#TBT de vidas passadas? Temos!
#TBT de #TBT, como matrioskas? Temos!
Antes de nascer, eu tive um tio que se chamava Raimundo. Ele morava no Rio de Janeiro e morreu atingido por um raio na praia de Copacabana em 1977, aos 28 anos. Hoje, 30 de janeiro, faz exatos 43 anos.
Essa história e a figura do meu tio foram muito impressionantes para mim a minha infância inteira. Primeiro porque me davam uma noção muito estranha de que o mundo não tinha começado comigo: tinha havido coisas e pessoas que existiram e sumiram antes mesmo de eu nascer. Depois, porque eu morava numa cidade minúscula onde todo mundo conhecia todo mundo e me intrigava imenso o fato de que meu tio morasse numa cidade onde ele morresse e ninguém soubesse quem ele era: ele estava sem documentos e foi dado como desaparecido até que a família o encontrasse no IML. …
A morte atravessa séculos para nos encontrar. Num infarto do miocárdio, num acidente de trânsito, num quarto de hospital, numa poça de vômito no banheiro de casa ou num parque de diversões repleto de gente. É certo que ela virá. Nascemos sentenciados de morte. No entanto, a escondemos debaixo do tapete tanto quanto possível.
No século XX, a morte passou para o ambiente esterilizado dos hospitais, escondida e calada. Até então, morria-se em casa, via-se, velava-se em cima da mesa. Hoje, apesar de o obituário da vir editado no caderno , como um recado eloquente a nos lembrar muito bem o lugar que a morte ocupa no dia a dia, não se convive com ela. A morte é uma espécie de não acontecimento. …
Aonde está você agora, além de aqui, dentro de mim? Sempre que ouço essa música, penso em ti. Para onde você foi?, porque morto não está. Primeiro, que Caio é imortal, a despeito dos silogismos. Depois, que bicha não morre, vira purpurina. Então, como é que vão as coisas por aí, onde quer que você esteja? E mais: onde é aí? Para onde vão as coisas e as pessoas depois que morrem? Uma parte de você está dentro de mim e é com esta que eu falo. Mas… e o resto? (silêncio)
Por aqui, continua tudo na mesma, só que sem você. “E, portanto, um pouco mais feio, um pouco mais sujo, um pouco mais incompreensível e menos nobre.” Vão-se os morangos, ficam-se os mofos. Viver continua dando pena. E se também continua valendo um pouco a pena, é graças somente à alma, que não é pequena. Por aqui, está cada vez mais agosto. Não a gosto de Deus, claro, que esse já ficou claro que não existe. Mais agosto mesmo, como o mês que você tanto usava em metáfora de desgosto. …
Não tínhamos o plano de fazer um livro quando aluguei o apartamento do Eduardo. Na verdade a ideia do livro surgiu bem depois. Mas acho que pessoas que escrevem, que estão de alguma forma envolvidas com a leitura e a escrita, tendem a ter uma espécie de “vida dupla”, ou melhor, tendem a ver a vida como duplicável num livro, como se estivessem sempre de algum modo assombradas por aquela afirmação de Mallarmé de que tudo existe para acabar num livro.
Não me lembro bem como se deu essa “virada”. Voltei aos e-mails, a partir da sua pergunta, e vi que foi o Eduardo que pela primeira vez respondeu com um poema, acompanhado da frase “eis o que eu retive da sua última mensagem”, um e-mail que eu havia lhe enviado. …
O teatro é a mesa ao redor da qual a família se reúne, ponto de encontro entre uma coisa e outra: entre isto e aquilo, realidade e ficção, aqui e lá, agora e depois, passado e futuro, eu e você, atores e plateia, espaço de comunhão, partilha.
Na era do convívio digital, o teatro é um dos poucos lugares onde o fenômeno do presente ainda acontece: eu e você, aqui e agora, comendo a mesma comida, bebendo a mesma bebida, respirando o mesmo ar. Não interessa a mais ninguém.
Vamos a um show de rock e ao invés de ver com os olhos, vemos através da tela. Na ilusão de que registramos o fato, nos escapa que na verdade o perdemos: desde o instante mesmo em que o presente acontece, estamos separados dele por uma tela. É apenas através dela que o vemos — o presente. Andamos em ruas de verdade, mas guiando em terceira pessoa nossos avatares: “Rômulo Zanotto esteve não sei onde”, “está se sentindo não sei como” e “têm interesse em não sei quê”. Passamos ao largo de quem passa ao lado, porquê no instante em que o outro passava meu avatar perguntava ao dele por onde andava. …
se soubesse quem você é, seria só pra você que escreveria. Mas como mau caratismo geralmente se esconde, não sabemos seu nome e endereço. Assim, ao contrário do que você poderia ter feito, me dirijo aos quatro ventos. Mas é a você, só a você que escrevo.
Desde a década de 1970, o termo vanguarda foi muitas vezes associado a Curitiba. Materializado principalmente em políticas urbanas, como transporte coletivo, coleta seletiva, parques lineares e no calçadão da XV, as soluções cosmopolitas dos anos 1970 e 1980 viraram referência para outras cidades e motivo de orgulho para os curitibanos.
No início da década de 1990, pegando carona neste ufanismo vanguardista, Leandro Knopfholz realizou o primeiro Festival de Teatro de Curitiba, colocando a capital paranaense em mais uma vertente da vanguarda: a cultural.
26 edições depois, o que mudou no cenário do Festival e no contexto cultural ao seu redor? Conversamos com Knopfholz, o diretor do FTC, com a antiga curadoria do evento — à frente dele por mais de uma década — e com artistas locais. …
Estou cara a cara com um dos fundadores e Diretor Geral da Bienal Internacional de Curitiba, o arquiteto Luiz Ernesto Meyer Pereira. Para dar o tom da entrevista, começo perguntando a ele, por entre um sorriso, quantas obras de Romero Britto teremos na Bienal. “Nenhuma”, responde Luiz Ernesto. “A Bienal de Curitiba 2015 priorizou artistas que utilizam a luz como suporte para sua obra. Não é o caso de Romero Britto, que só tem obras bidimensionais”, finaliza, com elegância e discrição.
Não que as obras bidimensionais não existam nesta edição do evento. A própria artista curitibana Claudia de Lara, cujas obras ilustram esta matéria, participará com um conjunto de obras em óleo sobre tela. É que “nunca se viu obra dele, [Romero Britto], com luz”, emenda o diretor, com seriedade. …
Dia de cantar pelo miseráveis, que vagam pelo mundo derrotados, por estas sementes mal plantadas, que já nascem com cara de abortadas. Pelas pessoas de alma bem pequena, remoendo pequenos problemas, querendo sempre aquilo que não tem. Dia de lembrar que tudo, no Brasil, acaba em pizza e que pizza é coisa que se vende fatiada. Dia de lembrar que o gigante, Renan Calheiros, acordou. De lembrar que Eduardo Cunha dizia no Roda Viva, um ano antes, que se houvesse impeachment o Brasil seria transformado numa Republiqueta. Dia de lembrar que quem nasceu para Cigano Igor, jamais chegará a Alexandre Nero. Dia de lembrar que se é presidente ou presidenta já não faz mais sentido. “Presidente”, está concluído, é entre aspas que se escreve, mesmo sendo masculino. A dúvida, agora, é se é golpista ou se é golpisto. Primeiro vice, depois interino, e agora entre aspas. …
Não era a primeira vez e não seria a última que o boneco se apaixonava. Estranho então supor que daquela vez também quisesse que fosse para sempre. Mesmo sabendo que aquele não era o cara de sua vida. Mesmo sabendo que o cara, como anjo que era, estava reservado para outros destinos, para outros lugares, para mais alguém.
Quando o boneco encontrou o anjo — na sala do próprio apartamento, perdido dentro do seu computador — sequer desconfiava que ele fosse mesmo isso, um anjo. Só descobriu tempos mais tarde, quando o próprio anjo, entre lágrimas, lamentou-se não estar livre para viver o boneco como queria. Para amá-lo como ele realmente merecia. É que ardiam nele ainda os arranhões de uma certa queda. E a dor da ardência impedia-o de sentir a alegria do amor. …
About