Guilherme Weber e Rômulo Zanotto | Solar do Rosário | Festival de Teatro de Curitiba | 2016 (Foto: Lex Kozlik)

Meu encontro com Guilherme Weber

Rômulo Zanotto
Blog do Rômulo Zanotto
7 min readNov 4, 2016

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Em 2016, pela primeira vez a curadoria do Festival de Teatro de Curitiba ficou a cargo dos curitibanos Márcio Abreu (diretor), da Cia. Brasileira Brasileira de Teatro, e Guilherme Weber (cineasta, diretor e ator), da eterna Sutil Cia. de Teatro. Depois de anos sob o olhar dos críticos e teatrólogos Celso Curi, Lúcia Camargo e Tânia Brandão, é a primeira vez a curadoria é entregue às mãos de realizadores teatrais. Especialmente, com formação e atuação artísticas fortemente vinculadas à Curitiba.

Para conversar sobre este novo panorama e tecer um perfil sobre a mais recente mostra do Festival, encontrei com Guilherme Weber no primeiro dia do Festival. O encontro aconteceu no Solar no Palco, e foi o primeiro dos meetings que aconteceu diariamente entre o Festival de Teatro e a imprensa, no Solar do Rosário, durante a última edição do evento.

Conversei com ele sobre curadoria, novidades, brasilidade, produção, co-produção, sobre a 25a e sobre as futuras edições do Festival. Guilherme frisou a diferença entre fazer a curadoria e preencher a grade de programação completa do festival, destacou a importância de trocar os curadores a cada três ou quatro anos, e comentou sobre as particularidades de alguns espetáculos da Mostra. Tudo isso num papo tão perene, que vale até hoje como registro da Mostra desta edição. Confira!

Novidade

Ao ser perguntado, logo de cara, se haveria uma ruptura radical com a linha de curadoria que conhecíamos até então, Guilherme afirmou que “o que muda, basicamente, é que durante 25 anos o Festival se pautou pelo olhar para as estreias nacionais. A partir do Festival, tínhamos um panorama do que o Brasil veria ao longo do ano seguinte. Só que o mundo mudou e a própria forma de ver e organizar um festival também. A nossa preocupação não é mais priorizar a novidade, e sim produzir um pensamento, e que a reunião destes espetáculos na cidade produza reflexões”, responde ele. “A arte tem que ficar livre da novidade. Esse frisson novidadeiro, a arte já se livrou dele há muito tempo. Uma coisa é o novo, outra é a novidade. Há que se fazer essa distinção. Fazer um festival que reúna só novidades, hoje em dia é muito pouco. Queremos produzir pensamento, e não fazer simplesmente uma programação de novidades.”

Guilherme Weber, curador da última edição do Festival de Teatro de Curitiba (Foto: Lex Kozlik)

“A arte tem que ficar livre da novidade. Esse frisson novidadeiro, a arte já se livrou dele há muito tempo. Queremos produzir pensamento, e não fazer do Festival simplesmente uma programação de novidades.” (Guilherme Weber)

Brasilidade

O ator e diretor conta também sobre os critérios ou sobre os vetores — como ele chama — estabelecidos por ele e Márcio Abreu para organizar a grade de programação. “Primeiro, foram os olhares sobre o Brasil: quais as companhias, quais os artistas que, durante o último ano, olharam para o Brasil, refletiram o Brasil de maneiras diferentes? A partir desta Mostra, a gente tem um panorama de que Brasil está sendo refletido através do teatro.”

Outro aspecto levado em conta pela curadoria, foi contemplar todos os tipos de espetáculo que acontecem a partir do algum contato com o público: teatro, dança, performance. Especialmente brasileiros que nunca ou pouco vieram a Curitiba.

“Que tipo de fricção os artistas trazem dessa fronteira e que tipo de fricção elas causam em Curitiba? André Masseno, brasileiro que mora na Suíça, traz Confete da Índia. Wagner Schwartz, brasileiro que mora em Paris, traz La Bête (O Bicho). Fernanda Farah e Chico Melo, artistas curitibanos que moram e produzem em Berlim há 20 anos e não se apresentam com regularidade na cidade, trazem Parallel Songs. Quem são estes artistas brasileiros produzindo na Europa? Como é que eles pensam o Brasil lá fora?”

Curitiba

E continuou, nos deixando perguntas e oferecendo comentários: “Que corpos são estes que estão se colocando disponíveis para o Festival? Um corpo como o da atriz Maria Alice Vergueiro (Why the Horse?), que está encenando suas próprias limitações. O corpo de Schwartz, que só existe se a plateia o manipular. Qual a reação de um curitibano, absolutamente tímido e fechado, a um artista que está se oferecendo como matéria-prima, como conteúdo de sua própria obra? Batucada, uma manifestação corporal que abre para o campo político do encontro entre o público e o artista, com cidadão curitibanos fazendo parte da montagem, não necessariamente artistas.”

Curadoria x Programação

Guilherme faz questão de fazer distinção entre o que é estabelecer uma linha curatorial e preencher uma série de outras demandas da grade de programação de um evento como o Festival. “Como é que você preenche a programação de auditórios grandes como a Ópera, o Positivo e o Guaíra [que apesar de ter acabado de fora do Festival, teve inicialmente um programação planejada para ele]? É um vento que precisa de retorno de bilheteria, que convive com muitos tipos de público: tem o público que só frequenta teatro no Festival, tem uma plateia que continua se formando, você precisa ter espetáculos de comunicação direta com o público. Desta forma, têm espetáculos que integram a programação, mas não estão necessariamente inseridos nesses vetores de pensamento. Como, por exemplo, Portátil, do Porta dos Fundos. Um espetáculo maravilhoso, feito por comediantes de ponta, absolutamente anárquicos, revolucionários dentro do humor brasileiro, e que não estão inseridos neste pensamento. Mas, ao mesmo tempo, tem uma comunicação direta com o espectador, então é preciso contemplá-los e inclui-los na grade.”

(Foto: Lex Kozlik)

"Como é que você preenche a programação de auditórios grandes como a Ópera, o Positivo e o Guaíra? Desta forma, têm espetáculos que integram a programação, mas não estão necessariamente inseridos nesses vetores de pensamento." (Guilherme Weber)

Why the Horse?

Não resisto à pergunta cachorra de se fazer: “qual dos seus filhos mais lhe agrada”, em relação à programação que Guilherme e Márcio montaram. “Eu me sinto meio pai da programação, mas eu tenho uma alegria pessoal em trazer Why the horse?, que a princípio não foi pautada para nenhum outro festival. É um happening onde Maria Alice Vergueiro encena a própria finitude. Eu acho um dos acontecimentos mais fascinantes do ano passado, no mundo! Uma atriz do porte da Maria Alice Vergueiro, anárquica, vanguardista, revolucionária, que dedicou uma carreira a abrir portas para que artistas como nós tenhamos hoje liberdade estética, de pensamento, de expressão, de opinião. Ela é a concretização de todas as metáforas.”

De acordo com Guilherme, este espetáculo nasceu de uma conversa da atriz com Zé Celso. Ela disse para o diretor que gostaria de morrer em cena. Zé Celso, então, respondeu: “vai ensaiando que você consegue.” Desde então, Maria Alice ensaia todas as noites seu próprio fim.

“Tomara que a gente possa ser cúmplice dessa busca pela finitude dela no palco. É um acontecimento”, destaca o curador. Seria um happening, literalmente.“É um evento que eu gostaria que todas as pessoas assistissem”, finaliza ele, referindo-se à encenação da morte, e não a ela propriamente dita — embora também pudesse ter sido.

Vozes Dissonantes

“Também me agrada muito trazer de novo Denise Stocklos. Ela estava afastada. E não quisemos trazer o espetáculo mais recente, mas sim Vozes Dissonantes, uma produção do ano 2000, porque queríamos entender como esse espetáculo, produzido para refletir o Brasil nos seus 500 anos, também dialoga com estes outros espetáculos, sobre o Brasil de hoje. O que importa é o pensamento, o diálogo, a fricção produzida. Não a novidade.”

(Foto: Lex Kozlik)

"Quem são os artistas brasileiros produzindo na Europa? Como é que eles pensam o Brasil lá fora?” (Guilherme Weber)

Coprodução

Em virtude do pouco tempo que tiveram para definir a programação, o ator conta que já deixaram planos engatilhados para a próxima edição. Uma delas, a co-produção.

“Curadoria não é só vetorizar o pensamento, mas também provocar os artistas para que eles produzam obras para o Festival. Nós almejamos, com o tempo, que a curadoria provoque alguns encontros que resultem em espetáculos ou performances viabilizados pelo Festival. Encontros que não existiriam se o Festival não intermediasse ou promovesse.”

(Foto: Lex Kozlik)

"Nós almejamos, com o tempo, que a curadoria provoque alguns encontros que resultem em espetáculos ou performances viabilizados pelo Festival. Encontros que não existiriam se o Festival não intermediasse ou promovesse.” (Guilherme Weber)

Curadoria e repertório pessoal

Para finalizar, conversei com Guilherme sobre o tempo que deve durar uma mesma curadoria de um evento como o Festival. “Uma curadoria precisa de tempo para deixar um legado, uma assinatura”, responde ele. “Três ou quatro edições. Não deve passar disso. Uma curadoria inevitavelmente se faz de repertório pessoal, do que os curadores se alimentam. Depois, tem que arejar.”

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Rômulo Zanotto
Blog do Rômulo Zanotto

Escritor e jornalista literário. Autor do romance "Quero ser Fernanda Young". Curitiba.