Por que o Brasil precisa da Política Nacional de Linguagem Simples
A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que institui a Política Nacional de Linguagem Simples. Ele obriga o Poder Público a usar a Linguagem Simples, exclusivamente nas comunicações com o cidadão.
Trata-se de um conjunto de técnicas de comunicação para que as pessoas consigam encontrar, entender e usar as informações sem precisar ler duas vezes nem pedir explicação a um especialista.
Assim, a aprovação do projeto vai aumentar a compreensão dos serviços públicos nos sites, aplicativos, notícias, roteiros de telefonia, e-mails, cartas e notificações.
Por que isso é importante? Basicamente, por quatro razões.
1. Várias leis dizem que a informação pública deve ser compreensível, mas ela não é
A primeira delas é para fazer valer um direito que já está previsto em diversas leis, mas que não se cumpre na prática: o de entender as informações públicas.
Além da Constituição Brasileira, várias leis federais determinam que os órgãos públicos se comuniquem em linguagem compreensível para qualquer pessoa:
- Lei de Acesso à Informação
- Lei Brasileira de Inclusão
- Lei Geral de Proteção de Dados
- Lei do Governo Digital
- Lei dos Direitos do Usuário do Serviço Público
Como fazer isso é o “x” da questão.
É preciso regulamentar procedimentos de comunicação, pois a escrita objetiva não é um saber intuitivo.
Se assim o fosse, o Ministério da Saúde não diria em seu site que alguns sintomas da Covid são “ageusia e anosmia”; o Ministério da Agricultura não divulgaria publicidade para o público em geral sobre o Plano Safra informando que um requisito é “possuírem o CAR analisado”; nem a carta de serviços do Governo diria ao imigrante recém-chegado ao Brasil que ele deve “proceder à solicitação de registro no prazo de noventa dias sob pena de aplicação da sanção prevista no inciso III do caput do art. 307 do Decreto 9.199/2017.”
As técnicas da Linguagem Simples são amparadas por estudos de psicolingüística e design da informação, e já são norma de governo em diversos países, como Estados Unidos, Argentina, Colômbia, Suécia e Nova Zelândia. Portanto, essa não é uma lei “jabuticaba”, exclusiva do Brasil.
2. Novas plataformas mudaram o jeito de consumir informação
Linguagem Simples não é só para quem tem baixa escolaridade. É para todos nós, porque nos poupa tempo. A técnica trata de objetividade e clareza.
E onde é que a maioria de nós lê as informações públicas? Na Internet.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 87,2% dos brasileiros têm acesso à Internet. De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar, a metade destes só a acessa pelo celular.
E isso muda muita coisa. O primeiro aspecto é que não lemos um texto palavra a palavra, frase a frase, quando buscamos uma informação. Só 16% dos leitores fazem isso, segundo o Nielsen Norman Group, pioneiro em estudos de usabilidade.
Os demais escaneiam a tela de diversas formas diferentes — e provavelmente você está fazendo isso agora.
Uma das formas é a famosa “leitura em F”, na qual o usuário lê apenas linhas no início e no meio do texto em busca da informação que quer. Outra forma é buscar palavras-chave ao longo do texto para localizá-la.
Essa forma de “fast reading” se amplifica quando ocorre no celular, seja pelo fato de a tela ser pequena, seja pela facilidade ergonômica da rolagem, ou — um aspecto novo — por se comportar como “segunda tela”.
O que acontece hoje na leitura pelo celular é que o tempo de atenção é mínimo, dividido em multitarefas. A informação está competindo com o que ocorre em outras telas — no computador ou na televisão — e com alertas no próprio aparelho, como mensagens do Whatsapp.
Mais do que nunca, é preciso ser objetivo para ser eficaz.
Uma das técnicas da Linguagem Simples é organizar as informações para mostrar primeiro o que for mais importante para o público externo. Isso facilita encontrar a informação.
Veja este exemplo. O que um usuário externo quer saber ao entrar na página que explica o Programa de Pós-Graduação da Câmara dos Deputados?
O primeiro parágrafo original é:
“O Programa de Pós-Graduação da Câmara dos Deputados é uma experiência educacional inovadora, que criou dentro do Parlamento uma estrutura acadêmica de alto nível para estudar a própria instituição.”
É claro que, ao “escanear” o texto, o leitor vai pular esse parágrafo, pois ele não traz informação útil sob o ponto de vista do cidadão.
Uma opção mais informativa seria: “O Programa de Pós-Graduação da Câmara dos Deputados oferece especializações e Mestrado com foco exclusivo no Poder Legislativo.”
Essa redação faria tanto com que o leitor interessado seguisse para o próximo parágrafo, a fim de saber mais; quanto com que que o leitor que percebeu que o tema não é para ele saísse da página. Bingo. Fomos eficazes em ambos os casos.
Linguagem Simples, portanto, vai muito além de simplificar palavras.
3. O cidadão brasileiro não é proficiente em leitura
Como se não bastasse o item anterior, o Brasil tem um ingrediente extra. O Indicador de Alfabetismo Funcional do Instituto Paulo Montenegro, de 2018, mostra que apenas 12% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são proficientes em leitura, ou seja, são capazes de entender textos complexos.
Isso significa que só essa parcela da população consegue compreender textos extensos; entender conceitos abstratos; distinguir fatos de opiniões implícitas; e fazer inferências a partir das informações apresentadas.
Já o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) do mesmo ano traz dados mais alarmantes: só 0,2% dos estudantes do 1º ano do ensino médio têm essa proficiência.
Já ouvi em muitas das minhas oficinas que o serviço público tem que “educar o cidadão” quando ele busca a informação. Por isso, não pode simplificar.
Eu concordo que o Poder Público tem que educar, mas é muito antes, na escola. Na hora de marcar uma consulta no SUS ou tirar a carteira de identidade, o Poder Público tem que facilitar a vida do cidadão e garantir que ele consiga seus direitos.
Não é possível haver cidadania se não há compreensão.
4. A Linguagem Simples diminui o “custo Brasil”
“Custo Brasil” é uma expressão que se refere às dificuldades legais, estruturais, tributárias e burocráticas do País.
A Linguagem Simples entra para reduzir a burocracia. Pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que 84% dos entrevistados consideram o País burocrático.
Um dos pontos apontados foi a linguagem de difícil entendimento. Ela se reflete na necessidade de busca no Google e de tutoriais que ensinem a usar e entender serviços públicos.
Não é aceitável que um cidadão precise ir presencialmente a um balcão de atendimento para entender o que já foi dito.