Alguma coisa se rompeu

rosana hermann
2 min readMay 28, 2016

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Vejo uma bússola que aponta um norte de rupturas.

Não paro de pensar que estamos vivendo uma era de cisões, um período de grandes demolições, no Brasil e no mundo.

Não sei quando começou, mas deixando minha mente livre pra buscar imagens misturadas sem ajuda do Google, penso em grandes momentos icônicos como o 11 de setembro de em Nova York, com a queda das Torres Gêmeas, o homem queimado vivo numa jaula pelo Estado Islâmico, as decapitações mostradas em vídeo, a Síria devastada, o menininho afogado deitado na areia da praia, a lama da Samarco que acabou com vidas e cidades, a tragédia da boate de Santa Maria, a chacina da Candelária, a corrupção engolindo o Brasil, a falência generalizada da política, as meninas estupradas e atiradas de um penhasco no Piauí e, agora, o estupro coletivo no Rio de Janeiro.

Um gás tóxico de intolerância paira no ar e eu não sei o que dizer, só sentir.

Enquanto sofro e me desespero, alguma coisa sussurra “mas tem que ser assim! Tem que destruir pra reconstruir, deixa cair, vamos demolir pra recomeçar!”.

Só sei que um dique se rompeu, uma barreira desmoronou, um muro desabou, chutaram o pau da barraca, a casa caiu. E veio aquela avalanche de insanidade comendo rios de afeto, um tsunami de intolerância engolindo sonhos, um terremoto que pôs abaixo o que acreditávamos ser uma sociedade estabelecida.

Era mentira. Era fachada. O Brasil que estava em pé era cenário e a felicidade estava sendo apenas representada. Todas essas gravações, as delações, todas essas corrupções e agora, esta gota dágua final que incendeia nossa ilusão de plástico, o estupro coletivo de uma menina registrado num vídeo como um troféu.

O que fazer? A única coisa que há para fazer quanto termina uma guerra. Encarar nossa terra-arrasada. Enterrar nossos mortos, remover o entulho e construir sobre o chão. Fazer um mutirão de coragem, passar o balde da lucidez de mão em mão numa corrente. Celebrar juntos ao encontrar um cachorro vivo entre os escombros.

Vejo uma estrela no céu que pode nos guiar. Se olharmos juntos para um mesmo ponto, quem sabe, a gente ainda possa se salvar.

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rosana hermann

physicist, writer, journalist, blogger, scriptwriter, professor, tv hostess, runner, knitter and twitter lover @rosana