Linguagem nos tempos líquidos

Um idioma é como esta imagem: nós o moldamos e ele nos molda de volta. Mas e quando você vê nele um limite para a evolução do comportamento humano?

Rodrigo Turra
3 min readSep 22, 2015

por Rodrigo Turra

“A linguagem é uma ferramenta que permite que a mente saiba o que está pensando” — Kevin Kelly

[Antes de começar: isso não é uma comparação de qual idioma é melhor ou pior, mais pobre ou mais rico, etc. Se você quiser explorar esse assunto, clique aqui.]

Sem sombra de dúvidas a linguagem é um desenvolvimento humano que nos trouxe muito longe e uma ferramenta importantíssima para a nossa evolução. Por outro lado, pequenos detalhes da mecânica de cada idioma podem carregar limitações consigo.

Digo isso pois recentemente uma pequena palavra do português me deixou um pouco incomodado por estar limitando a nossa mentalidade e interferindo na suposta liquidez da era em que vivemos. Simples e curta, ela afeta diretamente nossa experiência.

O verbo ser.

por Eugenia Loli

Diferente do português, na língua inglesa ser/estar é a mesma palavra. Em português, quando alguém diz que é algo, o verbo vem carregado de perpetuidade: sou publicitário, sou homossexual, sou romântico. Isso nos enfia dentro de caixas e inconscientemente cria expectativas conosco e com os outros. Um verbo que, inconscientemente, sentencia o perpétuo.

Trocando o ser por estar o eterno passa a ser momentâneo e ganha a leveza da vida que realmente levamos, ou pelo menos na que acredito que deveríamos levar. Permite a mudança e transformação de quem realmente somos. Quando você troca o ser por estar, sua relação com a transformação se torna íntima.

ser é sólido, estar é líquido.

Um artigo da Dazed mostra que metade dos jovens ingleses não se identificam como heterossexuais. Seria coincidência um dado assim vir de um país onde ser/estar é a mesma palavra? Onde a sexualidade pode ter a leveza de “estar” gay, por exemplo?

Perceba também que a média de trabalhos que um millenial terá na vida é entre 15 e 20, versus a metade na geração anterior. Dados americanos, que mais um vez trazem a reflexão do peso do verbo ser em nossas vidas.

Pode parecer inconcebível para nós, falantes do português, mas nunca saberemos exatamente o peso do verbo to be para eles, assim como eu não sei se o azul que você vê é o mesmo que eu vejo.

Óbvio que não tenho uma solução pra essa restrição, mas quis levantar essa reflexão e trazer algumas sugestões. Ao meu ver, o mais urgente seria adotar uma mentalidade de metamorfose, do eterno tornar-se, para o verbo ser (e pra vida). Em segundo lugar, ter contato com outras línguas, pois expande a nossa experiência com nós mesmos e com o mundo.

Ou podemos simplesmente seguir deixando que o idioma tome novas formas: quem nunca ouviu alguém dizendo que está publicitário? Pode parecer bobeira, mas vai que uma hora isso pega? ;)

Só sei que eu vou começar agora. A única coisa que sou e pra sempre serei é mutante.

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Rodrigo Turra

Publicitário, canhoto, geminiano e mutante. Aprendi que um dia sem aprender é um dia perdido. À procura do meu próximo eu. http://www.hiphipturra.com.br/