A Carta dos jornalistas da Folha é um desastre

Roni Pereira
2 min readJan 22, 2022

--

A Carta nada mais é do que uma maneira de dobrar o jornalismo a um determinado dogma da esquerda identitária

O modelo da imprensa ocidental é essencialmente liberal. E por quê? As Constituições nacionais, que permitem e garantem a atividade jornalística, contêm artigos inspirados diretamente em princípios do liberalismo: pluralidade, liberdade de expressão e de imprensa. São condições que permitem o máximo de proximidade possível com o ideal conhecido como “mercado de ideias”, ou seja, a possibilidade de se debater qualquer assunto e evitar tabus.

Entretanto, há consensos sociais, científicos, morais, jurídicos etc. que colocam algum limite na tentativa de encontrar controvérsia em determinados temas. É por isso que, por exemplo, os argumentos do “terraplanismo” não merecem ser considerados como um “lado” de um suposto “debate”, porque não há mais nenhuma discussão séria em que seja possível defender o formato plano do planeta Terra.

A tese do antropólogo baiano Antonio Risério, exposta no artigo “Neorracismo identitário” (Folha de S. Paulo, 16/01, p. C6), no entanto, não vai contra nenhum tipo de consenso. E qual a tese dele? É possível negros serem racistas. Houve reação, não apenas para contestar o que foi dito, mas também para criminalizar o autor como um “racista” e/ou um “supremacista”.

Houve até Carta assinada por 200 jornalistas da Folha de S. Paulo manifestando contrariedade à publicação do artigo.

A Carta nada mais é do que uma maneira de dobrar o jornalismo a um determinado dogma da esquerda identitária: “só há racismo estrutural, o racismo praticado por negros não existe”. É a tentativa de considerar tal dogma como um consenso. Os autores da carta usam e abusam de falácias, mas focarei apenas na seguinte atrocidade intelectual: comparam a tese de Risério com “relativização do Holocausto”, “apologia da ditadura”, “terraplanismo” e argumentos “antivacina”.

Crueldade do Holocausto, Ditadura Civil-Militar brasileira (1964–1985), formato esférico da Terra e eficácia das vacinas são consensos morais, sociais ou científicos. Tratam-se de teses específicas e amplamente documentadas, o que permite argumentações sólidas praticamente incontestáveis. Esse definitivamente não é o caso da tese “só há racismo estrutural, o racismo praticado por negros não existe”, que é genérica e assaz questionável.

Os argumentos que advogam a favor dela se fundamentam em: reconfigurações conceituais discutíveis e convenientes como “racismo é sistema de poder”; em relações causais fictícias como “o racismo estrutural que oprime o negro implica na impossibilidade do negro ser racista”; ou na pura e simples vista grossa: “racismo estrutural contra o negro torna irrelevante discutir se o negro é racista ou não”.

Tudo isso é discutível. Portanto, Risério não está praticando nenhum absurdo comparável a “relativizar Holocausto”, por exemplo, ao questionar esse dogma identitário.

A Carta dos jornalistas é um desastre, pois está manifestando incômodo por artigos que contrariam o clubinho dos identitários — até porque a tese do clubinho não é nenhum consenso, ressalte-se. Isso acaba sendo uma subversão da noção liberal do jornalismo: impede o debate, cria tabus e tenta impor determinados dogmas para agradar a militância.

--

--