trabalho como adultos é reconhecer essas adaptações, reconhecer as emoções que temos medo de sentir e, portanto, as reprimimos, e trabalhar para reintegrá-las à nossa vida e deixar de lado as adaptações que não nos servem mais.

Este processo requer muita paciência, aceitação, amor, abertura e compaixão por nós mesmos e por aqueles que nos rodeiam. Ninguém mais pode fazer esse trabalho por nós, mas é em relacionando-se com os outros que reconhecemos esses padrões e começamos a alterá-los. Leva tempo para recondicionar comportamentos, atitudes e pensamentos, por isso precisamos ser gentis conosco. A razão pela qual estou dizendo tudo isso é porque já estou nesta jornada há algum tempo e passei por alguns estágios do processo que podem valer a pena ser compartilhados com outros que estão em um caminho semelhante ou gostariam de começar a jornada. É um processo único para cada um de nós, mas podemos nos apoiar e trocar experiências e aprendizados ao longo do caminho.

Um estágio recente pelo qual passei foi aquele em que achei que tinha todas as respostas. Achava que tinha que contar aos outros não apenas o que eu sabia, mas também como eu achava que eles deveriam viver suas vidas com base no que eu sabia. Embora a intenção por trás disso fosse boa, querer que as pessoas tivessem uma vida melhor, mais feliz, percebi que não tinha todas as respostas e que, mesmo depois de descobrir como viver a minha vida, nunca deveria dizer a outra pessoa como viver a dela. Eu tive muita sorte de ter amigos nesse estágio que ficaram ao meu lado e abriram meus olhos para o que eu estava fazendo. A essas pessoas eu agradeço sinceramente. Aqueles que ofendi ou magoei, peço perdão. Agora eu acredito que a melhor maneira de impactar positivamente aqueles a minha volta nesse processo é vivê-lo eu mesmo e deixar com que as mudanças em meu comportamento, atitude e energia falem por si mesmas.

Outra etapa desafiadora foi a fase de culpar. Quando fui apresentado a essas ideias, comecei a culpar meus pais por não terem me proporcionado o que eu precisava para ter tido um desenvolvimento emocional saudável. Felizmente, vivia longe e não tive muitas conversas com eles sobre esse assunto, o que me deu tempo para reconsiderar essas ideias e perceber que na realidade ninguém é culpado. Todos estão fazendo o melhor que podem naquele momento. Se seus pais não lhe deram o apoio que você acha que precisava, não é culpa deles, eles estavam fazendo o melhor que podiam com o que receberam de seus pais e dos pais de seus pais, ad infinitum. Isso é verdade para todos os outros a sua volta, seu chefe, colega de trabalho, colega de classe, namorada, namorado e assim por diante. Embora eu tenha chegado a essa conclusão logicamente, ainda não sou capaz de me sentir assim em relação a todas as pessoas com as quais interajo, mas isso faz parte do processo. Sempre haverá pessoas que nos desafiarão, esses são nossos verdadeiros gurus.

Hoje, acredito que estou no estágio de aceitação. Eu ouvi uma vez que “a aceitação é a chave para a transformação”, isso soa tão verdadeiro que agora eu repito essa frase frequentemente na minha cabeça. O aspecto mais desafiador e importante que tive que aceitar foi minha sexualidade. Eu sempre soube que não era como a maioria dos meninos, eu era mais “feminino”, gostava de dançar, cozinhar e brincar com as meninas. Em um país como o Brasil, ser um menino feminino é praticamente inaceitável para a maioria das pessoas. Eu me senti julgado e reprimido por crianças e adultos, familiares e desconhecidos. Por isso, eu tive que me adaptar, me tornei muito consciente de tudo que fazia que poderia ser visto como feminino, como eu falava, como me movia, como me vestia. Eu fazia tudo o que pudesse para parecer mais masculino. Aí está um exemplo da escolha de conexão e aceitação acima da autenticidade. No entanto, havia uma coisa que eu não podia mudar: por quem eu me sentia atraído sexualmente. Quando eu era adolescente, eu me sentia atração por meninas e meninos, e, por isso, pensava que poderia continuar vivendo como se esse outro aspecto da minha sexualidade não estivesse lá, ou de alguma forma fosse desaparecer caso eu ignorasse isso por tempo suficiente. Não desapareceu. Na verdade, começou a se tornar cada vez mais difícil de ignorar. Meu relacionamento com as meninas começou a parecer cada vez menos verdadeiro, sempre faltava alguma coisa. Até chegar a um ponto em que ou eu aceitava quem eu era, ou isso me consumiria e me enlouqueceria. Então eu aceitei.

Ainda é difícil para mim saber qual é a parte do meu verdadeiro eu e qual é a parte da personalidade que eu desenvolvi para me encaixar. Uma maneira que eu encontrei para fazer essa distinção é o quão natural um comportamento é. Quanto mais natural e mais fácil, mais próximo está do meu verdadeiro eu. Por essa razão, optei por não me colocar em categorias limitantes, de modo a me permitir navegar mais facilmente pelas minhas experiências, fazendo o que me parece natural, não o que se espera de uma categoria ou outra. Eu deveria mais uma vez enfatizar que a experiência de cada indivíduo é única, portanto, encontre o que lhe parece mais natural, este não é um processo único para todos. Um conselho que eu daria, no entanto, é respeitar o seu processo e o processo daqueles ao seu redor. É provável que o seu processo tenha um grande impacto nas pessoas próximas a você, seja gentil com elas e respeite seu tempo. Isso não quer dizer que você deva sacrificar seu processo pelo de outra pessoa, mas sim encontrar um caminho que seja melhor para todos os envolvidos.

Esse processo de que falo não tem fim nem graduação, é uma jornada para toda a vida. Por esse motivo, aproveite cada aspecto dele. Seja grato pelos desafios que a vida lhe traz, porque eles estão lá para que você aprenda com eles e cresça como resultado desse aprendizado. Além disso, algo que considero extremamente importante é não levar nada disso muito a sério. Brinque! Eu tenho um grande amigo que vê a vida como um videogame. Eu amo essa perspectiva porque implica que estamos livres para experimentar, arriscar e tentar coisas novas. Além disso, a nossa criança interior continua viva dentro de nós, escute-a e verá que tudo o que ela quer é amor, atenção, brincadeira e alegria. É importante reconstruir nosso relacionamento com essa parte de nós mesmos e ouvir suas necessidades. Você verá o quanto mais satisfeito você se sentirá ao fornecer à sua criança interior o que ela precisa.

Gostaria de terminar com um convite para que você se comprometa com essa jornada, se ainda não o fez. Eu disse anteriormente que eu não diria aos outros como viver suas vidas, e isso não é o que estou fazendo, estou simplesmente expondo uma ideia e convidando você a explorá-la por si mesmo, caso se identifique com essa ideia. Acho que, se todos trabalharmos em nossos conflitos internos, nossos conflitos externos serão muito mais fáceis de serem resolvidos. Com isso, desejo a todos vocês muito amor e luz em suas jornadas e me coloco a disposição para falar sobre qualquer uma dessas coisas… que todos possamos nos reconectar!

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